Os relatos dos Santos Evangelhos revelam que os apóstolos e discípulos ouviam dos lábios de Cristo um chamado específico, límpido e inequívoco: “segue-me” (cf. Lc 9, 59). A partir do “sim” dos que nele inicialmente creram , o convite vem se repetindo na longa viagem que a humanidade faz na história, dando continuidade à esplendorosa obra de Cristo. Entre milhares, citem-se vocacionados que deram seu sim ao Senhor da vida, como Policarpo de Esmirna (séc.II), Irineu de Lion (séc.II), Cirilo de Alexandria (séc.IV), Inês, Cecília (séc.IV), Ambrósio, Agostinho (séc. IV e V); Bento de Núrcia (séc. VI), Gregório Magno (séc. VII). Para não alongar, destaquem-se ainda os nomes de Bernardo de Claraval (séc. XII), Francisco de Assis (séc. XIII), Catarina de Sena (Séc. XV), Teresa de Ávila (séc.XVI), Vicente de Paulo (séc.XVII), Frei Galvão (séc. XVIII), João Maria Vianey (séc. XIX), Inhá Chica (séc.XIX), Edite Stein, João XXIII, João Paulo II, Irmã Dulce (séc.XX), e tantos outros que foram agraciados com o mesmo apelo do Senhor.
Fico pensando: entre nós, nesta região da Zona da Mata Mineira, quantos sacerdotes santos, quantas jovens e senhoras de nossas paróquias e comunidades, quantos leigos e leigas já deram resposta altamente positiva a este segredo de amor e de confiança do Senhor! Muitos já vivem hoje na Jerusalém celeste e intercedem, imersos em Cristo, por nós que caminhamos neste mundo, ávidos por acertar a estrada, dispostos a servir a Deus da forma melhor que alcançarmos.
Porém, o que significa seguir a Cristo?
Tal indagação pode ser respondida através das Sagradas Escrituras, como por exemplo, o trecho de São Lucas em seu capítulo nove quando narra o chamado dos primeiros discípulos e dá-lhes instruções práticas para a “sequela Christi”. Deduz-se, em primeiro lugar, que Jesus, embora pudesse salvar o mundo sem a participação dos seres humanos, não quis fazê-lo desta forma, mas desejou a sua participação efetiva. Ele, contudo, não esconde aos seus discípulos a radicalidade que isto representa, pois podem advir incompreensões, rejeições, preconceitos religiosos e outros obstáculos. Falta de conforto para a viagem, desapego de qualquer recompensa humana ou material, eis algumas das exigências da missão.
Momento importante para o discípulo é o de decidir diante de tais situações e eventuais provocações. Para se saber qual teria sido a reação de Jesus diante destes fatos, é bom examinar qual foi a reação dos apóstolos diante da desfeita que os samaritanos praticaram contra Jesus, não o recebendo, por preconceito religioso, em suas casas (Lc.9, 53). À ocasião, enquanto os discípulos queriam pedir fogo do céu para eliminá-los, a reação de Jesus foi bem outra, repreendendo amorosamente o seu grupo. Eis uma grande lição muito própria para o mundo hodierno, tão cheio de propaganda religiosa, de tantos radicalismos intolerantes, como os que se podem ver no Iraque por estes dias, que assustam os homens e as mulheres do século XXI. Ao responder os variados chamados do Senhor para segui-lo, pode-se, com todo o direito, elevar graças ao Senhor Deus por nos ter enviado Jesus na história, pois ele ensina a perdoar, em vez de condenar; de responder o mal com o bem, em vez de vingar; a viver a lei do amor, em vez de beber o veneno do ódio e a lutar para que tais atitudes desapareçam do coração humano e dos governos deformados. Que Deus, a quem procuramos servir e amar, nos ilumine para descobrirmos como agir para por fim a esta violência.
No trecho citado de Lucas, o Senhor dá também a lição da urgência: deixar que os mortos enterrem seus mortos; preocupar-se com a missão de anunciar a vida, pois ela está ameaçada; propagar a salvação, pois ela anda agredida; anunciar e celebrar os santos mistérios do Senhor, pois a santidade é desprezada por tantos. Tem-se pressa. Não se pode deixar para depois.
Aos que se dispõem a segui-lo na vida consagrada, Jesus pede a radicalidade em relação à família, não desprezando os pais e familiares, mas dando prioridade à missão provinda de Deus. Pelo celibato, oferecem-se inteiramente, renunciando a formar um lar, para abraçar de forma total e confiante a nova família que é a de Deus, recusando-se a “pôr a mão no arado e olhar para traz” (cf. Lc 9, 63).
Inquietudes podem aparecer para quem o seguir, como para Jeremias que disse “sou muito novo” ou como para Paulo, “sou muito fraco”, porém a Palavra é consoladora: “Eu estou contigo”, disse Deus ao Profeta. A resposta de Paulo é confortadora: “Tudo posso naquele que me dá força” (Fil. 4,13)!
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora