SÓ VENDO PRA CRER

                Chegamos a um ponto em que para tudo se exige uma contraprova ou ao menos a prova dos nove. Dois mais dois igual a quatro. Acreditar no que não se vê tornou-se uma atitude quase utópica, uma posição contrária à lógica dum mundo excessivamente plausível, palpável, imediatista, irremediavelmente materialista. A fé do homem moderno está lastreada à sua lógica e razões científicas. Seu imaginário pode sonhar, voar, mas suas ações não coadunam com visões e ou crenças imaginárias ou fora do contexto físico, material, plausível. Como, pois, acreditar num retorno à vida de alguém comprovadamente morto e sepultado?

                A fé de Tomé era coerente com aquilo que ele bem viu e testemunhou com muita dor e lágrimas nos olhos. Afinal, caminhou à distância e atônito com o que testemunhava, aquela via crucis de humilhação, acerbada injustiça, ironia sem limite, escárnio e degradação de qualquer dignidade que se pudesse dizer humana, insensibilidade fora da medida, impiedade até o fim… E o lance da certificação da morte, com aquela espada a lhe perfurar o peito? E as últimas gotas de sangue e água a sulcar aquele chão do indiferentismo crucial? Tudo isso Tomé presenciou, até mesmo o apressado sepultamento ao cair daquela tétrica noite. Como então acreditar numa fábula de ressurreição? Tomé estava certo: era preciso ver, ouvir, tocar, antes de qualquer nova esperança, qualquer afirmativa de um milagre tão impossível e grandioso. Cristo vive! Como assim?

                Acontece que a fé supera tudo, até portas fechadas, até a morte aparente, a última das barreiras de qualquer ser vivo. Aqui reside a grandiosidade da fé cristã, capaz de vencer os túmulos das nossas incertezas e inseguranças, para nos apresentar as chagas e o lado ainda em aberto, mas como provas incontestes de uma vida maior que aquela massacrada e aparentemente vencida pelos grilhões do pecado humano. Maior pecado não há do que negar o mistério da redenção, o milagre da Encarnação e Remissão de um Deus Conosco, Emanuel.  O mistério Pascal é exatamente o milagre da morte vencida, esta que nos assombra sempre como ponto final de uma existência meramente física, passageira, mortal. Colocar o dedo nas feridas do Redentor, tocar seu lado aberto pela indiferença dos poderes e da ordem farisaica dos que pensam nos conduzir, é seguir a lógica que conduz nossas vidas. Fugir desta e contemplar a luz transcendente do mistério de um Cristo translúcido, fulgurante em sua vitória sobre a morte, é ter a graça e o privilégio de tocar suas feridas, comprovar sua ressurreição. Aquele que um dia duvidara agora se prostrava diante da maior revelação da fé cristã: Cristo ressuscitou, aleluia!  Agora só nos compete dizer, como Tomé prostrado diante do mistério que contemplava: “Meu Senhor e meu Deus!”

                Acontece que ainda teimamos com nossas lógicas imediatistas. De Tomé e seu comportamento cético temos muito. Ele nos representa. Talvez não mereçamos o privilégio daquele encontro pessoal que o apóstolo vivenciou, mas com certeza esse “encontro” nos esteja reservado num plano superior, porém não menos significativo do que a visão dos discípulos naquela casa fechada. Fechada pelo medo das ameaças externas, da intolerância e incompreensão dum mundo agnóstico, sem fé, sem esperanças maiores. Não é nosso caso. Nossa esperança é maior do que as desilusões que nos cercam. Nossa vida é maior que os túmulos destinado aos despojos de uma existência fugaz. Nossa fé vai além da visão terrena e da cegueira espiritual dos que questionam essa maneira simples de contemplar o milagre da vida: “Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”

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