Deus nos deu a graça de vivenciar mais uma Quaresma em nossa vida. Serão 40 dias em que a esmola, o jejum, a oração e a penitência devem acompanhar a nossa vida cristã.
O convite forte deste tempo e de conversão e de renovação interior. Não basta apenas cumprir um ritual; é necessário que a pessoa, em sua integridade, se volte para Deus – na celebração e também no dia a dia. Rasgando o coração e não as vestes, encontraremos a misericórdia de Deus. As cinzas simbolizam, portanto, o caminho da conversão.
Na primeira leitura – Jl 2,12-18, Joel é provavelmente um sacerdote-profeta, que vive no Templo, depois do exílio. Fiel ao serviço da Casa de Deus, exorta o povo, que passa por uma grave carestia provocada por uma invasão de gafanhotos (1, 2-2, 10), à oração e à conversão. O próprio culto, no templo, tinha cessado (1, 13.16). O profeta, que sabe ler os sinais dos tempos, anuncia a proximidade do Dia do Senhor, e convida o povo ao jejum, à súplica e à penitência (2, 12.15-17). «Convertei-vos», grita o profeta. O termo hebraico subjacente é schOb que significa arrepiar caminho, regressar … O povo que virara costas a Deus, devia voltar novamente o coração para Ele, e retomar o culto no templo, um culto autêntico, que manifestasse a conversão interior. O povo pode voltar novamente para Deus, porque Ele é misericordioso (v. 13), e também pode mudar de ideia e voltar atrás (v. 14). Um amor sincero a Deus, uma fé consistente, e uma esperança que se torna oração coral e penitente, darão ao profeta e aos sacerdotes as devidas condições para implorarem a compaixão de Deus para com o seu povo.
Na segunda leitura – 2Cor 5,20-6,2 – “Reconciliai-vos com Deus”, é o apelo de Paulo. A reconciliação é possível, porque essa é a vontade do Pai, manifestada na obra redentora do Filho e no poder do Espírito que apoia o serviço dos apóstolos. O v. 21 é o ponto alto do texto, pois proclama o juízo de Deus sobre o pecado e o seu incomensurável amor pelos pecadores, pelos quais não poupou o seu próprio Filho (cf. Rm 5, 8; 8, 32). Cristo carregou sobre si o pecado do mundo e expiou-o na sua própria carne. Assim, podemos apropriar-nos da sua justiça-santidade. O Inocente tornou-se pecado para que nos pudéssemos tornar justiça de Deus. E, agora, o tempo favorável para aproveitar essa graça: deixemo-nos reconciliar (katallássein) com Deus. O termo grego indica a transformação da nossa relação com Deus e, por consequência, da nossa relação com os outros homens. Acolhendo o amor de Deus, que nos leva a vivermos, não já para nós mesmos, mas para Aquele que morreu e ressuscitou por nós (w. 14s.), podemos tornar-nos nova criação em Cristo (5, 18). A exemplo do Apóstolo Paulo somos chamados a ser colaboradores no projeto de Jesus. O tempo quaresmal é o momento favorável para trilhar o caminho da conversão e da salvação, é momento da graça.
No Evangelho – Mt 6,1-6.16-18 – Jesus pede aos seus discípulos uma justiça superior à dos escribas e fariseus, mesmo quando praticam as mesmas obras que eles: “Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles”. Agora aplica esse princípio a algumas práticas religiosas do seu tempo: a esmola, o jejum e a oração. Há que estar atentos às motivações que nos levam a dar esmola, a orar, a jejuar, porque o Pai vê o que está oculto, os sentimentos profundos do coração. Se buscamos o aplauso dos homens, a vanglória, Deus nada tem para nos dar. Mas se buscamos a relação íntima e pessoal com Ele, a comunhão com Ele, seremos recompensados. Se não fizermos as boas obras com reta intenção somos hypokritoi, isto é, comediantes, e mesmo ímpios, de acordo com o uso hebraico do termo.
As três práticas quaresmais – a esmola, a oração e o jejum – são como que um resumo de tudo o que nos compete procurar viver ao longo de nossa vida e, de modo especial, neste tempo da Quaresma. Rasguemos os corações para Deus. Voltemos para o Senhor! Santa Quaresma para todos!
+ Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá, PR