Tempo e eternidade

    No tempo presente neste mundo cada um delineia o seu destino eterno. A vida humana se desenrola como imensa tela. Todos os acontecimentos, circunstâncias e instantes devem ser passados em função do que ocorrerá no final da trajetória terrena. Muitos, infelizmente, passam seus dias sem se preocupar com o que ocorrerá após a inevitável morte. Santo Agostinho exclamava: “Ó eternidade, ó eternidade! Quem pensa em ti e não se converte a Deus, perdeu a razão ou a fé”. Os bons cristãos, porém, procuram corresponder sempre à ação de Deus que a cada instante santifica a alma que nele confia. Tudo procuram fazer a seu alcance para crescer na santidade. Isto porque quem é prudente jamais se esquece de que Deus é o principio de seu ser e o fim de sua existência. Faz não a própria vontade, mas se adapta ao querer divino na alheta do que está na oração ensinada por Jesus na qual assim se dirige cada um ao Pai: “Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”. Regozija-se nos instantes de lazer, mas sabe carregar a cruz de cada dia sem murmurar contra o seu Senhor. O que conta são os desígnios divinos, pois tudo está previsto e regulado pela Providência de um Pai amoroso. Alguns desavisados querem impor condições a Deus. Procuram transformá-lo num poderoso banqueiro e querem estabelecer com Ele um negócio, um contrato bilateral. Ao invés de procurar se aprimorar espiritualmente, por ver na prática da virtude em si o segredo da felicidade, cobram do Ser Supremo ajuda especial em paga da observância de seus sagrados mandamentos. Eis por que, quando  na sua sabedoria Deus envia qualquer provação, surge a revolta e a paz interior se esvai. Conquistam, porém, o coração de Deus as almas desinteressadas que nele confiam inteiramente ainda que Ele exija sacrifícios necessários para o crescimento no seu amor. Quem, contudo, acredita em Deus afasta toda pusilanimidade, caminha sem temor trilhando as rotas da perfeição cristã. Reconhece então que cada ser humano é uma obra prima que saiu das mãos poderosas do Criador. Sabe por isto valorizar tudo que dele se recebe a cada instante. Desta forma, alegrias e tristezas, êxitos e revezes, consolações e instantes de desilusões, esperanças e temores, tudo fica sobrenaturalizado. O agir divino, para santificar os cristãos de boa vontade, não conhece limites. Donde o conselho do salmista: “Confia ao Senhor os teus cuidados e ele te sustentará. Não permitirá que o justo vacile” (Sl 55,23).  Este pensamento desembaraça, liberta das ansiedades, estabelece uma santa liberdade e leva a uma tranquilidade total e se torna fonte daquela imperturbabilidade que só o justo degusta. É que a graça escoa na alma como um arroio sereno, irriga-lhe as faculdades, penetra nos sentidos, impregna todos os atos de quem está unido a Deus. Para provar a fidelidade de cada um, Ele permite que, por vezes, a alma fique sem vigor, as paixões se rebelem, a turbulência interior apavore. É o momento em que o cristão não se deixa abalar e sabe que, após a tempestade virá a bonança, e que, com o auxilio de Deus, as dificuldades serão superadas. Todos os santos conheceram estes instantes nos quais a face sorridente de Deus parece ter se ocultado, mas não desanimaram e continuaram firmes longe de tudo que pudesse conspurcar sua vida batismal. Nos instantes difíceis, contudo, há cristãos que vão se refugiar erroneamente nos programas televisivos a serviço do mal, não fugindo das ocasiões que poderiam levar ao pecado. Esquecem-se que as consolações do céu virão, mais hora, menos hora, recompensar quem teve confiança inabalável no Todo-Poderoso e não procurou ilusões terrenas.  É que, sabiamente, o autêntico  cristão não tenta sondar as profundezas do mistério divino, mas se conforma aos planos de um Pai que visa sempre o progresso de quem lhe é fiel. Com efeito, nas mãos de Deus o batizado deve ser maleável, para que os defeitos se transformem em virtudes. Deus burila cada alma dócil como se fosse a única no mundo. Reserva-lhe então os seus mais belos adornos, enriquece-a, torna-a bela e formosa no tempo presente para que possa depois fulgir na eternidade. Todas estas reflexões só têm valor para aqueles que estão realmente convencidos do que disse o Apóstolo: “Não temos aqui morada permanente, mas buscamos a futura” (Hb 13,14). Felizes, portanto, os que já procuram morar na casa da eternidade, usufruindo no tempo presente todos os dons de Deus, todas as maravilhas que Ele espalhou por toda parte, mas fazendo sempre de tudo degraus para se chegar à Casa do Pai. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.