SOLENIDADE DE PENTECOSTES – Cartas do Padre Jesus Priante

Liturgicamente, consideramos este domingo conclusivo do Tempo Pascal. Teologicamente, diríamos que Pentecostes prolonga a Páscoa até o fim dos tempos.
Depois da Ascensão de Jesus, inicia-se a Era do Espírito, que conduz nossa vida e o Universo à sua glorificação ou divinização em Deus. Pentecostes vem do termo grego (“pentecostós”) e significa cinquenta dias, também traduzido do hebraico “Shavuot” ou festa das Semanas, em que o povo judeu celebra também 50 dias depois da Páscoa, comemorando sua Aliança com Deus através da entrega da Lei ou Torá no monte Sinai à Moises.
Bem outro, da mesma maneira que é a Páscoa, é o sentido cristão de Pentecostes, no qual celebramos a comunicação da vida de Deus, de maneira gratuita, sobre nós e toda a criatura, conforme já anunciado pelo profeta Joel, antes de Cristo: “Derramarei meu Espírito sobre toda carne” ( Jl 3.).
O termo Pentecostes, nem sequer hoje expressa seu sentido verbal, pois neste domingo, completam-se não os 50 dias após a Páscoa ou as sete semanas dos judeus, que de fato seriam oito, mas também, não expressa seu verdadeiro sentido evangélico. Este acontecimento salvífico de Pentecostes, teria de ser chamado “Dia da Vida”. Isso significa “espírito” e, é assim que o confessamos no Credo: “Creio no Espírito Santo, Senhor (Deus) que dá a vida”.
Ultimamente, temos consagrado os dias para tudo: Dia do pai, da mãe, da criança, da pátria, do trabalho, da água, da terra… até o câncer tem seu dia, mas ainda não reservamos no calendário nosso dia mais importante, “O Dia da Vida”, que recebemos em Pentecostes.
“Somos sonhados por Deus para viver”, costuma dizer o Papa Francisco, e “sua glória é que vivamos” (São Irineu, séc. II).
O grande poeta árabe Khalil Gibran diz: “Teus filhos não são teus, mas filhos da Vida, sequiosa de si mesma. Somos apenas arco de flechas vivas lançadas por Deus”.
Pentecostes muda a mentalidade das religiões, pelas quais nos sentimos indo para Deus, quando é Ele quem vem a nós. O Deus que invocamos pela fé é o Deus que vem, como cantamos no hino do Santo: “Bendito Aquele que vem em nome do Senhor”. Nossa grande oração é: “Vem Espírito Santo”. Hegel (séc. XIX), pai da filosofia da história, interpreta-a como o “devir do Espírito Absoluto” através da árdua dialética do contraditório. ” Pena que ele nunca celebrou Pentecostes, por isso, percebeu a história como uma viagem para uma consciência vazia.
Somos “capax Dei”, recipiente de Deus, dizia Santo Agostinho, e seremos “entusiasmados”, que significa em grego cheios de Deus, quando seu Espírito plenificar nosso desejo de viver eterno e feliz. A salvação é o Advento do Espírito Santo.
O ser e a vida tem só uma fonte: o Espírito de Deus, como se nos revela no Salmos 103: “Enviais, ó Deus, vosso Espírito e todas as coisas são criadas…retirais o vosso Espírito e elas voltam ao nada”.
A mesma Física Quântica confirma essa tese bíblica. O Bóson de Higgs, que passou a ser chamado “partícula de Deus”, esse minúsculo tijolo que a ciência procura para explicar a realidade do universo, mostra-nos que não existe propriamente matéria ou massa, a base e fundamento de tudo quanto existe é o Espírito de Deus.
O conceito de “átomo” não é real. Nada é quantitativo e estático, tudo é dinamismo e vida. Por isso, em Jo.1,1-4, nos é dito: “No Princípio (no mundo de Deus ou eternidade) era o Verbo. Por Ele foram feitas todas as coisas. E o que por Ele se fez era vida (Espírito derramado).”
Deus não é só ” vivo” ou vivente, mas aquele que dá a vida, Espírito Santo, quem faz ser tudo bom, porque Ele é três vezes santo e bom.
No século XVII, Berkeley afirmava que “a matéria é mera ilusão, só existe o Espírito que se manifesta na presente condição espaço-temporal através de sinais ou fenômenos sensíveis. ” O filósofo francês Bergson (séc. XX) concebia a realidade animada por um ” impulso vital”.

QUEM É O ESPÍRITO SANTO?
Tudo menos a “terceira pessoa” da Santíssima Trindade, como aprendemos no catecismo. Alguns padres das primeiras gerações cristãs diziam que Deus Pai trabalhava com duas mãos: o Filho e o Espírito Santo.
Daí que Jesus disse: “Meu Pai trabalha sempre”. (Jo. 5,17).
A obra da criação e salvação pertence a Deus Pai, Filho e Espírito Santo, embora se revele a nós sob aspectos diferentes. No Filho, Deus é a vida que se comunica e pela sua Encarnação, fez chegar essa vida ao ser humano e por extensão, a toda a criação. Pelo Espírito Santo, essa vida nos é dada gratuitamente e divina. Tudo quanto podemos saber sobre Deus e, concretamente do Espírito Santo, em cuja pessoa concentramos nossa atenção neste domingo, é o que o mesmo Deus nos revela na Bíblia. Entre outros atributos divinos, se nos revela como:

ESPÍRITO CRIADOR: aquele que dá forma e ser a todas as coisas (Gn.1). Tudo quanto existe é original e irrepetível. Nada é clonado ou produto standard. Um simples grão de areia distingue-se de outro na sua forma, peso e cristalização. Cada uma das trilhões de formigas existentes é diferente. Nenhuma folha é igual na totalidade das florestas. A criação deixa de ser natureza ou realidade “nascida” para se tornar obra pessoal do mesmo Deus através do Seu Espírito Criador. Ele é o verdadeiro artista ou poeta da criação. Deus não ” faz” a partir de algo existente, mas “cria” todo do nada ou, melhor, dando-se a si mesmo. Sua grandeza é medida mais pela diversidade de cada ente do que pelo incontável número de estrelas.
ESPÍRITO DE VIDA: Ele é essa divina faísca que vivifica tudo quanto existe, presente até no que chamamos matéria. Cada célula vital é santuário do Espírito Santo. Francis Collins, um dos cientistas a descobrir a composição do genoma humano, ateu confesso, disse que era impossível explicar cientificamente o milagre da vida. Por isso dobrou seus joelhos diante de Deus no seu laboratório. Em Gênesis 2, se nos revela Deus como “sopro” (Espírito) que do barro inerte tornou Adão um ser vivente. Esse mesmo “sopro” vital de Deus aparece em Ezequiel 37,4, diante dum monte de ossos: “Eis que derramarei o meu Espírito e viverão”. No dia da ressurreição, Cristo, “soprando” sobre as cabeças dos seus discípulos, lhes comunica a “vida imortal a ser levada ao mundo” (Jo,20).
ESPÍRITO SANTIFICADOR: Deus não só é Santo e bom, mas aquele que torna bom e santo toda criatura. Quando, no Pai Nosso, dizemos: “Santificado seja teu nome”, pedimos que nos faça santos como Ele é santo, que o pecado e a morte não reinem sobre nós, que tudo seja bom conforme seu plano criador: “E viu que tudo era bom” (Gn.1). A obra da santificação relaciona-se com a ressurreição, pela qual somos transformados santa e gloriosamente.
A Bíblia revela-nos muitos outros atributos do Espírito Santo. Ele comunica o dom da profecia (Jl. 2,28) e inspira a S.E; Ele lembra-nos o que foi revelado e nos conduz com novas revelações à verdade plena (Jo.16). Por obra sua, Maria concebeu Deus à maneira humana (Lc.1,34), permanecendo Virgem e Imaculada. Com esse mesmo Espírito, Jesus inicia sua missão profética. No seu batismo: “O Espírito Santo pousou sobre sua cabeça sob a forma de pomba”, fazendo alusão ao mesmo Espírito que, à maneira de ave, “pairava sobre as águas” (Gn.1). Essa mesma figura se faz presente sobre as águas do Dilúvio no tempo de Noé, anunciando a imortalidade da vida.
O Espírito, na pessoa de Jesus de Nazaré, inaugura uma nova criação, que passa pelo “vale escuro da morte” e do pecado, vencidos pela sua ressurreição. Seus milagres manifestaram a presença do Espírito Santo, como Ele mesmo confessou: “O Espírito de Deus está sobre mim (Lc.4). “Ele me enviou para anunciar e realizar a salvação do mundo. ” Com esse Espírito de amor divino entregou sua vida na cruz e foi ressuscitado dos mortos. Terminados seus dias, na condição de homem mortal, comunicou esse mesmo Espírito aos seus discípulos para levar a salvação a todos os povos. O Espírito Santo torna-se operante da salvação nos Sacramentos. Por Ele são perdoados os pecados (Jo. 20), renascemos como filhos de Deus pelo Batismo (Jo.3) e faz realmente presente a morte e ressurreição de Cristo na Eucaristia até a sua volta.
O grande protagonista do mistério da nossa salvação que, de maneira ” sensível” e quase física, se realiza na Eucaristia, é o Espírito Santo. Ele é invocado duas vezes na sua celebração: para “santificar” (transformar) o pão e o vinho em corpo e sangue de Cristo” e para tornar ao povo, toda humanidade, seu Corpo ou vida e, com Cristo, em Deus: “Esse é o Mistério da nossa fé”.
“Graças ao Espírito Santo chamamos a Deus Pai” (Rm. 8,15) e suplicamos a vinda gloriosa de Cristo, que findará a obra da salvação (Ap. 22,17), obra de Deus Pai com suas duas mãos: o Filho e o Espírito Santo.
Atenágoras, um filosofo cristão do século II da cidade de Atenas, dizia: “Graças ao Espírito Santo o Evangelho se faz força do Reino dos céus, a Igreja e o mundo comunhão com Deus, a autoridade se transforma em serviço, a Liturgia memorial e antecipação da nossa salvação, e a ação humana se deifica”.
“QUANDO CHEGOU O DIA DE PENTECOSTES, ESTANDO REUNIDOS OS DISCÍPULOS DE JESUS EM JERUSALÉM, VEIO DO CÉU POTENTE VENDAVAL E APARECERAM UMA COMO LÍNGUAS DE FOGO A POUSAREM SOBRE ELES. TODOS FICARAM CHEIOS DO ESPÍRITO SANTO E COMEÇARAM A FALAR EM NOME DE DEUS. TODOS SEUS OUVINTES, MESMO FALANDO LÍNGUAS DIFERENTES, LHES ENTENDIAM COMO NA SUA PRÓPRIA LÍNGUA” (At. 2,1-11)
Com este acontecimento, revertia-se o episódio da Torre de Babel (Gn.11). Lá, falando uma só língua, as pessoas não se entendiam e foram obrigadas a se dispersar. No dia de Pentecostes, eram muitas as pessoas falando cada uma sua língua, mas falando apenas em arameu, todos os ouvintes entendiam na sua própria língua. O Espírito Santo levará os povos à comunhão com Deus. Onde reina o amor e a unidade, aí está o Espírito Santo.
Toda divisão é diabólica. O ser essencialmente é UNO, assim como verdadeiro e bom. A unidade do Espírito Santo, Criador, acontece na diversidade de todas e cada uma das suas criaturas. Da mesma maneira que Deus são três pessoas distintas num só Deus, pelo Espírito Santo, tudo será em Deus sem perder sua identidade existencial.
O Budismo, nesse sentido, é antagônico ao Pentecostes. Para o budista tudo caminha para um “todo” amorfo ou “nada”. Nem Deus pode ser, pois sendo “algo” lhe faltaria a totalidade. No cristianismo, como disse Santo Irineu (séc. II), até o cachorrinho que nos recebia mexendo sua cauda, todo feliz, ao retornarmos a nossa casa, estará conosco também no Reino dos Céus.
Neste acontecimento pentecostal em Jerusalém, aparecem dois sinais ou símbolos muito significativos: “Apareceram como línguas de fogo pousando sobre a cabeça dos discípulos de Jesus”. Na cultura grega, o fogo é símbolo da vida e da transformação. Latinizado, identificamos a vida com a “respiração”, que significa fluxo de fogo (pir-pirós= fogo = espirito vital). Por isso, no passado, quando uma pessoa “expirava” (soltava seu fogo), punha-se um espelho na boca. Caso esse espelho não ficasse empanado, era sinal, de que de fato, estava morto. Com esse mesmo sentido verbal, usamos o termo “caloria”, que é a unidade de calor ou fogo que nosso corpo precisa para se nutrir.
Apareceu também, vindo do céu, “potente vendaval”, símbolo do Espírito na cultura bíblica. “Ruah”= Espírito, significa vento ou ar ou “sopro”. “Deus soprou sobre as narinas de Adão e tornou-se vivente”. Jesus usou este gesto para comunicar esse Espírito vital. Na Igreja Católica, é usado sacramentalmente com essa mesma finalidade. Hoje até tornou-se uma terapia. O exercício da respiração, inalando ar pelas narinas e exalando-o pela boca ritmicamente é muito saudável. No Yoga é fundamental. Teríamos de tornar este gesto sacramental. Bastariam alguns minutos, inspirando profundamente e soltando nosso ar, enquanto dizemos dentro de nós: “Vem, Espirito Santo”, para sentir-nos divinizados. Não precisamos ir a nenhum mosteiro de Zen ou Yoga.
“NENHUM PODE DIZER: JESUS É SENHOR A NÃO SER NO ESPIRITO SANTO. HA DIVERSIDADE DE DONS, MINISTÉRIOS E MODOS DE AGIR, MAS O ESPIRITO É O MESMO PARA BENEFICIO DE TODOS” (1.Cor. 12, 3-12)
O Espírito Santo não é só criativo, “dando forma e ser a todas as coisas”, mas também é a fonte de todo agir. Nos entes carentes de liberdade e consciência, tudo move-se de acordo com as normas predeterminadas por Deus. Mas não deixa de ser admirável seu operar. Como não ver o Espírito de Deus nas aves surcando o céu, na perfeita sociabilidade das abelhas e formigas, no desabrochar das flores anunciando o milagre dos seus furtos! Que químico saberia explicar a viva sarça ardente do sol, acesa mais de cinco bilhões de anos, se se consumir?
O Espírito Santo revela-se ainda mais atuante no ser humano, a quem fez participante da sua criatividade. Basta observar as diferentes e múltiplas habilidades das pessoas em criar a mais sofisticadas coisas e realizar verdadeiros prodígios. Não deixa de ser milagroso o conjunto de “profissões” ou “ministérios” para nosso melhor bem-estar. Em Is.11, são atribuídos ao Espírito Santo sete dons: Sabedoria (sentido da própria vida), Entendimento (conhecimento transcendente ou metafísico da realidade), Conselho (discernimento para optar pelo bem), Fortaleza (para enfrentar as adversidades), Ciência (conhecimento experimental das causas e efeitos das coisas), Piedade (que nos liga a Deus) e Temor de Deus (não medo, mas que nos faz ver e ter presente Deus em tudo).
Não são “talentos” humanos, mas dons do Espírito Santo.
A inspiração e destreza de um músico, poeta, pintor, arquiteto, engenheiro, artista, técnico ou professional. Tudo é dom do Espirito Santo que age em nós para o bem de todos. É por isso que ninguém teria de se apropriar desses dons e, menos ainda, “vendê-los” por dinheiro. O Espirito Santo é a alma do universo que fez no ser humano seu templo (1Cor.6,19). Uma pessoa materialista, carente de espiritualidade, deixa de ser humana.
“NA TARDE DO DOMINGO DA RESSURREIÇÃO, JESUS APARECEU AOS SEUS DISCÍPULOS E DISSE-LHES: “A PAZ ESTEJA CONVOSCO”. SOPRANDO SOBRE ELES DISSE: “RECEBAM O ESPÍRITO SANTO” AQUELES A QUEM PEDOARDES OS PECADOS SER-LHE-ÃO PERDOADOS” (Jo. 20,19-23)
Se receberam o Espírito Santo no mesmo dia da ressurreição, porque teriam de esperar esses mesmos discípulos de Jesus “cinquenta” dias para recebê-lo de novo?
Há outros momentos ainda em que acontece a vinda do Espírito Santo.
João e Pedro, libertados por um anjo na prisão, logo que chegaram onde outros discípulos estavam rezando por eles, a casa tremeu e o Espírito Santo veio sobre eles (At.4,31 e seguintes). Na casa do centurião romano Cornelio, após ser batizado por Pedro, desceu o Espírito Santo (At.10,44).
Toda vez que alguém é batizado ou empreende uma missão evangélica recebe esse Espirito. Como dizemos anteriormente, a história da salvação é o advento ou devir do Espirito Santo até o fim dos tempos. A celebração toda especial do Pentecostes deste domingo revela-nos o nascimento do novo povo de Israel, que é a Igreja, sinal e instrumento de salvação para todos os povos.
Não só os apóstolos, como vemos no Pentecostes do domingo da Ressurreição, recebem o Espírito Santo para “perdoar os pecados” ou salvar o mundo. Todos os discípulos de Jesus que, pela fé, tornam-se conscientes da sua missão salvífica, são agentes dessa salvação por obra e graça do Espirito Santo. O texto grego desta passagem evangélica não diz “perdoar pecados”, mas usa o verbo “kratein”, que significa controlar, dominar ou desamarrar algo. Contra todo pessimismo, o cristão deve ir ao mundo com a força do Espírito Santo para lutar contra todo mal (pecado), muitas vezes tão grande, que nos parece ser mais forte do que o mesmo Deus. A vitória já está garantida, embora a luta continuará até o fim do mundo. Sugerimos como mantra ou oração permanente de cada dia: “Vem, Espirito Santo, e renova a face da terra”.

Padre Jesus Priante
Espanha

Copyright 2021 Padre Jesus Priante.
Direitos Reservados. Compartilhe mencionando o nome do autor.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here