Sede perfeitos

    Esta foi a determinação dada por Cristo a seus seguidores: “ Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito!” (Mt 5 ,48). Ao cristão, como, aliás, a todo ser racional, cumpre ser testemunha do Invisível e do Inefável, ícone da santidade de Deus que é a fonte e a razão de ser de toda perfeição.  A busca da santidade não um projeto utópico. Trata-se de orientar para Deus todos os movimentos e as raízes do ser humano. Tal a ordem divina no Antigo Testamento: “Sereis santo para mim, porque eu, o Senhor, sou santo” (Lev 20,26).  Jesus, exatamente, veio a este mundo para ensinar a ser santo, por ser Ele o santo por excelência, como proclamara o Profeta Isaías: “O Santo é o seu nome” (Is 57,15). O Verbo de Deus se encarnou, tomando uma alma e um corpo humanos para traçar os caminhos da perfeição, Ele o santo, o verdadeiro, como fala o Apocalipse (Ap 3,7). A Segunda Pessoa da Trindade Santa, fazendo-se carne e habitando entre nós quis, assim, santificar a natureza humana, não para se conservar isolado nessa Santidade única, mas para fazer dela participantes os seus irmãos. Os cristãos seriam santos “em Cristo Jesus”, expressão tão usada por São Paulo. Estariam incorporados Àquele que assim saudamos: “Só vós sois Santo, só Vós sois Senhor, só Vós, o Altíssimo, Jesus Cristo”. No momento do batismo se torna o fiel membro de Cristo que o faz compartilhar de Sua própria morte para, ao receber a água batismal, inseri-lo no processo de sua gloriosa ressurreição. É a vida nova de que fala São Paulo aos romanos (Rm 6,4-11). É lógico que o batismo não age como uma operação mágica que transformasse o batizado sem exigir dele seu esforço para uma transformação integral. Com efeito, incorporado ao divino Salvador, partícipe de Sua santidade, terá que viver como Cristo, ou seja, animado por Seu espírito, numa identidade total a Ele. Foi o que aconteceu com o Apóstolo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo quem vive em mim” (Gl 2,20). É preciso, então, que se tenha consciência desta união com Jesus, o que alertou São Paulo: “não sabeis que vossos corpos são membros de Cristo”? (1 Cor 6, 15). Na prática, é preciso então ao cristão dominar “a carne”, ou seja não apenas as paixões lascivas do corpo, mas também os movimentos desregrados da alma. São Paulo aos Gálatas detalhou  que isto significa, ou seja, fornicação, impureza, desonestidade, luxúria, idolatria, malefícios, inimizades, contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias, partidos, invejas, homicídios, embriaguez, orgias e outras coisas semelhantes” e acrescentou claramente: “quem as praticarem não herdarão o reino de Deus”. Os que agem segundo o espírito de Jesus possuem a caridade, o gozo, a paz, a paciência, a continência, a castidade”.  O Apóstolo acrescentou o meio para que se evite tudo que mancha a alma e esta possa cultivar os frutos espirituais: “Os que são de Cristo crucificaram a carne, com as paixões e concupiscências” (Gl 5, 15-25). Deve-se então concluir que sem o domínio do corpo não há santidade e esta não existe sem  passar pela cruz. Quem quiser ser perfeito tem que se mortificar, mas esta mortificação deve ser necessariamente fruto de um grande amor a Jesus Cristo. Isto porque a vida sem pecado, ilibada, é apenas um aspecto negativo da santidade. De fato, ações positivas só podem fluir da dileção Àquele que é o caminho, a verdade e a vida e que se imolou no Calvário levado pelo seu imenso amor pela humanidade. Foi o que lembrou São João: “Ninguém tem maior amor, do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15,13). Portanto, a perfeição consiste em amar  como Jesus amou. Amar é preferir. É sacrificar suas preferências para aderir o seu Senhor. É envolver na dileção mais profunda os irmãos. Como isto se dá no cotidiano, foi minudenciado pelo Apóstolo: “A caridade é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa, não se ufana, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal. Não folga com a injustiça, mas alegra-se com a verdade Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Cor 13,4-7). Esta deve ser a trajetória dos membros do Povo Santo de Deus e é a única maneira de se obter a salvação eterna. Não existe distinção entre ser salvo e ser santo. Tudo isto leva à edificação do Corpo Místico de Cristo, como ensina ainda São Paulo, “até que alcancemos todos  nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de homem perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13). Para isto  é necessário abrir a porta do coração a fim de receber Jesus, aceitando de bom grado suas advertências secretas  ou evidentes, quando desta forma  o cristão passa a realizar aquilo que deve fazer.  Jesus com ele e  ele com Jesus através da luz de sua presença, progredindo cada vez mais no desejo das coisas do alto  e deixando que Ele alimente os anseios celestes dentro de cada um. Isto supõe coragem, determinação.

    * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.