Ser cristão

    Dizem que as sociedades ou grupos humanos criam tradições quando se sentem felizes. As tradições são precisamente uma forma de recordar e reviver esses momentos de felicidade, plenitude e comunhão. Um país celebra todos os anos o aniversário de sua independência. Trata-se de celebrar a libertação. A maioria das tradições do povo judaico foi construída a partir da memória feliz da libertação do Egito e da sua entrada na terra prometida. Essas são recordações e celebrações de um passado feliz que, graças às tradições, passam de uma geração a outra.
    O inconveniente é que, muitas vezes, as tradições deixam de ser a recordação de um passado feliz para converter-se em algo que se faz sem se dar conta do motivo. Isso significa que as tradições, nesse caso, perderam seu significado. Não são libertadoras. Não nos ligam mais a nossa história, apenas nos oprimem e obrigam a praticar gestos dos quais desconhecemos o sentido e a razão.
    No Evangelho do vigésimo segundo domingo do Tempo Comum, Jesus censura os judeus exatamente por terem convertido as suas belas tradições em uma lei que todos, sem exceção, eram obrigados a cumprir. É quase certo que o lavar as mãos antes da refeição era uma forma do judeu expressar que a comida era, em certo sentido, um momento de comunhão com o Deus que lhes havia dado de presente a terra que habitavam e os seus frutos. Mas, com o tempo, foi esquecido o significado e ficou apenas a regra, ou seja, a tradição destituída de sentido. Jesus recorda aos judeus que o ato de lavar as mãos não pode ser mais do que um sinal de uma pureza mais profunda: a pureza do coração. Para entrar em comunhão com Deus, precisamos purificar o coração. As mãos são apenas um signo dessa outra pureza necessária.
    Celebramos neste final de semana a vocação de todos os fiéis leigos batizados. Eles são fundamentais na vida da Igreja. Numa visão clericalizada, verticalizada e dominadora que muitas vezes assistimos perto de nós os leigos não tem vez e nem voz. Mais não há bispo sem presbitério e sem povo santo de Deus. O Bispo não pode ser um “patrão monárquico” que só manda, que só determina e que os leigos “engolem” tudo como se fosse pronto e acabado. Os leigos devem lutar pelo seu lugar na Igreja. Não um lugar acessório, mais de protagonistas da nova evangelização. Cumprimento todos os irmãos e irmãs batizadas, que fazem o rosto bonito e libertador da nossa Igreja. Quero saudar, de maneira particular, todos os catequistas que fazem um trabalho de formação e transmissão da fé muito bonito e generoso. Não desanimem diante das dificuldades ou do indiferentismo. Nós anunciamos e pregamos é Jesus Cristo a todos. Não um Jesus de leis, perseguições e silêncios. Mais um Jesus que ensinou que a lei maior é o amor, a compaixão, a caridade, a alegria de servir generosamente, o diálogo, a aceitação do diferente e a acolhida.
    Nós, cristãos, podemos pensar que estamos livres dessas tentações que teve o mundo hebraico. Não é verdade. Para quantos de nós a Missa dominical é apenas uma obrigação que devemos cumprir? No entanto, em sua origem, a Missa foi a expressão da alegria vivida e sentida pela comunidade ao redor de Jesus ressuscitado. Como não expressar essa alegria na participação comunitária da Eucaristia? Mas transformamos em obrigação aquilo que era uma alegre ação de graças em comunhão com irmãos e irmãs. A Missa não é mais do que um exemplo. Poderíamos acrescentar muitos outros. Ser cristão não significa cumprir uma série de normas. Significa viver com satisfação o amor que Deus colocou em nossos corações.