Quando o ano termina: um tempo de olharmos para dentro

O fim de ano costuma chegar carregando um brilho que, para muitos, ilumina; para outros, quase cega. As ruas enfeitadas, as músicas repetidas, as expectativas de celebração… tudo isso cria a sensação de que deveríamos estar vivendo alguma espécie de alegria coletiva. Mas, por dentro, nem sempre é assim.

Psicologicamente, essa época funciona como um espelho bem nítido. Diante dela, somos convidados — às vezes sem querer — a encarar o que fizemos, o que adiamos, o que não conseguimos sustentar. É como se uma contagem regressiva acendesse também as nossas próprias urgências internas. Por isso surgem perguntas que não fazem barulho, mas fazem presença: “O que eu vivi?”, “O que ficou faltando?”, “Quem sou eu agora?”, “Será que estou onde gostaria de estar?”.

Essas perguntas não são sinais de fraqueza. São sinais de humanidade.

O fim de ano também costuma tocar em lugares sensíveis: a ausência de alguém, uma cadeira vazia à mesa, uma conversa interrompida, um sonho antigo que ainda não chegou

Há quem se sinta deslocado nas festas, como se estivesse presente apenas no corpo, mas distante em alma. Há quem sinta que está tudo rápido demais, ou lento demais. Há quem apenas deseje que esse período passe.

E tudo isso merece ser acolhido com delicadeza.

O que fazer?

Quando permitimos que as emoções apareçam sem julgá-las, elas nos mostram algo importante. A tristeza costuma revelar o que valorizamos. A saudade lembra que existe amor. A frustração aponta para nossos desejos não ditos. O vazio, por mais incômodo que seja, muitas vezes é um pedido silencioso de reconexão — com a própria história, com o próprio ritmo, com a própria verdade.

Nessa travessia, vale a pena criar pequenos espaços de pausa. Para respirar, sentir o corpo, deixar a mente descansar das cobranças externas. Há algo profundamente terapêutico em escutar a si mesmo com o mesmo cuidado que se escuta alguém querido. Talvez o fim de ano não seja um tempo de grandes festas, mas pode ser um tempo de pequenas honestidades: escrever uma carta para o próprio eu, revisitar memórias com mansidão, agradecer o que foi possível, nomear o que ainda dói, permitir-se planejar passos curtos para o que vem.

E, dentro de tudo isso, é importante lembrar da esperança — não aquela esperança romântica, que promete que tudo dará certo de repente, mas a esperança como virtude: aquela que brota devagar, que pede esforço, que se alimenta de gestos simples e de uma confiança discreta no futuro. A esperança que não nega a dor, mas a atravessa; que não garante respostas, mas oferece caminhos.

O fim de ano pode ser, então, menos sobre contabilizar o que faltou e mais sobre reconhecer o que se sustentou. Menos sobre metas grandiosas e mais sobre recomeços humildes. Menos sobre a pressão de estar bem e mais sobre a coragem de estar inteiro — mesmo que isso signifique estar frágil.

Se há algo que esse tempo nos convida a aprender, talvez seja isto: não precisamos terminar o ano prontos. Basta terminarmos verdadeiros. E, nesse espaço de verdade, a esperança encontra sempre uma forma de acender — às vezes como uma chama pequena, mas firme o suficiente para iluminar o caminho que começa de novo.

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