Tio Patinhas, Pato Donald, Mickey e Pateta; quem não os conhece? Talvez não exista no mundo uma trupe de personagens imaginários mais conhecida que aqueles gestados na mente fértil de Walt Disney, tão primorosamente concebidos e ardilosamente gerados que é impossível alterar, acrescentar ou subtrair qualquer das suas características individuais. Diria serem eles personalidades imutáveis, porém espantosamente fictícios.
Mas a ficção é sombra da realidade. Sempre foi. Tio Patinhas continua se achando dono do mundo, mesmo quando travestido ou fantasiado com o pijama ridículo e de mau agouro que esconde a nudez do Tio Sam. Pato Donald e seu interminável quá-quá-quá, ainda zomba de ingenuidade da maioria que o cerca, sem se dar conta da própria e ridícula ingenuidade. Diria que nunca se deu bem em suas artimanhas de trapaças e oportunismo aguçado, que usa para manter seu status quo. Mickey, oh Mickey, ratazana com práticas detetivescas, – que pensa ser vice – sempre às turras com um universo em conflito, mas que não encontra coragem sequer para despojar sua eterna namorada, seu amor de fachada, a bela e frágil Minie. Ah, quantas destas fazem parte do nosso universo, sonhadoras, encantadas com promessas fúteis, iludidas… Mas, e o Pateta e sua incansável busca de soluções às avessas, que terminam sempre em decepção? Pobre espelho do homem simples, do povo iludido, dos que o sistema faz questão de usar e sugar ao máximo, mas quando seu uso se torna prejudicial, atrapalha ou ameaça o império do poderoso Patinhas, melhor mesmo é apagá-lo dessa história, jogá-lo às feras do mundo cão.
Ah, meu outrora adorável Pato Donald! Quantas aventuras vivemos juntos. Quantos sonhos, planos perfeitos, projetos meticulosamente engendrados, muitos dos quais com avais provisórios e fundos de investimentos momentâneos que com muita lábia surrupiamos do caixa forte de nosso Tio. Enquanto lhe dávamos sustentação ou mantínhamos o lastro do seu poder – mesmo com eventuais prejuízos – éramos úteis à sua engrenagem de interesses. Bastou sentir-se solidificado em sua cátedra, pronto! Lá se iam os recursos (migalhas na verdade) com os quais nos acenou durante tantas e tantas campanhas, delongas fúteis, promessas irrealizáveis. Isso tudo só nos dividia em categorias distintas: os patos e os patetas! Patos aqueles que zombaram dos patetas e que hoje recorrem aos ratos (os Mickeys e suas investigações intermináveis, que detectam muitos desvios oportunistas, mas que não avançam para não porem em risco seus amores passados, suas juras de fidelidade eterna) única e simplesmente para não alterarem suas zonas de conforto.
Então Tio Sam, digo Tio Patinhas esbraveja, bate o pé, atira a cartola e sorri para seu inimigo maior, o também poderoso Patacôncio. O velho tio ainda conserva ares de cautela com seu tesouro, conquanto seu arquirrival não tem preconceito algum, mesmo que o adjetivem como perdulário, inconsequente. Enquanto o velho teima em suas posições antagônicas, sua ranhetice de menino mimado, que não se desfaz de velhos brinquedos da infância abarrotada de privilégios, o rival estrategista é capaz de abrir seus portões e convocar novos patos e patetas para seu exército de arrivistas. Enquanto um repele, afasta, reprime, o outro acolhe, cura feridas, faz promessas.
O que me preocupa é que essa guerra de macacos doidos termine onde não começou, bem longe da Disneylândia ou no Parque da Vitória, em Moscou.(Talvez em nosso quintal). Em tempo: neste memorial de guerra não existem montanhas russas. Nem trupe de palhaços, só sequazes.