SINOS DE OUTUBRO

             O barulho dos ventos sinodais soa a sinos repicando sobre a consciência de muitos. Há tempos não ouvia tão retumbantes acordes e repiques. Simultaneamente, a música que emerge da mensagem papal para o Dia Mundial das Missões já profetizava muitas das diferenças que ecoam nos ares desse outubro missionário: “Sem o Deus de Jesus Cristo, toda a diferença fica reduzida a ameaça infernal, tornando impossível qualquer aceitação fraterna e unidade fecunda do gênero humano”, escreveu Francisco.

              Acertou na mosca. Até parece que já antevia os acordes e desacordes desses dias de amazônicos debates. O que se discute em Roma interessa ao mundo. A Igreja não está trazendo para si uma responsabilidade meramente temporal ou ecológica como dizem, mas simplesmente cumprindo seu papel de mãe e seu dever de apontar os riscos e ameaças num caminho obscuro. “Assim, a nossa missão radica-se na paternidade de Deus e na maternidade da Igreja”, afirmou ainda. Se as questões inerentes aos povos amazônicos e à sua biodiversidade, ecossistema e preciosidade cultural é hoje primordial ao equilíbrio planetário – não só por questões climáticas ou vitais à natureza,- temos, sim, que encarar o problema como questão religiosa, pois que esta é a condição primária da obra criadora, quando “Deus viu que tudo era bom”.

              Preservar e multiplicar este êxtase divino diante de sua obra é também uma maneira de louvar e agradecer pelo dom da vida. Afinal, nossa casa comum merece nossos cuidados e não pode “transformar-se cada vez mais num depósito de lixo” (Laudato Si, 21). Pior lixo é a degradação moral e ética que nos assola, a perca do referencial divino, a sensação de orfandade, invasores estranhos ao meio ou escravos da pirâmide social dos “moradores da casa do Pai”. Levar mais pessoas à compreensão dessa realidade, a partir da selva que nos envolve, é restaurar a realidade batismal do cristianismo e oferecer igual oportunidade a outros povos, culturas ou ritos não cristãos. Isso é Evangelizar. Isso é missão da Igreja. “Aquilo que, no cristão, é realidade sacramental – com sua plenitude na Eucaristia -, permanece vocação e destino para todo o homem e mulher à espera de conversão e salvação”, diz a mensagem missionária.

              Nesse aspecto, as dimensões amazônicas se tornam diminutas. Há um mundo de carências no universo que ocupamos, bem maior e tão maravilhoso quanto a “ultima das reservas do Éden terreno”, a selva que nos fascina. Assim, multidões esperam maior clareza do anúncio missionário de que é portadora a nossa Igreja. “Além disso, a Igreja Católica está aberta ao diálogo com o pensamento filosófico, o que lhe permite produzir várias sínteses entre fé e razão” (Laudato 63). Como se vê, a fé passa pela realidade temporal, tanto do meio quanto da essência humana que ocupamos em vida. Relativizar essa verdade é reduzir a grandeza da vida e a beleza do meio onde esta se desenvolve. É negar o mistério maior da existência, o milagre da criação. “O secularismo difuso, quando se torna rejeição positiva e cultural da paternidade ativa de Deus na nossa história, impede toda e qualquer fraternidade universal autêntica”, nos disse ainda o Papa, meses antes do Sínodo em curso.

              A bem da verdade, é bom frisar. “Laudato Si”, a encíclica que alavancou a realização desse Sínodo, foi publicada em 2015. De lá  pra cá muita água jorrou e muitas críticas turvaram o propósito de associar nosso meio ambiente à nossa vida espiritual. Governos saíram, regimes caíram, políticos sofreram fragorosas derrotas ou alcançaram vitórias surpreendentes, mas o Papa ainda é o mesmo. Nada se fez propositalmente. Sua voz profética teima em desafiar o mundo a buscar novos rumos, encarar seus problemas na perspectiva do bem comum. Infelizes os que atiram pedras. “Quem lança uma pedra no ar, a vê recair sobre sua cabeça” (Ecle 27,28).

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