No evangelho de João não encontramos a narrativa do batismo de Jesus. Tal referência limita-se ao testemunho de João Batista: “Eu vi o Espírito descer do céu… e permanecer sobre Ele… é Ele quem batiza com o Espírito Santo… Eu vi… e dou testemunho: Ele é o Filho de Deus!” Ao escrever seu evangelho, João faz dois relatos teológicos básicos: da preexistência e da filiação divina de Jesus. Estes dois temas, presentes no prólogo, reaparecem no evangelho do segundo domingo do Tempo Comum(Jo 1,29-34), na fala de João Batista: “… antes de mim, Ele já existia…”, “… Ele é o Filho de Deus…” e, ao longo do evangelho, desenvolvem-se na seguinte linha dinâmica: o Filho, descido do céu, se faz carne, vive conosco e volta ao Pai, abrindo caminho para nosso ingresso na casa de Deus. Em todo o evangelho, Jesus é apresentado como Filho de Deus, não como filho de Davi.
A alusão ao “cordeiro de Deus”, quando João Batista apresenta Jesus, remete ao cordeiro sacrifical abundantemente mencionado em Levítico, e também em Isaías, no quaro canto do Servo. Vê-se aí a prefiguração simbólica da morte de Jesus, inocente, nas mãos dos sacerdotes que procuram preservar o poder.
O próprio João afirma que não conhecia Jesus. Porém, com seu batismo na água, simbolizando o apelo em favor da conversão à prática da justiça que supera o pecado, abria caminho para Jesus, que com seu Espírito liberta a todos da morte, dando acesso às portas da vida eterna em Deus. O Espírito sobre Jesus é a confirmação da sua divindade e da divinização de toda a humanidade nele assumida, em todos os seus valores e em toda a sua dignidade, pela própria humanidade de Jesus. Este é o sentido da encarnação: assumir os valores humanos, resgatando a dignidade humana e elevando-a `{a condição de filiação divina. Neste sentido, Jesus assume o batismo de João.
Os evangelistas, em seus evangelhos, procuram projetar a figura de Jesus a partir das exaltações atribuídas a João Batista: “Vem aquele que é mais forte do que eu, do qual não sou digno de desatar a correia das sandálias…” Com isso, procuravam, em se tempo, atrair os discípulos de João Batista, que seguiam de maneira autônoma ao movimento de Jesus. Com bastante certeza, pode-se entender que João Batista não tinha percepção da profundidade da missão de Jesus, o que os próprios discípulos de Jesus tiveram, também, dificuldade de entender até o fim de seu ministério.
João Batista tem uma atuação fundamental no projeto de Deus realizado em Jesus. O seu batismo tinha características originais, e sua proclamação foi tão marcante que o tornou conhecido como “o batista”. Enquanto as abluções rituais de purificação com água, tradicionais entre os judeus, eram repetidas com frequência, o mergulho nas águas do batismo, com João, era feito uma única vez e tinha o sentido de sinalizar uma mudança de vida. Jesus assume a proclamação de João, dando-lhe novo sentido de atualidade e eternidade, identificando-a com o projeto de Deus de conferir vida plena e eterna à humanidade. A libertação dos pecados não se dá pelos sacrifícios cultuais sangrentos, mas pelo amor e pela prática da justiça, para que todos tenham vida plenamente.