Dentre todos os pormenores que envolvem a Transfiguração de Jesus no monte Tabor, se ressalte a ordem vinda do Pai: “Este é o meu Filho amado, no qual ponho as minhas complacências: Escutai-O” (Mt 17,5). Aí o sentido mais profundo deste episódio. Com efeito, celebrar a Transfiguração de Jesus não é comemorar um acontecimento passado sem liame imediato com o presente. É contemplar a união perfeita e indissolúvel da divindade e da humanidade na pessoa do Verbo Eterno de Deus. Nele a humanidade inteira foi transfigurada e chamada a uma união maravilhosa com sua divindade. Uma glória indescritível reservada a todos aqueles que em Cristo se tornam participantes da vida divina através da graça santificante. Trata-se do anseio salvífico da Trindade que desejou conduzir os seres racionais até sua própria santidade e felicidade. Para isto é preciso saber escutar Jesus, o Filho bem-amado, Palavra encarnada que vivifica e aponta o caminho da perfeição. Isto supõe levar a sério as oito Bem-aventuranças que o Mestre divino havia proclamado, vivendo intensamente este roteiro que envolve em luz e santidade existencial. Tal foi a ordem do Pai escutar a Jesus e este falou no desapego dos bens materiais, na mansidão, na sede e fome de justiça, na misericórdia, na pureza de coração, na paz, na justiça, na total fidelidade a Ele. São Mateus havia dito que o rosto de Jesus “brilhou como o sol”. O rosto exprime bem a dignidade de uma pessoa, seu estado de alma. Cumpre então na festa da Transfiguração de Cristo que cada um indague a si mesmo qual o rosto que tem apresentado aos outros através do comportamento político, social e, sobretudo, religioso. Comportamento daquele que carrega a sua cruz, imitando Jesus que ao descer do Tabor falou a Pedro, Tiago e João sobre sua Paixão e Morte. A cruz está no coração de toda a vida humana, mas é preciso saber lidar com as tribulações terrenas para se chegar à glória eterna, como sucedeu com Cristo. Este não deixou dúvida: “Se alguém quer caminhar após mim, tome a sua cruz e me siga”. Como Pedro, gostaríamos de fixar na eternidade os momentos felizes da vida. O Apóstolo fez uma proposta a Jesus: “Senhor, é bom que fiquemos aqui. Se queres, farei três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Cristo, porém, não viera a esta terra para ser um organizador de camping neste mundo, mas Sua preocupação era marchar para o Calvário a fim de salvar a humanidade e para, assim, apontar a todos os acampamentos na Jerusalém celeste. Ele viera para servir e dar sua vida objetivando a redenção de uma multidão. Esta seria composta daqueles que buscariam uma glória eterna, mas passando pelo Gólgota, amando-O, escutando-O, colocando seus ensinamentos em prática. Aqueles que seriam fielmente solidários com Ele apesar das contradições que um mundo materializado Lhe oporia. Aqueles que trabalhariam com amor e esforço pela evangelização, exercendo com responsabilidade um serviço eficiente dentro da Comunidade em que vive. São João mostrou que quem afirma estar com Jesus “deve igualmente caminhar como ele caminhou” (1 Jo 2,6) e Jesus havia dito que viera para servir e não para ser servido. Ele mostrou um caminho de um amor que se doa totalmente. Tudo isto significa uma transfiguração pessoal que leva à metamorfose de toda a sociedade através da vida de cada dia, com simplicidade na família, no trabalho, nos lugares sadios de diversão. Circunspeção em todas as circunstâncias da vida através de gestos, palavras e obras, irradiando paz, felicidade. É preciso então coragem, determinação sem nunca desfalecer. Lá no Tabor uma nuvem luminosa envolveu Jesus, Moisés e Elias. Muitos comentaristas viram nesta nuvem o símbolo da presença do Espírito Santo. Este deve sempre envolver a vida de todo seguidor de Cristo para o ir transfigurando a cada instante. Deste modo, se estará sempre a escutar Jesus, Palavra que é a Sabedoria eterna a iluminar e a dar sentido a toda uma existência cristã. Deste modo se chegará ao repouso da visão beatífica. Este fim último precisa então ser o baricentro de todas as atividades neste mundo. Assim, o encontro com a Santíssima Trindade no Monte Tabor é como uma janela aberta para o futuro. É uma garantia de que a opacidade de nosso corpo mortal e nossa alma se transfigurarão um dia lá na vida eterna resplandecente como a luz.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.