Sexta-Feira da Paixão

    No Tríduo Pascal, a Sexta-feira Santa é um dia de silêncio e oração. A ação litúrgica da tarde nos coloca diante do grande mistério da morte de Jesus na Cruz, e a salvação que Ele nos mereceu. Somos convidados a um tempo de reflexão diante desse grande mistério. Jesus pregava a chegada do Reino de Deus, anunciado nas Escrituras de Israel; afirmava ter vindo de Deus, ser o Filho de Deus. Escolhera Doze discípulos, indicando claramente que, a partir Dele, Israel, o povo das Doze tribos, deveria ser renovado e transformado. Afirmava que aqueles que Nele acreditassem e O aceitassem como Messias e Salvador, que O amassem mais que a própria vida e se abrissem à sua mensagem sem nenhuma reserva, encontrariam a Luz verdadeira, a Vida verdadeira e venceriam, com Ele e como Ele, a própria morte: as mortes da vida e a Morte última.
    Jesus está na cruz humanamente aniquilado, um farrapo, um trapo de gente. Perdoa seus inimigos, entrega-se nas mãos do Pai com total confiança. Morreu e foi sepultado. No terceiro dia, seus discípulos testemunham que O encontraram vivo, ressuscitado, totalmente transfigurado, glorioso, divinizado na Sua natureza humana. Tudo mudou para aqueles Doze, tudo mudou para os discípulos, tudo mudou para Paulo de Tarso, judeu culto, letrado, prudente, que diz ter sido encontrado por Jesus vivo, ressuscitado, vitorioso, no caminho de Damasco… Desse testemunho dos Apóstolos, a Igreja vive há dois mil anos; por esse testemunho muitos deram a vida, muitos consagraram toda a existência. Os cristãos creem com todas as forças nessa grande notícia: Jesus venceu a morte, ressuscitou, está no Pai e, na potência do seu Espírito Santo, estará presente à sua Igreja até o fim dos tempos.
    Porém, para chegarmos à Pascoa da Ressurreição passamos pela cruz e morte de Jesus. Passamos pela Sexta-feira Santa de silêncio, de jejum, de oração, de abstinência de carne. Como pode a vida ser morta pela Morte? Como pode a Luz dissipar-se ante as trevas? Como pode o Pai se calar e permitir que o Justo fosse assassinado e derrotado? Onde está Deus? Se existe, por que não salvou o seu Filho amado?
    De fato, a cruz, por si mesma, é um escândalo terrível! Alguns zombam de nós, chamando-nos adoradores da cruz, e o mundo atual odeia com todas as forças tudo que signifique cruz, tudo que estrague a curtição do homem embevecido com sua razão, com sua tecnologia, com seu conforto, com suas soluções “morais” práticas e fáceis, tanto quanto levianas e vulgares, com sua ilusão de ser senhor do bem e do mal, do certo e do errado, da vida e da morte.
    Para os cristãos, no entanto, a cruz nos descortina, fundamentalmente, dois mistérios tremendos. Primeiro, o Mistério da Iniquidade, Mistério do Pecado do mundo, fruto da liberdade humana que pode de tal modo fechar-se para Deus, levando o homem – cada indivíduo e a humanidade toda – a tal soberba, a tal autossuficiência, a ponto de matar o Filho de Deus: “Não queremos que esse aí reine sobre nós! Não temos outro rei a não ser César” (Jo 19,15)! Isso mesmo: a cruz revela até onde o homem pode ir: ele pode querer eliminar Deus de sua vida! E continua tentando… erradicando-O da cultura, da sociedade, dos meios de comunicação, das escolas, das famílias, dos corações. Basta que escutemos o brado prepotente e realista do ateu Nietzsche “Deus morreu! Deus está morto! E nós é que O matamos! Tudo o que havia de mais sagrado e mais poderoso no mundo esvai-se em sangue sob o peso do nosso punhal. Não vos parece grande demais essa ação? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses? Nunca houve uma ação tão grande como essa”!
    Apregoa-se que o mundo está se “libertando” de Deus! Deus vai se tornando uma palavra vazia, insossa, inútil, sem nenhum sentido definido e nenhuma exigência que incida na vida das pessoas. O deus que o mundo aceita – quando aceita – é um deus construído pelo raciocínio e interesses humanos, inofensivo, sem exigências ou longínquo. O Deus verdadeiro, esse o mundo odeia e O mata! O Deus verdadeiro se revelou em Jesus Cristo, Nosso Senhor, que deu a vida por nós. Que nenhum cristão se iluda: o mundo nunca compreenderá o mistério da cruz! Aqui, não existe acordo, não tem boa vontade capaz de superar o abismo, a não ser a conversão: Cristo é escândalo, a cruz é escândalo, os discípulos são escândalo: “Pai, eu lhes dei a tua palavra, mas o mundo os odiou, porque não são do mundo, como eu não sou do mundo” (Jo 17,14). O discípulo estará sempre, como o seu Senhor, crucificado para o mundo, e o mundo crucificado para ele: “Quanto a mim, não aconteça gloriar-me senão na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6,14).
    A cruz revela também um outro mistério: o Mistério da Piedade! Mistério de um Deus tão grande no seu amor, tão humilde no profundo respeito pela liberdade humana que é capaz de se entregar à morte para salvar essa humanidade tola e prepotente: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,16-17). Na cruz revela-se até onde Deus está disposto a ir por nós: um Deus que entra em nossa vida, que assume as nossas contradições, que sofre conosco e morre conosco para nos fazer ressuscitar com Ele, mantendo-nos sempre aberto o caminho da salvação.
    Sexta-feira Santa; da Paixão! Em Cristo, Deus e o homem estão crucificados, Deus e o homem sofrem juntos, gritam juntos, morrem juntos! Na cruz aparece o amor de Deus e a esperança para o mundo. Na Cruz Cristo venceu a morte! Com Ele também nós somos convidados a viver para sempre passando da morte para a Vida. Nós Vos bendizemos Senhor, porque com a sua Cruz redimistes o mundo!