Tragédias anunciadas

    Um dia a casa cai sem a manutenção de seus alicerces. Um dia o caldo entorna sem a supervisão de quem o apura. Um dia o pior acontece… Toda e qualquer tragédia tem sempre a digital do descuido. Ou, como justificam os fatalistas, profetas do caos: nada acontece por acaso.

    Há um limite para eventuais explicações, quando o que se busca é a isenção das responsabilidades. A tendência humana é refugiar-se à sombra das omissões pessoais e apontar o dedo para instituições ou corporações políticas, empresariais ou mesmo religiosas, sem um rosto, sem um nome. Esse é nosso grande pecado social: um erro tem reação coletiva, nunca pessoal apenas. O pequeno córrego que lembrava o sagrado feijão no prato de tantos humanos é hoje uma bruma, uma névoa horrorosa, uma lamacenta massa de morte e destruição sobre a poética Brumadinho de outrora.

    Eis no que resulta uma centelha de omissão. Atinge o coletivo, irradia seus malefícios. Foi o que me fez pensar meu irmão Fonseca (estivemos reunidos na 47ª. Assembleia do MEAC neste final de semana) ao apresentar uma dinâmica sobre o fogo (centelha de amor ou rastro de destruição) dependendo do controle que fazemos sobre ele. “Sopra sobre uma centelha e ela se abrasará. Cospe sobre ela e se apagará. Ambos saem da tua boca” (Eclo 28,4). O sopro ou o cuspe, o avivamento ou a morte, a capacidade de criar, abrasar, incentivar ou mesmo sepultar, encerrar, corrigir – tudo isso – só o homem pode fazer. Eis porque as tragédias que se sucedem possuem todas a ação ou omissão humana.

    Perdoe-me, meu irmão, se me aposso de uma reflexão essencialmente construtiva, que lhe custou noites de insônia e descobertas e que certamente abrasou seu coração com a alegria de uma revelação espiritual… Perdoe-me se inverto esse processo para ilustrar hoje uma tragédia propiciada pela ganância e lucro da nossa sociedade consumista. O ferro é nosso ouro, dizíamos com orgulho. O Feijão também… Mas a pergunta que muitos se fazem: Por que construir restaurante e escritórios no sopé de uma barragem? Rejeitos ferrosos valem mais que a incansável mão de obra, essa força produtiva que suga seu ferro – sua força – do bom e saboroso feijão?  Cada povo tem seu conceito de valores, não é mesmo?

    Ainda meu amigo hoje me dizia: Salomão trocava ouro por troncos de ébano, a madeira negra do continente africano. Para ele, o ébano valia mais do que o brilho hipnotizante de uma pepita aurífera. E para nós, brasileiros? Será que a ferrugem corrosiva do nosso precioso metal vale mais que a vida de pobres brasileiros? Como vemos, não é só minha boca que hoje grita como voz num deserto de contradições. Chegou a hora de ouvir seu eco. Já não mais se pode admitir a segurança de vidas inocentes abaixo da segurança de barragens de lodo, de lama, de rejeitos que não são humanos. Estes merecem maiores cuidados do que as impurezas da nossa ganância.

    Ora, se uma centelha de amor abrasa um coração sensível, se uma tragédia pode construir a solidariedade, exultemos. Salomão viu maiores valores no lenho negro do ébano. Nosso irmão Fonseca, também. No tronco supervalorizado dessa madeira, entalhado por mãos inspiradas lá da África, encontrou a imagem de Maria, mãe de Jesus, e logo lhe deu um título: Nossa Senhora do Dízimo. Enquanto isso, na tragédia brasileira surge uma imagem enlameada, mas intacta, de Nossa Senhora Aparecida… Enquanto isso, nas Filipinas, terroristas bombardeiam uma igreja católica, matando dezenas de fiéis. Sinais dos tempos ou alertas divinos?

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