O SENHOR NOS ENVIA EM MISSÃO – CARTA PASTORAL

     

    Carta Pastoral e promulgação das conclusões do II Sínodo Arquidiocesano de São Sebastião do Rio de Janeiro

    28 de dezembro de 2025

    Conclusão Diocesana do Jubileu da Esperança

     

     

    Introdução

     

    Fundamentos da Missão e Orientações Missionárias

    1. A missão nas Sagradas Escrituras

    1.1 Leitura missionária do Antigo Testamento: um breve panorama

    Israel como sinal para as nações

    A partilha da fé e a acolhida dos estrangeiros

    A diáspora como ocasião missionária

    Os Salmos em perspectiva missionária

    O Antigo Testamento pode ser lido como convite à missão

    1.2 O Novo Testamento: da missão de Israel à missão de Jesus e da Igreja

    Jesus, o Enviado do Pai e Ungido pelo Espírito Santo

    O envio do Filho pelo Pai

    A cruz e a ressurreição: a plenitude da missão do Enviado

    Jesus, modelo e fonte de toda missão

    O Espírito Santo na encarnação e na vida de Jesus

    O Espírito que conduz e fortalece Jesus na pregação e nos sinais

    O Envio do Espírito Santo: para que a Igreja cumpra sua missão

    A promessa do Espírito Santo feita por Jesus

    O dom do Espírito Santo no dia da Ressurreição

    A promessa antes da Ascensão

    O cumprimento da promessa: Pentecostes

    O envio missionário dos Apóstolos e da Igreja

    O chamado e o envio dos discípulos

    O Espírito Santo: protagonista da missão

    A missão de Jesus como modelo

    O Espírito Santo na vida e na missão da Igreja

    O testemunho missionário nas cartas apostólicas

    Todos somos missionários

     

    1. A Missão da Igreja ao Longo da História

    2.1 As origens da missão cristã: a expansão apostólica e o período patrístico

    2.2 A missão na Idade Média e a evangelização da Europa

    2.3 A missão na era das grandes navegações: Espanha e Portugal

    2.4 A presença de missionários no Brasil

    2.5 A presença missionária no Rio de Janeiro

    2.6 A renovação missionária no século XX

    2.7 Hoje: a Igreja em estado permanente de missão

     

    1. Magistério da Igreja: Os Documentos sobre a Missão

    3.1 As raízes do impulso missionário moderno

    3.2 A missão à luz do Concílio Vaticano II

    3.3 São Paulo VI: evangelização no mundo atual – a missão como diálogo

    3.4 São João Paulo II: A missão como identidade da Igreja

    3.5 Bento XVI: missão como partilha, por atração

    3.6 Papa Francisco: A missão e a alegria do Evangelho

    3.7 Papa Leão XIV: a missão, o cuidado com que sofrem e paz para o mundo

    3.8 Documentos missionários de outros organismos da Cúria Romana

    A missão como diálogo e testemunho

    A centralidade de Cristo na missão

    Uma missão integral para o nosso tempo

    3.9 Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano e Caribenho

    3.10 Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

     

    1. Missão como paradigma de toda a vida da Igreja

    4.1 A natureza da Igreja é missionária

    4.2 A Missão Paradigmática

    4.3 Conversão missionária

    4.4 Os pobres: interlocutores privilegiados da missão

     

    1. A missão programática e a organização missionária

    5.1 O querigma: centro vital da missão

    Modos insuficientes de compreender o querigma

    Gera transformação pessoal

    A forma e o conteúdo caminham juntos

    O querigma e a conversão pastoral

    Dimensão social do querigma

    5.2 A organização missionária: Pontifícias Obras Missionárias (POM)

    Estrutura e finalidade

    As quatro Obras Missionárias

    Dimensões espirituais e pastorais

    As POM e a ação missionária da Igreja

    5.3 Os Conselhos Missionários

    Identidade e objetivos

    Estrutura e níveis de articulação

    Missão e as tarefas dos Conselhos

    Mística e horizonte missionário

    Importância pastoral dos Conselhos Missionários

    5.4 O Conselho Pastoral, o Conselho de Assuntos Econômicos e as Assembleias Pastorais

    5.5 Todos somos missionários

    A pregação informal: a missão de cada dia

    A missão como testemunho

    A Igreja toda em saída

    5.6 Abertura à cultura atual e uso dos meios de comunicação e redes sociais

    Critérios para uma presença missionária nas redes

    O continente digital: um novo areópago

     

    1. Desafios Permanentes e Contextuais da Missão

    6.1 Desafios Permanentes da Missão

    Anunciar o Evangelho com fidelidade

    Docilidade ao Espírito Santo e conversão continua

    Testemunho coerente de vida

    Diálogo e inculturação

    Envio e corresponsabilidade de todos os batizados

    Relação entre anúncio e serviço

    Formação integral dos missionários

    Ação pastoral articulada e comunhão eclesial

    6.2 Desafios Contextuais da Missão

    Secularização, indiferença religiosa e relativismo

    Globalização, migração e diversidade cultural

    Cultura digital e ambiente virtual

    Crise ecológica e cuidado da criação

    Transformações no sentido de comunidade e pertença

    Desigualdade social, pobreza e exclusão

    Condomínios e espaços urbanos de acesso restrito

    Áreas marcadas pela violência e pelo tráfico

    Sustentabilidade missionária e cooperação

    Cansaço pastoral e renovação das lideranças

    Polarização e desinformação

    Fidelidade e comunhão com o Magistério

     

    1. Características fundamentais da Missão

    7.1 Aspectos fundamentais da missão

    7.1.1 Encontro com Jesus Cristo

    7.1.2 Vida comunitária, fraterna e acolhedora

    7.1.3 Anúncio: o querigma e o coração da missão

    7.1.4 Serviço cristão à sociedade e testemunho público

    7.2 Os âmbitos, os sujeitos e os interlocutores da missão

    7.2.1 Cuidar: a ternura da presença e o acompanhamento

    7.2.2 Acolher: o rosto materno da Igreja

    7.2.3 Buscar: a saída missionária

    7.2.4 Testemunhar e servir: a missão na vida pública e na caridade

     

    Tópico aberto

     

    1. As grandes opções missionárias da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

    8.1 A missão permanente e a Igreja em saída

    8.2 A espiritualidade do discípulo missionário

    8.3 Comunhão, acolhimento e vida comunitária

    8.4 Sinodalidade e corresponsabilidade missionária

    8.5 Formação missionária e ministérios dos leigos

    8.6 Presença junto aos pobres e compromisso social

    8.7 Evangelização dos jovens e cultura vocacional

    8.8 Sinodalidade e corresponsabilidade missionária

    8.9 Espiritualidade missionária e piedade popular

    8.10 Uso evangelizador dos meios de comunicação e das redes sociais

     

    1. Conclusão

     

    1. Oração do Sínodo Arquidiocesano

     

    1. Peregrinos de Esperança

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Introdução

    1. Tenho a grande alegria de promulgar e publicar as conclusões de nosso II Sínodo Arquidiocesano. Em seus 450 anos de existência, a Igreja Particular do Rio de Janeiro tinha, até agora, vivenciado essa experiência apenas uma vez, com o I Sínodo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, convocado, presidido e promulgado pelo Emo. Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara, Arcebispo Metropolitano (1949). Esse Sínodo é um marco não apenas na vida de nossa Arquidiocese, mas também no Brasil, pois a prática da realização de Sínodos Diocesanos era bastante rara naquela época.

     

    1. No caminho recente que a Igreja tem percorrido, sobretudo a partir do chamado do saudoso Papa Francisco a redescobrir e reforçar a sinodalidade em vista da missão, amadureceu-se a convicção de que era hora de celebrar um novo Sínodo. A convocação da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, pelo Papa Francisco, destinada a ter duas Sessões (outubro de 2023 e outubro de 2024), determinou também um processo amplo de escuta de toda a Igreja. O tema escolhido para o percurso sinodal foi “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Nas Igrejas locais, equipes sinodais foram constituídas para organizar reuniões nas paróquias e nas dioceses. Também em cada país, as Conferências Episcopais foram instadas a organizar equipes sinodais para fazer a síntese e o encaminhamento das conclusões à Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos. Depois, vieram as Assembleias Continentais e, enfim, as Assembleias Gerais, em Roma.

     

    1. Motivados por esse amplo caminho eclesial, tendo ouvido o Conselho Presbiteral, os Bispos Auxiliares, os membros do Conselho Arquiepiscopal e a Coordenação Arquidiocesana de Pastoral, decidimos convocar o II Sínodo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro (CDC, cân. 461 § 1o). Uma das finalidades dele seria, em sintonia com o Papa e com toda a Igreja, oportunizar o amadurecimento de práticas sinodais de escuta e discernimento. Mas era claro para nós que não se tratava simplesmente reorganizar estruturas. Por isso, propusemos ao nosso II Sínodo recolocar no cento de nossa atenção a reflexão sobre a missão e promover uma revisão de nossa vida pastoral à luz do desafio que ela representa.

     

    1. Para o II Sínodo Arquidiocesano escolhemos como tema “A Missão da Igreja no atual contexto sociocultural da cidade do Rio de Janeiro” e, como lema, “Corações ardentes, pés a caminho” tomando como texto inspirador o dos Discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). Assim, nosso Sínodo Diocesano e o Sínodo dos Bispos, vivenciados por nós em uma unidade profunda, se complementam admiravelmente. Temos juntas a missão e a sinodalidade: a missão requer sinodalidade; a sinodalidade é o modo de agir da Igreja para melhor cumprir sua missão no mundo atual. Tivemos a alegria de perceber que foi precisamente essa a insistência do Documento Final da 16ª Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, a sinodalidade e a missão.

     

    1. As finalidades propostas para nosso II Sínodo Arquidiocesano foram: 1) despertar e formar a consciência a respeito da centralidade da missão em toda a vida e ação da Igreja; 2) estimular o ardor missionário de todos os fiéis da Arquidiocese; 3) organizar estruturas missionárias em todos os níveis da vida eclesial arquidiocesana e 4) orientar o planejamento de ações missionárias permanentes e específicas. Como se pode perceber, duas dessas finalidades se referem à renovação missionária geral da Arquidiocese e as outras duas são especificamente voltadas para a estruturação e acompanhamento da formação dessa consciência missionária e de ações concretas de missão permanente. Com isso, nosso desejo e nossa intenção é que a Igreja esteja ainda mais presente e atuante em todos os contextos humanos e geográficos da cidade. Desse modo, possa testemunhar, de modo sempre mais claro, o amor de Deus a todas as pessoas e convidá-las a vivenciar, na Igreja, o encontro com Cristo.

     

    1. O II Sínodo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro se desenvolveu em três etapas. Na etapa preparatória, os membros de nossas comunidades, paróquias, serviços, pastorais, movimentos e Novas Comunidades foram consultados. Cada Vicariato sintetizou essas contribuições, discutiu-as, votou e encaminhou para a Coordenação do Sínodo, no Vicariato para a Pastoral. Essa etapa ocorreu da Solenidade de Corpus Christi de 2023 e até o mês de março de 2024. Uma Assembleia Sinodal Arquidiocesana para concluir essa etapa foi celebrada dia 06 de abril de 2024. Essa mesma Assembleia abriu a Segunda etapa, de escuta e discernimento. Com a mesma metodologia da etapa anterior, essa culminou em uma Segunda Assembleia Sinodal, dia 05 de outubro de 2025.

     

    1. Na primeira etapa do II Sínodo Arquidiocesano, a missão foi refletida a partir daquilo que pode ser compreendido como o conteúdo da missão: 1) a dimensão teologal, do encontro com Cristo no Espírito Santo; 2) a dimensão eclesial, da vida fraterna em comunidade; 3) a partilha missionária pelo anúncio e 4) a partilha missionária pelo testemunho. Na segunda etapa, a reflexão se aprofundou no que se refere às pessoas e às situações em que se encontram em relação à Igreja: 1) participantes, 2) ocasionais, 3) afastados. Para cada um desses elementos ou situações, os sinodais identificaram consensos, constatações, observações e sugestões.

     

    1. A partir daí, na etapa decisória, que cabe ao Arcebispo enquanto aquele que deve estabelecer as leis, as conclusões foram ponderadas com uma reflexão que se apoiou nas Sagradas Escrituras, na história bimilenar da missão, no Magistério da Igreja, e nas características de nosso contexto carioca. As conclusões sinodais das duas Assembleias foram integralmente acolhidas e aprovadas. Em sua publicação, são acompanhadas por uma ampla reflexão sobre seu fundamento bíblico, teológico e pastoral. Assim, são devolvidas a toda a Arquidiocese, para orientar sua vida pastoral, somando-se aos documentos pontifícios que acolhemos sempre em espírito efetivo de comunhão eclesial.

     

    1. Promulgamos e publicamos essas conclusões sinodais em uma Assembleia Sinodal Solene, durante a Festa da Unidade, realizada no dia do encerramento do Jubileu da Esperança nas Igrejas locais, 28 de dezembro de 2025.

     

    1. Dada a importância de um Sínodo na vida de uma Igreja local, como Pastor e Pai desta comunidade arquidiocesana, preferi, fazendo-as minhas, transformar as sugestões em indicações de ação. Não é simples mudança de nome; ao defini-las como indicações elas são transformadas de simples sugestões em orientações pastorais oficiais de nossa Igreja. Por fim, estabeleci algumas determinações em vista de dinamizar a implementação das conclusões sinodais.

     

    1. Como afirmamos ao convocar o II Sínodo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, somos “conscientes de que ‘no vértice das estruturas de participação da Diocese no governo pastoral do Bispo, o Sínodo Diocesano ocupa lugar de primeira importância e se configura como ato de governo episcopal e como evento de comunhão’” (Diretório para o Ministério dos Bispos Apostolorum Successores, n. 166). Estamos certos de que é com esse mesmo espírito de comunhão que o resultado de nosso II Sínodo será conhecido e transformado em ação concreta, contribuindo para que nossa Arquidiocese cresça ainda mais na fidelidade à missão que lhe é confiada por Cristo: ser sacramento de salvação para todos, em nossa amada cidade.

     

    1. Abre-se agora, diante de nós, a importante fase de implementação das conclusões de nosso II Sínodo. Ela coincide com a fase equivalente do Sínodo dos Bispos, que tem no Documento Final seu referencial. Implementar, em primeiro lugar, supõe acolher em espírito de comunhão e conhecer bem.

     

    1. Esta Carta Pastoral é oferecida para ser estudada por todos os ministros ordenados (Bispos, Padres, Diáconos) e por todos os leigos de nossa Arquidiocese, de maneira especial os agentes de pastoral. Também os membros da Vida Consagrada presentes em nossa Arquidiocese são convidados a participar desse processo de recepção e aplicação das conclusões sinodais. E, ao mesmo tempo, chegar às conclusões de ações concretas de missão em nossa Arquidiocese.

     

    1. A parir dessas conclusões todos nós somos chamados a revisar nossas estruturas e métodos à luz do Evangelho, perguntando-nos: Nossas paróquias e pastorais são lugares da experiência de encontro com Jesus Cristo? Lugares de encontro fraterno alegre? Lugares de serviço às reais necessidades das pessoas? Damos espaço real à participação dos leigos, valorizando seus dons e carismas? Valorizamos os Conselhos? As escolhas pastorais nascem do discernimento comunitário, à escuta do Espírito e das necessidades da evangelização e das pessoas? Nossa presença na cidade testemunha o amor de Deus por todos, especialmente pelos pobres e sofredores?

     

    1. Vivemos um tempo propício para renovar com coragem e criatividade o ardor missionário. Comemoramos com grande alegria os 450 anos da criação de nossa Igreja particular, inicialmente como Prelazia de São Sebastião do Rio de Janeiro (19 de julho de 1575) e, com um Ano Jubilar Arquidiocesano, nos preparamos para a celebração dos 350 anos da sua elevação à Diocese (16 de novembro de 1676) finalizando o nosso “quinquênio jubilar”. Servida por numerosos missionários e missionárias ao longo de sua multissecular história, a Arquidiocese vive também sua vocação missionária no seu dia a dia, enviando missionários e cooperando com outras Dioceses do Brasil e do mundo de diversos modos.

     

    1. Confiamos as conclusões de nosso II Sínodo Arquidiocesano à Santíssima Virgem, Mãe do Redentor, Mãe do Povo Fiel e primeira missionária a Senhora da Penha, que do alto do penhasco nos olha com carinho de mãe e intercede por todos, pedindo-lhe com humildade e confiança que faça crescer sempre mais o ardor missionário em nossa Igreja e que leve a transformações sonhadas para a nossa cidade que tanto amamos.

     

    Fundamentos da Missão e Orientações Missionárias

     

    1. A missão nas Sagradas Escrituras
    2. A Bíblia é o referencial fundamental da missão, pois nos dá a conhecer o propósito de Deus para a humanidade: salvar a todos e levá-los ao conhecimento da verdade (1Tm 2,3-4). A Sagrada Escritura é a alma de toda a vida e ação da Igreja (cf. DV 24), pois dela a comunidade cristã recebe a luz e a força para cumprir sua missão. Nela encontramos o exemplo supremo de amor, serviço e obediência a Deus, manifestado em Jesus Cristo, enviado do Pai, e dela conhecemos o envio do Espírito Santo, para o testemunho de Cristo em todo o mundo. A partir das Escrituras, compreendemos que a missão brota do coração de Deus, é sustentada por Sua Palavra e deve ser vivida em fidelidade ao Seu ensinamento, levando esperança, justiça, reconciliação e salvação a todos os povos.

     

    1.1 Leitura missionária do Antigo Testamento: um breve panorama

    1. O Antigo Testamento mostra que a missão está presente desde as origens da fé de Israel. Deus escolheu o povo de Israel não para fechar-se em si mesmo, mas para ser sinal de sua presença e de sua bênção entre as nações. A eleição é vocação ao serviço: Israel é chamado a testemunhar a santidade e a justiça de Deus (Lv 19,2; Mt 5,48; 1Pd 1,16), a partilhar sua fé com os povos vizinhos e a proclamar sua glória mesmo em meio à dispersão. Nos Salmos e nos Profetas, encontramos uma consciência cada vez mais clara de que o Deus de Israel é também o Deus de todos os povos, e que sua salvação se destina a toda a humanidade.

    Israel como sinal para as nações

    1. A história missionária da fé bíblica começa com Abraão, o patriarca chamado por Deus para sair de si e tornar-se bênção. Em Gênesis 12,1-3(12,1-5), o Senhor lhe diz: “Deixa tua terra, tua parentela e a casa de teu pai, e vai para a terra que eu te mostrarei. Farei de ti uma grande nação, e te abençoarei; engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção. Em ti serão abençoadas todas as famílias da terra.” Essa promessa inaugura uma vocação aberta à humanidade inteira: Abraão, em razão de sua fé (Gn 15,6), é chamado a ser mediador de bênção, não apenas para os seus descendentes, mas para todas as famílias da terra.
    2. Em Gênesis 15,5, Deus o convida a olhar para o céu: “Conta as estrelas, se fores capaz… Assim será a tua descendência.” E, mais tarde, em Gênesis 22,17-18, confirma: “Multiplicarei a tua descendência como as estrelas do céu e como as areias da praia do mar; nela serão abençoadas todas as nações da terra.” As imagens das estrelas e da areia exprimem a vocação expansiva da fé: o povo nascido de Abraão não será fechado nem reduzido, mas aberto como o céu e fecundo como a terra. A promessa a Abraão, portanto, já contém o germe da missão: Deus escolhe um para alcançar a todos. A fé de Abraão, vivida na obediência e na confiança, é a primeira forma de evangelização – ele crê e caminha, e sua vida se torna sinal de esperança para todas as nações: “Abraão creu em Deus e isso lhe foi creditado em conta de justiça” (Gn 15,6).
    3. Também em Deuteronômio 4,5-8, a fidelidade de Israel à Lei é testemunho para o mundo: “Guardai as leis, pois assim direis aos povos: que nação há tão sábia e justa como esta?” A vida segundo a aliança tem força missionária, pois torna visível a sabedoria e a santidade do Deus verdadeiro.
    4. O profeta Isaías aprofunda a dimensão de universalidade da fé em Deus. Em Isaías 42,6 e 49,6, o Servo do Senhor é apresentado como “luz das nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra.” Israel é chamado a ser sinal luminoso de justiça, libertação e fidelidade. Em Isaías 60,1-3, a imagem da luz que atrai os povos a Jerusalém revela a vocação universal do povo da aliança.

    A partilha da fé e a acolhida dos estrangeiros

    1. O Antigo Testamento mostra que a fé de Israel está aberta aos estrangeiros que buscam o Senhor. Isaías 56,6-8 proclama: “Os estrangeiros que se unirem ao Senhor… eu os conduzirei ao meu monte santo, e a casa do Senhor será chamada casa de oração para todos os povos.” A fé não é riqueza exclusiva de um povo, mas dom oferecido a todos os que desejam participar da aliança. Ainda, em Levítico 19,18, lê-se que Israel, em relação aos de seu povo, é chamado a: “amar o teu próximo como a ti mesmo”; e logo em seguida, no mesmo livro e capítulo, em Levítico 19,34, em relação aos estrangeiros, é-lhe pedido que o amor seja praticado da mesma forma: “ao estrangeiro… tu o amarás como a ti mesmo, pois fostes estrangeiros na terra do Egito”.
    2. O livro de Jonas apresenta a missão de um profeta enviado a Nínive, cidade estrangeira. Quando Jonas anuncia a conversão, os ninivitas acreditam, e Deus tem compaixão deles (Jonas 3,1–10). A misericórdia divina ultrapassa as fronteiras de Israel. O mesmo espírito está no livro de Rute: a moabita que declara a Noemi, “teu povo será o meu povo, e teu Deus será o meu Deus” (Rute 1,16), é sinal de que a fé de Israel pode acolher e integrar os que vêm de fora. Sabemos que foi pouco a pouco que Israel se abriu a essa perspectiva.

    A diáspora como ocasião missionária

    1. Com o exílio e a dispersão, o povo de Israel se viu vivendo entre outras nações. Longe de Jerusalém, descobriu que podia testemunhar o Deus único também fora de sua terra. Jeremias 29,4-7 orienta os exilados: “Procurai o bem da cidade para onde vos deportei e orai por ela, pois o seu bem será o vosso bem.” (v. 7). Assim, a presença dos judeus na Babilônia se torna uma forma de missão: vivem sua fé em meio a outros povos e rezam pelo bem comum.
    2. Nos capítulos 2 a 6 do livro de Daniel, a fidelidade dos jovens hebreus na corte estrangeira torna-se testemunho público da glória de Deus. Quando Daniel e seus companheiros se recusam a adorar o ídolo do rei, são libertos milagrosamente, e o rei proclama: “Bendito seja o Deus de Sadraque, Misaque e Abedenego, que enviou seu anjo e salvou seus servos” (Daniel 3,28). A fé vivida com coerência torna-se evangelização silenciosa e eficaz.
    3. O livro de Tobias (13,3-4) convida à proclamação em meio ao exílio: “Glorificai o Senhor e proclamai diante de todos os viventes as maravilhas que ele fez por vós.” E o livro da Sabedoria (capítulos 13–15), escrito em ambiente helenístico, testemunha a fé judaica dialogando com a cultura grega e denunciando a idolatria. A diáspora, portanto, transforma-se em ocasião providencial para manifestar a glória de Deus entre as nações.

    Os Salmos em perspectiva missionária

    1. Os Salmos expressam a universalidade do convite de Deus em forma de oração e louvor. O Salmo 67(66),2-6 diz: “Que se conheça na terra o teu caminho, entre todas as nações a tua salvação. Que os povos te louvem, ó Deus, que todos os povos te glorifiquem.” O salmista entende que a bênção de Deus sobre Israel é convite para que todos os povos o reconheçam. O Salmo 96(95),1-3 repete: “Cantai ao Senhor, terra inteira… proclamai entre as nações a sua glória.” E o Salmo 117(116),1-2 resume o anseio missionário: “Louvai o Senhor, todas as nações, glorificai-o, todos os povos! Pois seu amor por nós é firme.” Nos Salmos, a oração torna-se anúncio: o louvor de Israel é caminho de evangelização, a fim de que “todo ser que respira louve a Deus” (Salmo 15,6).
    2. Os Salmos são a expressão mais profunda da espiritualidade missionária do Antigo Testamento. Neles, Israel reconhece que o louvor, a justiça e a fidelidade são formas de anunciar Deus às nações. O Salmo 98(97),1-4 proclama: “O Senhor fez conhecer a sua salvação, revelou sua justiça às nações.” O Salmo 100(99),1-3 convida: “Aclamai o Senhor, terra inteira! Servi ao Senhor com alegria, vinde a sua presença com cânticos de júbilo.” E o Salmo 72(71),8-11, de caráter messiânico, pede: “Que todos os reis se prostrem diante dele e todas as nações o sirvam.”. O Salmo 136(135) é uma grande “ladainha” de ação de graças e louvor a Deus; e os Salmos 146–150 formam o grande Hallel, o Hino de louvor ao Deus Onipotente, senhor do cosmo e da criação.
    3. Outros salmos expressam o mesmo espírito. No Salmo 22(21),28-29, lemos: “Lembrar-se-ão e voltarão para o Senhor todos os confins da terra.” O Salmo 86(85),8-9 reconhece: “Todas as nações que fizeste virão prostrar-se diante de ti.” E no Salmo 51(50),15, o salmista promete: “Ensinarei teus caminhos aos pecadores, e eles voltarão a ti.” A experiência de perdão e de aliança transforma o fiel em missionário. Assim, os Salmos mostram que a missão começa na oração: quem louva, evangeliza; quem se converte, testemunha; quem serve, anuncia. O próprio conjunto dos 15 salmos chamados de salmos das subidas ou dos degraus, que o judeu peregrino rezava ao subir para o Templo de Jerusalém, começa por exaltar a Deus, como o grande guardião de Israel (Salmo 120[121]) e conclui seu percurso de peregrino, ao chegar ao Templo, entoando um hino de louvor, por ter chegado à casa do Senhor (Salmo 134[135]).

    O Antigo Testamento pode ser lido como convite à missão

    1. O Antigo Testamento ensina que a missão é um movimento de Deus em direção ao mundo: Deus chama, abençoa e envia. Israel é escolhido para ser sinal, não para se isolar. Sua fidelidade à aliança tem valor testemunhal, e sua história – inclusive o exílio – torna-se caminho de evangelização. Nos Salmos e nos Profetas, a oração, a justiça e o serviço aparecem como formas de missão. Assim, o Antigo Testamento prepara o terreno para o envio universal do Novo: o Deus de Abraão e de Israel é o mesmo Deus que, em Cristo, chama todos os povos à comunhão.
    2. Para o discípulo missionário, essa leitura inspira uma atitude de saída para a partilha da fé que nasce da fidelidade e da oração. Evangelizar, à luz do Antigo Testamento, é viver de tal modo a fé que ela se torne visível, alegre e contagiante. Ser missionário é ser bênção para os outros, sinal de esperança e testemunho vivo do amor de Deus no meio do mundo.
    3. A isso tudo soma-se a força da missionariedade da Palavra: a) que realiza o chamado missionário dos abençoados de Deus (Ex 19,3-6); b) de Deus confirma a sua bênção mediante Balaão (Nm 22–24); c) os homens são colocados diante da escolha de viver na bênção ou na maldição (Dt 30,15-20); d) a missão da Palavra chama a escolher entre YHWH e Baal (1Rs 18,20-40); e igualmente a vida missionária do povo de Israel no Exílio: a) a luz de YHWH como esperança de resgate (Miq 7,8-9); b) a missão do Servo de YHWH para ser luz para as nações (Is 42,1-7; 49,1-6); c) levar o conforto aos sofredores (Is 50,4-9); d) carregar sobre si o sofrimento dos outros (Is 52,13–53,12); e) Ezequiel, o profeta sentinela é chamado a constituir uma comunidade missionária (Ez 37,1-14); f) a missão de Deus e de Israel no pós Exílio; de iluminar os povos (Is 60,1-22), de reconstruir e restaurar (Is 61,4-9); de testemunhar a fé diante de cada tipo de opressão (Dn 3,1-24).

     

    1.2 O Novo Testamento: da missão de Israel à missão de Jesus e da Igreja

    1. O Novo Testamento herda e universaliza a perspectiva missionária do Antigo Testamento. A promessa feita a Abraão (Gn 12,1-5) – de que em sua descendência seriam abençoadas todas as nações – cumpre-se plenamente em Jesus Cristo, descendente de Abraão e Filho de Deus (Hb 1,1-4). A abertura de Israel aos outros povos, expressa nos Profetas e nos Salmos, torna-se, no Evangelho, prática concreta de inclusão e misericórdia, a exemplo da Parábola do Bom Samaritano (Lc 10,29-37). Em Jesus, o amor de Deus rompe as fronteiras étnicas, culturais e religiosas: Ele acolhe publicanos, samaritanos, mulheres, estrangeiros e pecadores, revelando que o Reino de Deus é dom oferecido a todos, e como Parácleto, intercede por todos junto do Pai (1Jo 2,1-2). A missão, que no Antigo Testamento consistia em testemunhar o Deus único entre as nações, transforma-se agora em envio explícito: “Ide, pois, e fazei discípulos entre todas as nações” (Mt 28,19; Mc 16,15). Fiéis a esse mandato, os apóstolos, fortalecidos pelo Espírito Santo, levarão o Evangelho a todos os povos, fundando comunidades e testemunhando a presença viva de Cristo até os confins da terra (Mt 28,20). Assim, o Novo Testamento assume a vocação missionária de Israel e a leva à plenitude, fazendo da Igreja o novo povo de Deus (1Pd 2,10), chamado a ser “luz das nações” e sacramento universal de salvação.

     

    1. A missão é o coração do Novo Testamento e expressão da própria identidade da Igreja. O Deus que se revela em Jesus Cristo é um Deus em movimento: o Pai envia o Filho, o Filho envia os discípulos, e o Espírito Santo, enviado por Cristo, impulsiona a Igreja a continuar essa missão até os confins da terra. As passagens bíblicas a seguir, escolhidas entre tantas outras, destacam a missão em Deus: o envio de Jesus Cristo e do Espírito Santo; a missão da Igreja: momentos do envio missionário, do chamado dos discípulos e da vida apostólica das primeiras comunidades. Elas nos ajudam a compreender que ser cristão é, por natureza, ser missionário.

     

    Jesus, o Enviado do Pai e Ungido pelo Espírito Santo

    1. Jesus é o rosto visível do amor do Pai e o primeiro missionário da humanidade. Enviado para anunciar a Boa-Nova e realizar a salvação, Ele vive toda a sua missão em comunhão profunda com o Pai e na força do Espírito Santo. Desde a encarnação até a ressurreição, o Espírito o acompanha, o inspira e o sustenta. Em Jesus, vemos a missão trinitária em ação: o Pai que envia, o Filho que realiza e o Espírito que anima, para salvar o mundo (1Jo 4,14-17). Contemplar Jesus como o Enviado do Pai e o Ungido pelo Espírito é compreender a origem e o modelo da missão da Igreja.

    O envio do Filho pelo Pai

    1. Toda a missão de Jesus nasce da iniciativa amorosa do Pai. Em João 3,16-17, lemos: “Deus amou tanto o mundo que enviou o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por meio dele.” O envio de Jesus é expressão da misericórdia e do amor divino. Ele vem como dom gratuito, não para julgar, mas para salvar.
    2. O Evangelho de João repete várias vezes essa consciência: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obra” (Jo 4,34), indicando que Jesus cumpre a obra do Pai (Jo 17,4). E ainda: “Eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 6,38). Jesus é o missionário obediente, que realiza a vontade do Pai até o fim. A Carta aos Hebreus confirma: “Vindo ao mundo, Cristo disse: Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,5-7). Assim, o Filho revela a obediência como essência da missão e o amor como sua meta.

    A cruz e a ressurreição: a plenitude da missão do Enviado

    1. A missão de Jesus alcança seu ponto culminante na cruz. Ali, Ele entrega o Espírito ao Pai e à humanidade: “Inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo 19,30c). A cruz é o ápice do envio: o amor de Deus se manifesta em total doação (Jo 19,30b: tudo “está consumado”). Mas a missão não termina ali: na ressurreição, o Pai confirma o Filho e o Espírito é novamente derramado sobre o mundo. Em João 20,22, o Ressuscitado sopra sobre os discípulos e diz: “Recebei o Espírito Santo.” O Espírito que acompanhou Jesus durante toda a sua vida agora passa à Igreja, que continua sua missão.

    Jesus, modelo e fonte de toda missão

    1. Em Jesus, o Enviado do Pai e Ungido pelo Espírito, encontramos o modelo perfeito de toda missão cristã. Ele foi enviado para revelar o amor de Deus, anunciar o Reino e salvar a humanidade, e o fez sempre guiado pelo Espírito. A missão de Jesus é trinitária: nasce do Pai, é realizada pelo Filho e sustentada pelo Espírito.
    2. Contemplar Jesus, missionário do Pai, é redescobrir o sentido espiritual da missão. Evangelizar é participar da missão de Cristo, deixar-se conduzir pelo Espírito e agir em comunhão com o Pai. Assim como Jesus foi movido pela compaixão e pela fidelidade, também o discípulo missionário é chamado a viver o Evangelho com amor, serviço e esperança, tornando visível no mundo o rosto misericordioso de Deus.

    O Espírito Santo na encarnação e na vida de Jesus

    1. Desde o início, o Espírito Santo está presente na vida de Jesus. No anúncio a Maria, o anjo diz: “O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (Lc 1,35). A encarnação é obra do Espírito, que gera o Filho de Deus no seio da humanidade. Por isso, Jesus é o Filho enviado e, ao mesmo tempo, o Ungido desde o nascimento: o enviado do Pai, na plenitude dos tempos: “nascido de mulher,” (Gl 4,4). Em Mateus 1,20, o anjo tranquiliza José dizendo: “O que nela foi gerado vem do Espírito Santo.” Assim, a missão de Jesus é, desde o primeiro instante, fruto da ação do Espírito e expressão da iniciativa de Deus Pai.
    2. O batismo no Jordão é o momento público em que Jesus é apresentado como o Enviado do Pai e consagrado pelo Espírito. Em Lucas 3,21-22, lemos: “Enquanto Jesus estava em oração, o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corporal, como pomba; e uma voz veio do céu: Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer.” O Espírito confirma a identidade de Jesus e inaugura sua missão pública. Logo em seguida, o evangelista afirma: “Jesus, repleto do Espírito Santo, voltou do rio Jordão e, pelo Espírito, era conduzido deserto adentro” (Lc 4,1). O mesmo Espírito que O unge, O conduz, sustenta e fortalece diante da tentação. O batismo é, portanto, o início visível da missão trinitária: o Pai envia, o Filho obedece, o Espírito acompanha.

    O Espírito que conduz e fortalece Jesus na pregação e nos sinais

    1. Jesus começa sua missão proclamando: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e a recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19). Com essas palavras, tomadas de Isaías, Jesus define seu ministério: evangelizar, libertar e curar. Sua palavra e seus gestos são movidos pelo Espírito de compaixão e poder.
    2. Em cada encontro e milagre, o Espírito se manifesta: no perdão dos pecadores, na cura dos enfermos, na libertação dos oprimidos. Mateus 12,28 resume essa ação: “Se é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios, então chegou a vós o Reino de Deus.” O Espírito faz de Jesus um sinal do Reino, e de sua missão um testemunho de amor transformador.

    O Envio do Espírito Santo: para que a Igreja cumpra sua missão

    1. O Espírito Santo está no coração da missão da Igreja. Prometido por Jesus e derramado sobre os discípulos, Ele é o dom que dá vida, coragem e unidade à comunidade cristã. Desde as origens, o Espírito é aquele que move os apóstolos, transforma o medo em ousadia e faz da Igreja um corpo vivo em missão, como aconteceu em Pentecostes, em que todos “ouviam falar na própria língua” (At 2,8) e levaram a muitas conversões, formando as primeiras comunidades cristãs (At 2,42-47; 4,32-35). A promessa e o envio do Espírito Santo, narrados no Novo Testamento, mostram que a evangelização não é obra humana, mas participação na própria ação de Deus. O Espírito é o protagonista da missão e a força que impulsiona cada discípulo a testemunhar o Evangelho até os confins da terra.

    A promessa do Espírito Santo feita por Jesus

    1. Nos discursos da Última Ceia, Jesus anuncia o dom do Espírito como presença permanente. Em João 14,15-17 (o Espírito-dom da verdade), Ele diz: “Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Defensor, para que permaneça convosco para sempre: o Espírito da Verdade.” O Espírito será companheiro e guia, presença de consolo e força. Mais adiante, em João 14,25-26 (o Espírito-mestre e memória de Jesus), Jesus declara: “O Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que eu vos disse.” O Espírito é o mestre interior, que atualiza o ensinamento de Cristo.
    2. Em João 15,26-27 (o Espírito-testemunha de Jesus), Jesus continua: “Quando vier o Defensor, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade… Ele dará testemunho de mim. E vós também dareis testemunho.” Assim, o Espírito é quem garante a continuidade da missão: Ele testemunha Cristo através dos discípulos. E em João 16,7-13 (o Espírito-continuador da missão de Jesus), Jesus explica: “É bom para vós que eu vá; se eu não for, o Defensor não virá a vós; mas se eu for, eu o enviarei.” E em João 16,1-15, temos o Espírito-guia para a verdade. A partida de Jesus abre o espaço para a presença universal do Espírito, que conduz a Igreja à verdade plena.

    O dom do Espírito Santo no dia da Ressurreição

    1. A promessa se cumpre já no próprio dia da Páscoa. Em João 20,21-23, o Ressuscitado aparece aos discípulos e lhes diz: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio.” (v.21). E, tendo dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo.” (v.22). Esse sopro lembra o gesto criador de Deus em Gênesis e marca o início da nova criação. E em João 20,11-18, temos o mandato missionário joanino: “Ide a meus irmãos”, e em João 20,19-23, encontramos a missão dos discípulos de Jesus; sem esquecer da “oração missionária” de Jesus, em João 17, pelos discípulos e pelos futuros crentes. O Espírito é dom pascal: renova os corações, perdoa os pecados e transforma os discípulos em enviados. Aqui nasce a Igreja missionária, animada pela presença do Espírito que recria e envia, chamada a viver e a espalhar o amor no mundo e ao mundo, tendo presente que “o amor cobre uma multidão de pecado” (1Pd 4,8).

    A promessa antes da Ascensão

    1. Antes de subir ao Pai, Jesus confirma a promessa do Espírito. Em Lucas 24,49, Ele diz: “Eis que envio sobre vós aquele que meu Pai prometeu; permanecei na cidade até que sejais revestidos de poder do alto.” O Espírito é força divina que capacita a missão. Em Atos 1,8, essa promessa é retomada com clareza: “Recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, na Judeia, na Samaria e até os confins da terra.” O Espírito é o motor da expansão da Igreja: Ele abre horizontes e dá coragem para anunciar o Evangelho em toda parte. Em Lucas 24,44-49, todos são convidados a ser testemunhas do ressuscitado diante de todas as nações, em cumprimento da profecia de Isaías 61,1-2; isso já tinha sido indicado em Lucas 1,26-38, com o exemplo de disponibilidade e fé para a missão; e em Lucas 1,39-45, a partida missionária de Maria, como modelo ideal de discípulo missionário.

    O cumprimento da promessa: Pentecostes

    1. O livro dos Atos dos Apóstolos narra o cumprimento da promessa. Em Atos 2,1-4, “ao chegar o dia de Pentecostes, todos estavam reunidos no mesmo lugar. Veio do céu um ruído como de vento impetuoso… e todos ficaram cheios do Espírito Santo.” O vento e o fogo simbolizam a força e a luz que transformam os corações. Em seguida, Pedro interpreta o acontecimento citando o profeta Joel: “Derramarei o meu Espírito sobre toda carne” (At 2,17). O Espírito derramado inaugura uma Igreja sem fronteiras, onde cada língua e cultura pode acolher o Evangelho. Pentecostes é, portanto, o nascimento missionário da Igreja: unidade na diversidade, comunhão no Espírito.

    O envio missionário dos Apóstolos e da Igreja

    1. Em Mateus 28,18-20, Jesus ressuscitado diz: “Foi-me dada toda a autoridade no céu e sobre a terra. Ide, pois, e fazei discípulos entre todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei. E eis que eu estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos.” Este é o grande mandato missionário. O Ressuscitado envia sua Igreja ao mundo inteiro, prometendo estar presente em cada passo da missão.
    2. Marcos 16,15-18 reforça o mesmo envio com ênfase na universalidade: “Ide por todo o mundo e proclamai o Evangelho a toda criatura.” O anúncio é acompanhado por sinais de fé e pela força do Espírito, mostrando que o Evangelho é poder de Deus para a vida. Já em João 20,21-23 (a missão dos discípulos de Jesus), Jesus declara: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio.” Ao soprar o Espírito sobre os discípulos, Jesus comunica a mesma missão que recebeu do Pai: anunciar o perdão e a reconciliação. Em Atos 1,8, Ele confirma: “Recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria e até os confins da terra.” Esses textos revelam que a missão é um movimento contínuo: do Pai ao Filho, do Filho aos discípulos, e deles à humanidade inteira.

    O chamado e o envio dos discípulos

    1. O chamado é sempre o primeiro passo da missão. Em Mateus 4,18-22, Jesus encontra Pedro, André, Tiago e João, pescadores à beira do lago, e os convida: “Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens.” Eles deixam tudo e imediatamente o seguem. O chamado é radical e pessoal, mas também comunitário: Jesus forma com eles uma nova fraternidade missionária.
    2. Em Lucas 10,1-12, o envio dos setenta e dois discípulos amplia o horizonte: “O Senhor designou outros setenta e dois e os enviou dois a dois à sua frente.” Eles são instruídos a ir com simplicidade, levando a paz, curando os doentes e anunciando que o Reino de Deus está próximo. A missão é partilha, serviço e confiança em Deus. Em Marcos 6,7-13, o envio dos Doze reforça o mesmo espírito: Jesus lhes dá autoridade sobre os espíritos impuros e os envia a proclamar a conversão, curar os enfermos e libertar os oprimidos. A missão é integral: toca o corpo e o coração, a fé e a vida cotidiana.

    O Espírito Santo: protagonista da missão

    1. O envio do Espírito Santo é o ponto culminante da revelação e o início da vida missionária da Igreja. Prometido por Jesus, Ele transforma o medo em coragem, a dúvida em fé e o fechamento em abertura. O Espírito é o protagonista silencioso da missão: guia, inspira, corrige, fortalece e consola. Por meio d’Ele, a Igreja se torna viva e dinâmica, e cada discípulo é chamado a ser testemunha da presença de Deus no mundo.
    2. Para nós, cristãos, essa consciência é essencial: evangelizar não é apenas falar de Deus, mas deixar-nos conduzir por Ele. O Espírito Santo é o verdadeiro animador da missão, aquele que faz novas todas as coisas e renova a face da terra. Com Ele, a missão é sempre possível, sempre nova e sempre fecunda.

    A missão de Jesus como modelo

    1. Em Lucas 4,16-21, na sinagoga de Nazaré, Jesus lê o profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e a recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar um ano da graça do Senhor.” Aqui está o programa missionário de Jesus: evangelizar é libertar e curar, é anunciar a graça e a vida nova de Deus, especialmente aos mais fragilizados de cada época e lugar onde o cristão se encontra, como fizeram muitos irmãos e irmãs antes de nós, a exemplo da grande multidão dos santos e santas de Deus.
    2. João 3,16-17 resume o motivo da missão: “Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por meio dele.” A missão nasce do amor de Deus e tem como meta a salvação e a vida. Em João 10,10, Jesus afirma: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância.” O missionário, seguindo o Mestre, é chamado a promover vida plena e digna para todos.

    O Espírito Santo na vida e na missão da Igreja

    1. O Espírito continua agindo ao longo de toda a vida da Igreja primitiva. Nos Atos dos Apóstolos, vemos a Igreja nascente vivendo a missão como dom do Espírito. Em Atos 2,1-13, no dia de Pentecostes, “todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia.” O Evangelho é anunciado em todas as línguas: o Espírito derruba as barreiras e inaugura uma nova comunhão entre os povos.
    2. Em Atos 4,31, após a oração dos apóstolos, “todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam com coragem a Palavra de Deus.” A fé se traduz em ousadia missionária. Em Atos 8,17 e 10,44-48, o Espírito é derramado também sobre samaritanos e pagãos, mostrando que a salvação é universal: a missão entre os samaritanos revela um encontro entre fé e cultura (At 8,4-40), a exemplo do encontro com o etíope (At 8,26-40). O Espírito abre as portas e abate muros, criando comunhão e pontes de comunicação entre os irmãos e irmãs.
    3. Em Atos 13,1-3, a comunidade de Antioquia, em oração, envia Barnabé e Paulo para a missão. O texto mostra que o envio missionário é sempre eclesial: a comunidade discerne, reza e apoia os que são enviados. Mais adiante, em Atos 15, o Concílio de Jerusalém discerne a evangelização entre os gentios, ensinando que o Evangelho deve ser anunciado com liberdade e respeito às culturas. A missão não impõe uniformidade, mas promove comunhão na diversidade.

    O testemunho missionário nas cartas apostólicas

    1. São Paulo aprofunda essa experiência em suas cartas. Em Romanos 8,14-16, ele afirma: “Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus… O próprio Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos.” A missão nasce dessa identidade filial: quem é filho, partilha a vida do Pai e anuncia seu amor. Em 1Coríntios 12,4-11, Paulo explica que “há diversidade de dons, mas o mesmo Espírito.” Cada batizado recebe carismas para o serviço e a edificação do corpo de Cristo. E em Gálatas 5,22-25, o apóstolo descreve os frutos do Espírito – amor, alegria, paz, paciência, bondade, fidelidade – como sinais da maturidade missionária. Ele próprio de autointitula “apóstolo dos gentios” (Rm 11,13), “doutor/mestre das nações na fé e na verdade” (2Tm 2,7). A fé em Cristo é condição para a missão (Gl 2,17-21); Paulo recorda que a bênção de Abraão foi para todos os povos (Gl 3,6-14); que os cristãos são chamados a “completar na própria carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, pelo bem da Igreja” (Cl 1,24); Paulo indica a kenosis de Cristo como modelo de missão e serviço (Fl 2,5-11) e que o amor/a caridade é o caminho para se viver a missão (1Cor 13,1-13)
    2. Na mesma Carta aos Romanos 10,13-15, ele pergunta: “Como invocarão aquele em quem não acreditaram? E como acreditarão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se ninguém prega? E como pregarão, se não forem enviados?” A missão é serviço de todos: quem anuncia, quem envia e quem acolhe o Evangelho participam do mesmo dom.
    3. Em 1Coríntios 9,16, Paulo exclama: “Anunciar o Evangelho não é para mim motivo de glória; é uma necessidade que se me impõe. Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho!” A missão é um dever de amor, não uma opção. Em 2Coríntios 5,17-20, ele escreve: “Somos embaixadores de Cristo, como se Deus exortasse por meio de nós.” A missão é reconciliação: tornar presente o amor de Deus no mundo. Por fim, 1Pedro 2,9 recorda: “Vós sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de sua propriedade, para proclamar as maravilhas daquele que vos chamou das trevas à sua luz admirável.” A missão é de todo o povo de Deus: todos são chamados a proclamar e testemunhar a luz e “a Verdade do Evangelho” (Gl 2,5.14), a “cooperar com a verdade” (3Jo 8).
    4. A isso tudo se soma o fato de que toda a Primeira Carta de Pedro indica a missão junto às periferias do mundo, aos pobres, perseguidos e sofredores, participando dos sofrimentos de Cristo. O livro do Apocalipse indica o triunfo da missão de Deus: triunfo dos eleitos (Ap 7,9-17), as duas testemunhas (Ap 11,1-14), o triunfo da missão de Deus, com o novo céu e a nova terra (Ap 21,5-7) e conclui o livro falando de Deus, como origem e cumprimento da missão (Ap 22,17).

    Todos somos missionários

    1. As passagens do Novo Testamento mostram que a missão não é uma atividade opcional da Igreja, mas sua própria essência. O Pai é o primeiro missionário, enviando o Filho; o Filho envia os discípulos; o Espírito Santo anima e sustenta a missão. Evangelizar é viver o amor de Deus em movimento, é sair de si para servir e anunciar.
    2. Nós, ao meditarmos esses textos, somos convidados a renovar o ardor missionário. A missão começa na escuta da Palavra, amadurece na oração e se concretiza no testemunho e no serviço. Ser missionário é viver o Evangelho com alegria, ser sinal da misericórdia e da esperança de Deus no meio do povo. Como “Igreja em saída” (EG 24), somos chamados a levar a Boa-Nova a todas as realidades, com coragem, ternura e fé, a partir da “casa de Deus, que é a Igreja do Deus vivo: coluna e sustentáculo da verdade” (1Tm 3,15).

     

    1. A Missão da Igreja ao Longo da História

    2.1 As origens da missão cristã: a expansão apostólica e o período patrístico

    1. A missão nasce do próprio coração de Deus, que chama, envia e sustenta os seus escolhidos. Como visto no fundamento bíblico, já no Antigo Testamento aparece o dinamismo missionário da revelação: Israel foi eleito não para o isolamento, mas para ser “luz das nações” (Is 49,6). Essa escolha não representa privilégio, e sim vocação e responsabilidade: tornar visível entre os povos o amor e a fidelidade do Deus vivo.
    2. A ação missionária da Igreja tem em Cristo sua fonte e modelo. Ele, o Enviado do Pai, anuncia o Reino com palavras e gestos, acolhendo os pobres, curando os enfermos e chamando discípulos a participarem de sua obra redentora. Após a Ressurreição, confia-lhes o mandato universal: “Ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). O acontecimento de Pentecostes inaugura o tempo missionário: o Espírito Santo desce sobre os Apóstolos, que anunciam Jesus em todas as línguas (At 2,4). Desde então, é o mesmo Espírito quem move e conduz a missão: envia Filipe ao eunuco (At 8,26-40), inspira Pedro a ir à casa de Cornélio (At 10) e guia Paulo em suas viagens apostólicas. A missão é, portanto, iniciativa divina, e nós somos apenas colaboradores de sua graça.
    3. Partindo de Jerusalém, a fé cristã se expandiu pela Judeia, Samaria e até os confins do mundo. Pedro pregava a conversão; João testemunhava o amor; e Paulo, apóstolo dos gentios, percorreu o Mediterrâneo fundando comunidades e deixando nas cartas a primeira síntese teológica da fé. O testemunho dos discípulos, sustentado pelo Espírito, abriu as portas da salvação a todos os povos.
    4. Nos primeiros séculos, o cristianismo cresceu no mundo greco-romano por meio da pregação e do exemplo das pequenas comunidades, frequentemente perseguidas. Especial força teve o testemunho de se viver a fé cristã como religião ilícita no Império Romano, o que levou os cristãos a sofrer consequentemente muitos desafios, sobretudo a perseguição e o martírio: sinal vivo de uma fé ardorosa, corajosa e sinal do testemunho missionário. A força do Evangelho manifestava-se na coerência de vida e na fé dos mártires, cujo sangue — como dizia Tertuliano — tornou-se “semente de novos cristãos”. A caridade, o cuidado com os doentes e o respeito pela dignidade dos pobres e das mulheres impressionavam os pagãos, e o testemunho dos fiéis — “Vede como eles se amam!” — atraía muitos ao seguimento de Cristo.
    5. Com o Edito de Milão (313 d.C.), que concedeu liberdade religiosa aos cristãos, a Igreja entrou numa nova fase. Livre das perseguições, pôde organizar-se, dialogar com a cultura e irradiar sua influência espiritual sobre a sociedade. A missão assumiu, então, novos contornos: deixou de ser apenas resistência e testemunho de fé para se tornar também formação da inteligência e do coração, inculturação do Evangelho e construção de uma visão cristã do mundo.
    6. Nesse contexto, os Padres da Igreja destacaram-se como verdadeiros missionários do pensamento e da vida. Interpretaram as Escrituras, defenderam a fé ortodoxa e testemunharam santidade. Entre eles, sobressaem Santo Inácio de Antioquia (35–107), que, por meio de suas cartas, consolidou a comunhão entre as comunidades; Santo Irineu de Lion (130–202), de origem oriental, que fortaleceu a unidade entre as Igrejas do Ocidente; Orígenes (185–254), teólogo de grande profundidade especulativa, que marcou de modo singular o diálogo entre fé e razão; Santo Atanásio (296–373), incansável defensor da verdade cristã; e os Padres Capadócios — Basílio Magno (329–379), Gregório de Nazianzo (329–390) e Gregório de Nissa (335–395) —, que uniram erudição, espiritualidade e vida comunitária. Eles fundamentaram a compreensão da Trindade como comunhão missionária, mostrando que a Igreja evangeliza porque é reflexo vivo da comunhão entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
    7. Entre os exemplos luminosos desse tempo, destaca-se São Martinho de Tours (316–397). Antigo soldado, convertido em monge e depois bispo, evangelizou a Gália com simplicidade e caridade. O gesto de partilhar sua capa com um pobre tornou-se símbolo da união entre anúncio e amor fraterno. Sua vida demonstrou que o testemunho concreto é a forma mais profunda de pregação.
    8. Com a difusão do cristianismo, surgiram diversas tradições litúrgicas e culturais no Oriente e no Ocidente. A mesma fé se expressava em ritos e teologias distintas, enraizadas em povos e línguas diversas. No Oriente floresceram as famílias rituais — antioquena, alexandrina, armênia, caldeia e bizantina — que até hoje enriquecem a catolicidade da Igreja. Muitas dessas Igrejas locais, (das quais nasceram as atuais Igrejas Ortodoxas), foram autênticas escolas de espiritualidade e missão, originadas do dinamismo apostólico que deu origem aos Patriarcados.
    9. Apesar da diversidade, a unidade e a comunhão foram preservadas pelo diálogo entre os bispos e pela realização de sínodos, instrumentos de discernimento e de escuta do Espírito. Os concílios ecumênicos de Niceia (325) que neste ano completa 1.700 anos e que teve a visita do Papa Leão XIV no local do evento, Constantinopla (381), Éfeso (431) e Calcedônia (451) tornaram-se marcos dessa comunhão eclesial. Assim, a sinodalidade, longe de ser novidade, é desde o início uma forma concreta de viver a comunhão missionária. Essa sinodalidade tem sido um método comum em nossa Arquidiocese em seus trabalhos e missão.
    10. Os primeiros séculos do cristianismo foram, portanto, um tempo de expansão silenciosa e fecunda, de fidelidade criativa e de profunda comunhão. O Evangelho lançou raízes em culturas diversas, e a Igreja aprendeu a ser verdadeiramente católica — universal, aberta a todos os povos, mas fiel a um único Senhor.
    11. É importante recordar ainda que a Armênia, já no século IV, foi a primeira nação a adotar oficialmente o cristianismo, abrindo caminho para novas formas de missão. A Irlanda, convertida no século V por São Patrício (385–461), tornou-se centro vibrante de vida espiritual. Dela partiram monges como São Columba (521–597) e São Columbano (543–615), que fundaram mosteiros e irradiaram a fé por toda a Europa.

     

    2.2 A missão na Idade Média e a evangelização da Europa

    1. Com o término das perseguições e o avanço da fé nos territórios do antigo Império Romano, a missão da Igreja entrou em uma nova fase de expansão e consolidação. O Evangelho, antes proclamado nas regiões periféricas do mundo conhecido, começou a penetrar nas terras do norte e do oeste europeu, alcançando os povos bárbaros e germânicos. Nesse movimento evangelizador, a fé cristã firmou-se nas antigas nações do Império — como a França, chamada “filha primogênita da Igreja”, cuja conversão do rei Clóvis (466–511) foi decisiva para o futuro da cristandade ocidental — e irradiou-se também para o Oriente.
    2. Entre os principais protagonistas dessa etapa missionária estão os monges missionários que uniam contemplação, estudo e ação pastoral. Os mosteiros e conventos — beneditinos, agostinianos, cistercienses, cartuxos, franciscanos e dominicanos — espalharam-se pela Europa e tornaram-se centros de fé, cultura e solidariedade. Nessas casas religiosas, o Evangelho era vivido e ensinado; o saber antigo foi preservado, a arte e a agricultura floresceram, e gerações inteiras foram formadas na fé e na vida comunitária.
    3. São Bento de Núrsia (480–547), considerado o “Pai do monaquismo ocidental”, fundou o mosteiro de Monte Cassino e redigiu sua célebre Regra, que se tornou referência para a vida monástica em todo o ocidente. Seu lema, ora et labora (“reza e trabalha”), sintetiza o espírito beneditino, que une oração, trabalho e fraternidade. Os mosteiros beneditinos tornaram-se verdadeiros faróis de civilização, preservando manuscritos, cultivando o saber, desenvolvendo a agricultura, acolhendo os pobres e instruindo o povo.
    4. Outro grande missionário foi São Bonifácio (675–754), conhecido como o “apóstolo da Alemanha”. Nascido na Inglaterra, levou a luz da fé aos povos germânicos, organizou dioceses e fundou mosteiros, consolidando a presença da Igreja em regiões ainda marcadas pelo paganismo. Seu martírio coroou uma vida inteiramente dedicada à evangelização e ao anúncio do Evangelho.
    5. Também merecem destaque São Cirilo (826–869) e São Metódio (815–885), irmãos originários de Tessalônica, que levaram a mensagem cristã aos povos eslavos. Traduziram a Sagrada Escritura para a língua local e criaram o alfabeto que deu origem à escrita cirílica. Seu trabalho missionário, caracterizado pelo respeito e valorização das culturas, abriu caminhos para a evangelização, tornando-os padroeiros da Europa e símbolos da unidade entre Oriente e Ocidente.
    6. No século XII, desponta a figura luminosa de São Bernardo de Claraval (1090–1153), por quem tenho imensa admiração: reformador, pregador ardoroso e grande divulgador da minha Ordem de Cister. Sua pregação e sua teologia centrada no amor de Deus marcaram profundamente a espiritualidade medieval e também a minha. Sob sua influência, os cistercienses se multiplicaram, fundando mosteiros que se tornaram polos de oração, cultura e evangelização por toda a Europa.
    7. São Domingos de Gusmão (1170–1221), enfrentando a heresia albigense, inaugurou um novo estilo de pregação: simples, fundamentado na Sagrada Escritura e unido à pobreza evangélica. Fundou a Ordem dos Pregadores, cujos frades levaram a Palavra às cidades e universidades, dialogando com a cultura e iluminando as consciências com a luz do Evangelho. Foi também através da pregação dominicana que o Rosário se difundiu como verdadeira escola de espiritualidade e síntese do Evangelho.
    8. São Francisco de Assis (1181–1226), por sua vez, encarnou a pobreza e a alegria do Evangelho de modo singular. Seguindo Cristo pobre e crucificado, fez de sua vida um anúncio vivo do amor divino. Fundador da Ordem dos Frades Menores, pregou a fraternidade universal e o amor aos pobres. Durante as Cruzadas, encontrou-se com o sultão Al-Malik al-Kamil (1180–1238), testemunhando que a missão também é diálogo e caminho de paz.
    9. A Idade Média legou à Igreja uma herança inestimável: uma Europa profundamente moldada pela fé, pela presença monástica, pela arte sacra e pela caridade. A luz do Evangelho inspirou ideais de santidade, originou universidades, sustentou culturas e consolidou valores humanos que permanecem como fundamentos da civilização ocidental.

     

    2.3 A missão na era das grandes navegações: Espanha e Portugal

    1. Com o surgimento das grandes navegações, entre os séculos XV e XVI, a missão cristã assumiu uma nova amplitude universal. O ardor evangelizador que havia moldado a Europa medieval estendeu-se agora aos continentes recém-descobertos, acompanhando os empreendimentos marítimos de Espanha e Portugal. A abertura de novas rotas comerciais e culturais criou não só horizontes inéditos para o anúncio do Evangelho, mas também apresentou sérios desafios éticos, pois muitas vezes a evangelização se confundiu com os interesses políticos e coloniais da época que nos fazem penitenciar até hoje.
    2. O Reino de Portugal, amparado pelo sistema do padroado real, enviou missionários às terras que descobria, confiando-lhes a tarefa de anunciar a fé e organizar a vida cristã nas novas comunidades, e em algumas situações impediu a missão da própria igreja. A Espanha, por sua vez, levou o Evangelho à América Latina e às Filipinas, estruturando dioceses e formando instituições de caridade e educação. Em ambos os reinos, o impulso missionário produziu figuras notáveis de santidade e coragem, que uniram o zelo apostólico à defesa dos povos nativos e à promoção da dignidade humana.
    3. Entre esses grandes testemunhos, destaca-se Bartolomeu de Las Casas (1484–1566), dominicano que chegou à América como colono e, tocado pela injustiça, tornou-se incansável defensor dos indígenas. Denunciou os abusos da colonização e proclamou a igualdade de todos diante de Deus, mostrando que a autêntica missão inclui o compromisso com a justiça e o respeito pela vida. Sua voz profética permanece como marco da consciência cristã diante da opressão.
    4. Outro exemplo luminoso é São Francisco Xavier (1506–1552), companheiro de Santo Inácio de Loyola (1491–1556) e um dos primeiros jesuítas. Levou o Evangelho ao Oriente, anunciando Cristo na Índia, nas ilhas Molucas e no Japão, e faleceu às portas da China, consumido pelo desejo de evangelizar aquele vasto império. Seu ardor missionário e amor pelos pobres fizeram dele um dos maiores evangelizadores da história da Igreja.
    5. São Toríbio de Mogrovejo (1538–1606), arcebispo de Lima, foi outro grande missionário deste período. Percorria pessoalmente as comunidades mais distantes dos Andes, levando consolo, catequese e presença pastoral. Organizou a Igreja local, promoveu a formação do clero e defendeu a dignidade dos povos originários, tornando-se exemplo de pastor próximo e incansável.
    6. Matteo Ricci (1552–1610), jesuíta e pioneiro do diálogo missionário com a cultura chinesa, encarnou uma forma nova de evangelização. Com sabedoria e sensibilidade, soube dialogar com o pensamento confuciano, valorizando o conhecimento local e apresentando o Evangelho com respeito e profundidade. Introduziu ciências ocidentais, escreveu tratados e foi acolhido como sábio e amigo. Sua vida demonstra que a verdadeira missão se faz também no terreno do encontro e do diálogo.
    7. Essa época de expansão missionária deixou frutos duradouros: escolas, hospitais, obras de caridade e expressões de espiritualidade popular que enraizaram a fé nas novas culturas. A evangelização das Américas, da África e da Ásia ampliou o horizonte da Igreja e reforçou sua consciência de ser universal — chamada a abraçar todos os povos e a anunciar Cristo em todas as nações, com respeito e amor.

     

    2.4 A presença de missionários no Brasil

    1. Um novo e decisivo capítulo da história missionária se abre com as grandes descobertas marítimas dos séculos XV e XVI. A chegada dos espanhóis à América Latina e dos portugueses ao território que viria a ser o Brasil marcou profundamente o processo de evangelização do Novo Mundo.
    2. Desde o início, a missão no Brasil assumiu rosto concreto através da ação incansável dos jesuítas, entre os quais se destacam Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, que inclusive atuaram aqui em nossas terras. Ambos aprenderam as línguas indígenas, redigiram catecismos, criaram escolas e aldeamentos, e utilizaram até o teatro como meio de evangelização. Anchieta, em particular, tornou-se conhecido como o “apóstolo do Brasil”, pelo ardor com que anunciou Cristo aos povos originários e trabalhou pela reconciliação entre colonos e nativos. Mestre da língua tupi, compôs gramática, poemas e peças catequéticas, transformando a cultura em instrumento de missão e paz.
    3. A presença franciscana, desde o século XVI, deu à evangelização brasileira um caráter popular e próximo do povo simples. Especialmente no Nordeste e no Sul, os frades menores levaram a palavra com linguagem acessível, promoveram a devoção mariana e cultivaram a religiosidade popular. Fundaram conventos, cuidaram da vida pastoral das vilas e cidades e difundiram o amor a Santo Antônio e São Francisco, que se tornaram figuras queridas da fé do povo.
    4. Os carmelitas, instalados no Brasil a partir de meados do século XVI, uniram vida contemplativa e missão popular. Espalharam a devoção a Nossa Senhora do Carmo, que se tornaria padroeira de muitas cidades. Sua espiritualidade silenciosa e orante marcou fortemente a vida religiosa do país, especialmente nas áreas urbanas.
    5. Os beneditinos, que chegaram em 1581, fundaram mosteiros que se tornaram polos de cultura, arte sacra e espiritualidade. A partir do equilíbrio de sua Regra — “ora et labora” —, contribuíram para formar comunidades disciplinadas e orantes, sendo até hoje referência de vida monástica e cultural.
    6. No século XVII, os mercedários deram continuidade à obra evangelizadora, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Inspirados pela espiritualidade da libertação dos cativos, dedicaram-se ao serviço dos necessitados e deixaram forte testemunho da dimensão social da fé. No Rio colonial, a Ordem de Nossa Senhora das Mercês destacou-se na assistência aos escravizados, revelando que a missão também é libertação e compaixão.
    7. Durante o século XIX, a presença das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo fortaleceu o rosto caritativo da Igreja, com atuação em hospitais, orfanatos e obras sociais. Já os Redentoristas, vindos ao Brasil no final do século XIX, tornaram-se grandes missionários populares. Com suas pregações e romarias, difundiram a devoção a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, e contribuíram para a formação da espiritualidade mariana do povo. Também se destacaram na comunicação, fundando a Rádio Aparecida e a Editora Santuário.
    8. Os salesianos, enviados por Dom Bosco em 1883, dedicaram-se à juventude, à educação e à evangelização. Fundaram escolas, colégios e obras sociais por todo o país, levando adiante o carisma da alegria e do amor educativo. Sua presença missionária na Amazônia marcou de modo especial o compromisso com os povos indígenas e com a educação das novas gerações.
    9. Entre as congregações de origem brasileira, merecem destaque, entre outras, as Irmãzinhas da Imaculada Conceição, fundadas por Santa Paulina, em Santa Catarina. Elas foram as primeiras religiosas nascidas em solo brasileiro e dedicaram suas vidas ao cuidado dos pobres e enfermos, tornando-se sinal da fé viva do povo.
    10. A identidade católica do Brasil foi profundamente moldada por essa rica diversidade missionária. Cada congregação e instituto trouxe um dom particular do Espírito, ajudando a formar um catolicismo enraizado na cultura e no coração do povo: uma fé popular, devocional e solidária, marcada pela presença mariana, pela catequese e pela opção pelos pobres.

     

    2.5 A presença missionária no Rio de Janeiro

    1. A história missionária do Rio de Janeiro tem início com a chegada dos jesuítas, que acompanharam a fundação da cidade em 1565, ao lado de Estácio de Sá. Entre eles, destacou-se o Padre José de Anchieta, que participou ativamente da consolidação da nova comunidade. Sua atuação abrangeu a catequese dos povos indígenas, a mediação entre colonos e nativos e a fundação de escolas. O Colégio dos Jesuítas, situado no Morro do Castelo, tornou-se durante séculos o principal centro espiritual, cultural e educacional da cidade, irradiando fé e conhecimento.
    2. Poucos anos depois, em 1590, chegaram ao Rio os beneditinos, que ergueram o magnífico Mosteiro de São Bento, uma das mais belas expressões da arquitetura colonial brasileira. Ali, a liturgia solene, o canto gregoriano e a vida monástica marcaram profundamente a identidade católica da cidade. Além de casa de oração, o mosteiro foi centro de cultura e de formação humana, e até hoje permanece como farol espiritual e cultural da capital fluminense.
    3. Também em 1590, instalaram-se os carmelitas, promovendo uma intensa devoção a Nossa Senhora do Carmo. A Igreja da Ordem Terceira do Carmo e a antiga Sé Catedral, onde funcionou a sede episcopal até 1976, testemunham essa presença fecunda. A devoção carmelita enraizou-se tão profundamente na religiosidade do povo carioca que Nossa Senhora do Carmo foi proclamada padroeira da Arquidiocese.
    4. Nos séculos seguintes, o Rio de Janeiro continuou a acolher novas forças missionárias. Durante o século XX, a Arquidiocese recebeu congregações de vocação missionária internacional, como o Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras (PIME) e os Missionários Combonianos, que se dedicaram especialmente às periferias urbanas e às comunidades mais vulneráveis. Seu trabalho pastoral e social contribuiu para renovar o ardor missionário e expandir a presença da Igreja para além dos limites do centro urbano.
    5. Desde os tempos de São José de Anchieta até as congregações e institutos que atuam hoje nas diversas regiões pastorais, a Arquidiocese do Rio de Janeiro foi moldada por uma extraordinária variedade de carismas missionários. Cada um deles, à sua maneira, ajudou a formar a identidade católica carioca — uma fé popular, alegre, profundamente mariana e comprometida com os pobres e com a justiça social.
    6. É igualmente notável a contribuição das congregações femininas, que dedicaram suas vidas à educação, à saúde e às obras de caridade. Escolas, hospitais e instituições sociais, muitas delas ainda em funcionamento, são frutos da presença generosa dessas religiosas que, com espírito de serviço, traduziram o Evangelho em gestos concretos de amor e solidariedade.

     

    2.6 A renovação missionária no século XX

    1. O século XIX já preparava uma nova etapa na missão da Igreja, marcada por um renovado ardor apostólico e pelo surgimento de diversas congregações missionárias. O impulso da caridade cristã encontrou-se, nesse tempo, com os desafios trazidos pela Revolução Francesa, que transformou profundamente o panorama cultural, e pela Revolução Industrial, que levantou urgentes questões sociais. Nesse contexto, emergiu a figura profética de São Daniel Comboni (1831–1881), missionário apaixonado pela África. Fundador dos Missionários e Missionárias Combonianos, ele compreendeu que a evangelização deveria respeitar e valorizar as culturas locais. Seu lema — “Salvar a África com a África” — expressava uma visão ousada e profundamente evangélica: a missão não como imposição, mas como partilha e promoção da dignidade de cada povo.
    2. Já o século XX seria um período de profunda renovação missionária para toda a Igreja. O dinamismo do Espírito Santo impulsionou novas iniciativas evangelizadoras em todos os continentes e favoreceu também o florescimento de um diálogo fraterno entre as diferentes tradições cristãs. O movimento missionário se tornou, então, um espaço privilegiado de cooperação e de busca pela unidade.
    3. Nas comunidades cristãs oriundas da Reforma, o fervor missionário ganhou força, culminando na Conferência Missionária de Edimburgo (1910), que reuniu representantes de várias denominações em torno da missão. Esse evento foi um marco no caminho do ecumenismo moderno e influenciou a compreensão da missão como obra conjunta de testemunho e serviço.
    4. Na Igreja Católica, o Papa Pio XI (1857–1939) deu grande impulso às Pontifícias Obras Missionárias, promovendo uma consciência mais viva da responsabilidade missionária de todo o povo de Deus. Pouco depois, o Concílio Vaticano II (1962–1965), em seu Decreto Ad Gentes, reafirmou de modo solene que “a Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária” (n. 2). Essa afirmação expressa a convicção de que a missão não é apenas uma atividade entre outras, mas o próprio modo de ser da Igreja, que existe para evangelizar e servir.
    5. A partir desse novo horizonte conciliar, a missão passou a ser entendida como diálogo, presença e testemunho, mais do que como simples expansão geográfica. O anúncio do Evangelho deveria ser feito no respeito pelas culturas, na solidariedade com os pobres e na busca da justiça e da paz. A renovação missionária do século XX, portanto, não se limitou à fundação de novas obras, mas inaugurou um novo espírito e uma nova consciência eclesial, profundamente marcada pelo amor e pela universalidade do Evangelho.

     

    2.7 Hoje: a Igreja em estado permanente de missão

    1. No século XXI, a Igreja vive o chamado a permanecer em estado permanente de missão, conforme propôs o Documento de Aparecida (2007). A evangelização deixou de ser entendida como uma ação isolada e passou a ser reconhecida como a própria forma de ser da Igreja. Em um mundo globalizado, marcado pela desigualdade, pela busca de sentido e pela presença cada vez mais intensa das novas tecnologias e espaços digitais, o anúncio do Evangelho assume novos rostos: o da proximidade, do diálogo, do testemunho e do serviço.
    2. São Paulo VI inaugurou o estilo missionário das viagens papais, tornando-se presença viva do Evangelho em meio aos povos. São João Paulo II ampliou esse horizonte, levando a Boa Nova a 129 países e instituindo as Jornadas Mundiais da Juventude e os Encontros Mundiais das Famílias, sinais concretos de uma Igreja que deseja encontrar as pessoas em todos os lugares. O Rio de Janeiro, em particular, teve a graça de sediar o 2º Encontro Mundial das Famílias, em 1997, e a 28ª Jornada Mundial da Juventude, em 2013, momentos que expressaram de modo vibrante a dimensão missionária da fé.
    3. O pontificado de Bento XVI reforçou o fundamento espiritual da nova evangelização, centrando-a no encontro pessoal com Cristo. O Papa Francisco, por sua vez, ampliou esse horizonte e recordou que a Igreja é chamada a sair de si mesma, preferindo ser uma “Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído às ruas” (Evangelii Gaudium, 49). No atual contexto, Leão XIV (2025–) tem ressaltado a importância da missão como caminho de paz desarmada e desarmante, comunhão e diálogo entre os povos.
    4. Nos tempos recentes, muitos santos e santas têm encarnado o ideal missionário com o testemunho da caridade. Santa Teresa de Calcutá (1910–1997), que aqui esteve, fundadora das Missionárias da Caridade, consagrou-se aos mais pobres entre os pobres, revelando no serviço a face compassiva de Cristo. Costumava dizer: “O que fazemos é apenas uma gota no oceano. Mas, se essa gota faltasse, o oceano seria menor.” De modo semelhante, Santa Dulce dos Pobres (1914–1992), o “Anjo Bom da Bahia”, dedicou sua vida aos enfermos e marginalizados, fundando as Obras Sociais Irmã Dulce e transformando pequenos gestos em uma grande corrente de amor e solidariedade. Ambas mostraram que servir ao necessitado é a forma mais pura de evangelizar.
    5. Os grandes eventos missionários de nosso tempo — como as Jornadas Mundiais da Juventude, os Encontros Mundiais das Famílias e as missões populares — expressam de maneira concreta essa Igreja em saída, alegre e solidária. Os meios de comunicação e as tecnologias digitais tornam-se novos espaços de evangelização, diálogo e comunhão. O magistério contemporâneo reforça uma convicção essencial: a Igreja é missionária por sua própria natureza e deve anunciar Cristo com coragem, ternura e alegria.
    6. Em muitas paróquias, a missão permanente já é realidade consolidada: não se limita à presença física nos territórios, mas traduz-se em ação contínua, em contato direto com as pessoas e em serviço constante às suas necessidades espirituais e humanas. Também os movimentos e as novas comunidades desempenham papel essencial, levando adiante seus carismas e manifestando, nas mais variadas formas, o amor de Deus e o acolhimento da Igreja.
    7. O Brasil, que por séculos recebeu missionários, tornou-se hoje também terra de envio. Sacerdotes, diáconos, leigos e leigas participam com generosidade de projetos missionários além-fronteiras, promovidos por dioceses, congregações, comunidades e pelos regionais da CNBB. A consciência missionária cresce em nossas comunidades, que organizam conselhos e grupos voltados ao serviço missionário, assumindo com entusiasmo o compromisso de levar o Evangelho aos que mais precisam.
    8. Belos testemunhos dessa presença missionária se encontram em pastorais que visitam enfermos, acolhem pessoas em situação de rua e amparam os que vivem em extrema pobreza. Nessas expressões concretas de amor, a Igreja realiza sua vocação de ser sinal de esperança e instrumento da misericórdia de Deus.
    9. O futuro missionário da Arquidiocese do Rio de Janeiro continua a se inspirar nessa tradição viva, sendo chamada, hoje mais do que nunca, a ser uma Igreja em saída, fiel ao mandato de Cristo e próxima do povo que lhe foi confiado. Temos belas experiências do passado sempre lembradas e, ao mesmo tempo, grandes realizações atuais com um dinamismo que o Espírito Santo nos proporciona.

     

    1. Magistério da Igreja: Os Documentos sobre a Missão
    2. Ao longo do último século, a Igreja Católica tem produzido uma série de documentos que expressam sua consciência missionária e orientam sua ação evangelizadora no mundo. Esses textos – encíclicas, exortações, constituições conciliares e instruções – revelam o modo como o Espírito Santo conduz a Igreja a anunciar Jesus Cristo em cada tempo e cultura. A seguir, apresentamos uma visão de conjunto dos principais Documentos da Missão, destacando seus autores e a contribuição de cada um para a vida pastoral e missionária.

     

    3.1 As raízes do impulso missionário moderno

    1. O século XX iniciou-se com um novo vigor missionário na Igreja, marcado por profunda renovação espiritual e pastoral. O ponto de partida dessa consciência renovada foi a carta apostólica Maximum Illud (1919), do Papa Bento XV. Publicada logo após o término da Primeira Guerra Mundial, ela representou uma virada na compreensão da missão, ao romper com visões nacionalistas e afirmar que o Evangelho é destinado a todos os povos, sem distinção de origem, língua ou nação. A missão, dizia o Papa, não é conquista nem extensão de fronteiras humanas, mas serviço ao Reino de Deus e testemunho da fraternidade universal em Cristo.
    2. Poucos anos mais tarde, Pio XI retomou e aprofundou essa orientação em sua encíclica Rerum Ecclesiae (1926), incentivando a formação de clero e lideranças locais. Ele destacou que a verdadeira evangelização não consiste em “exportar” modelos eclesiais estrangeiros, mas em suscitar Igrejas enraizadas nas próprias culturas, vivas e autônomas na fé. O missionário é, portanto, aquele que ajuda cada povo a descobrir o rosto de Cristo em sua própria história e expressão cultural.
    3. O Papa Pio XII deu continuidade a esse impulso missionário com dois importantes documentos. Na encíclica Evangelii Praecones (1951), exaltou a vitalidade das missões e a necessidade de novas forças apostólicas, recordando que o anúncio do Evangelho exige testemunho alegre e perseverante. Já na encíclica Fidei Donum (1957), convocou os bispos a enviarem sacerdotes diocesanos para colaborar com as jovens Igrejas da África, inaugurando uma nova forma de cooperação missionária entre dioceses.
    4. Às vésperas do Concílio Vaticano II, São João XXIII retomou essa linha em dois textos de forte dimensão evangelizadora. Na carta encíclica Princeps Pastorum (1959), destacou que os missionários devem estar profundamente unidos ao povo que evangelizam, partilhando sua vida e cultura. E, na encíclica Pacem in Terris (1963), afirmou que a paz entre as nações é parte essencial da missão da Igreja, porque anunciar Cristo é também trabalhar pela justiça e pela reconciliação.
    5. Esses documentos lançaram as bases para uma nova etapa da missão católica: mais universal, mais solidária e profundamente enraizada no Evangelho. O Espírito Santo, que moveu Bento XV e seus sucessores, preparava o caminho para a grande renovação missionária que o Concílio Vaticano II viria confirmar e desenvolver.

     

    3.2 A missão à luz do Concílio Vaticano II

    1. O Concílio Vaticano II (1962–1965) representa um dos maiores marcos da renovação missionária da Igreja no século XX. Sob a ação do Espírito Santo, o Concílio aprofundou a autocompreensão da Igreja e sua presença no mundo, reafirmando que a missão não é apenas uma atividade específica, mas a própria essência do ser e agir eclesial.
    2. A Constituição Dogmática Lumen Gentium (1964) define a Igreja como “Luz dos Povos” e apresenta sua identidade missionária a partir da comunhão trinitária. Todos os batizados, pelo dom do Espírito, participam da missão de Cristo, sendo chamados a irradiar a fé no meio do mundo. A missão, portanto, não é responsabilidade de alguns, mas vocação universal do Povo de Deus.
    3. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes (1965) coloca a Igreja em diálogo sincero e solidário com o mundo contemporâneo, partilhando suas alegrias, esperanças, tristezas e angústias. A evangelização é compreendida como presença compassiva no coração da humanidade, promovendo a dignidade de cada pessoa e colaborando para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.
    4. A Declaração Dignitatis Humanae (1965) reafirma a liberdade religiosa como direito fundamental e condição indispensável para o verdadeiro anúncio do Evangelho. A fé só pode ser acolhida em liberdade, e a Igreja é chamada a testemunhar o respeito pela consciência humana, caminho autêntico de evangelização e paz.
    5. O Decreto Ad Gentes (1965), texto inteiramente dedicado à atividade missionária, proclama que a Igreja é missionária por natureza, pois nasce da missão do Filho e do Espírito Santo. O documento recorda que o anúncio do Evangelho exige formação adequada, colaboração entre as comunidades e atenção às culturas locais. Evangelizar significa, ao mesmo tempo, proclamar Cristo, servir ao ser humano e encarnar o Evangelho em cada realidade histórica.
    6. O Concílio rompeu definitivamente com a ideia de que a missão fosse um setor isolado ou uma tarefa restrita a missionários em terras distantes. A partir dele, toda comunidade cristã é chamada a ser missionária, e cada batizado, um discípulo enviado.
    7. Os documentos conciliares inauguraram assim uma nova pastoral missionária: participativa, dialogal, aberta à cultura e fiel ao Espírito. A missão passou a ser compreendida como expressão do amor de Deus que se comunica e se faz próximo. O Vaticano II plantou, dessa forma, as sementes da Igreja em saída, que continua a florescer no caminho da evangelização de nosso tempo.

     

    3.3 São Paulo VI: evangelização no mundo atual – a missão como diálogo

    1. São Paulo VI foi o grande intérprete e aplicador do Concílio Vaticano II, conduzindo a Igreja a compreender a missão em sintonia com os desafios do mundo moderno. Entre seus escritos, a encíclica Ecclesiam Suam (1964) ocupa lugar especial. Nela, o Papa apresenta o diálogo como o novo estilo missionário da Igreja, chamado a substituir uma atitude de defesa ou de confronto por uma presença acolhedora, firme na verdade e aberta ao encontro. A Igreja, diz Paulo VI, deve “entrar em diálogo com o mundo em que vive”, tornando-se palavra, mensagem e comunicação viva (ES 67).
    2. O Papa descreve quatro círculos que expressam concretamente o alcance desse diálogo missionário. O primeiro é o diálogo com toda a humanidade, no qual a Igreja se aproxima do mundo moderno reconhecendo o que há de verdadeiro e bom em cada cultura e colaborando para o bem comum. O segundo é o diálogo com os que creem em Deus, especialmente com judeus, muçulmanos e seguidores de outras tradições religiosas, num espírito de respeito e fraternidade. O terceiro círculo é o diálogo ecumênico com os cristãos não católicos, sinal do amor e da unidade que o Evangelho exige. Por fim, o quarto é o diálogo interno da própria Igreja, entre pastores e fiéis, entre tradição e renovação, vivido na escuta e na comunhão. Esses quatro níveis mostram que a missão é um movimento que nasce do coração da Igreja e se abre em direção a toda a humanidade.
    3. Essa compreensão amadureceu na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi (1975), considerada um dos textos mais importantes do magistério missionário contemporâneo. Nela, Paulo VI afirma que evangelizar é a própria identidade da Igreja: ela existe para anunciar o Evangelho e fazê-lo penetrar em todas as dimensões da vida humana. A evangelização não é uma tarefa opcional, mas um modo de ser. O Papa ressalta que o primeiro anúncio do Evangelho acontece pelo testemunho de vida, que deve unir fé e compromisso social, palavra e ação.
    4. Essa visão já estava antecipada na encíclica Populorum Progressio (1967), onde Paulo VI fala do “desenvolvimento integral” como forma concreta de evangelização. Promover a justiça, a solidariedade e o bem comum é, portanto, parte integrante da missão. Evangelizar significa ajudar o ser humano a crescer em dignidade, libertando-o de todas as formas de miséria, e conduzindo-o à plenitude da vida em Cristo.
    5. Por meio desses ensinamentos, São Paulo VI estabeleceu as bases da evangelização contemporânea: uma missão que se realiza no diálogo, no testemunho e no serviço, e que busca anunciar o Evangelho com amor, respeito e profunda esperança no coração do mundo.

     

    3.4 São João Paulo II: A missão como identidade da Igreja

    1. O pontificado de São João Paulo II foi profundamente marcado por uma consciência missionária universal. Seu magistério reforçou a convicção de que a Igreja existe para evangelizar e que toda a sua vida deve refletir a missão recebida de Cristo. Essa visão alcança sua expressão mais completa na encíclica Redemptoris Missio (1990), na qual o Papa reafirma com força que a missão “ad gentes” continua sendo atual e indispensável.
    2. João Paulo II recorda que a missão não é apenas um programa de expansão, mas um ato de amor. O anúncio de Jesus Cristo é um serviço prestado à humanidade, um testemunho de fé que respeita as culturas e se encarna nas realidades concretas dos povos. Evangelizar é tornar presente o amor redentor de Cristo, que transforma a vida e oferece esperança. O diálogo, o respeito e a valorização das culturas locais são apresentados como dimensões essenciais da evangelização.
    3. Na Redemptoris Missio, o Papa também reage à tentação de considerar a missão superada ou desnecessária. Foi um documento importantíssimo nesse momento histórico. Ele insiste que o mundo contemporâneo, com suas contradições e desafios, continua necessitado de ouvir o Evangelho, fonte de liberdade e salvação. O anúncio de Cristo não é imposição, mas convite à vida nova, e a Igreja, como discípula e serva, deve proclamá-lo com coragem e humildade.
    4. Essa mesma inspiração perpassa as exortações pós-sinodais Ecclesia in Africa, Ecclesia in America, Ecclesia in Asia, Ecclesia in Oceania e Ecclesia in Europa (1995–2003). Nessas obras, João Paulo II aplica a teologia da missão aos diferentes continentes, valorizando suas culturas e desafios próprios. Na África, destaca a necessidade de reconciliação, justiça e paz; na América, enfatiza a unidade e a opção pelos pobres; na Ásia, propõe o diálogo inter-religioso e a inculturação; na Oceania, a comunhão na diversidade; e na Europa, a renovação da fé em meio à secularização.
    5. Em todos esses textos, o Papa apresenta o discípulo missionário como aquele que testemunha a esperança do Cristo ressuscitado e se deixa guiar pelo Espírito Santo. A missão é apresentada não como dever pesado, mas como resposta de amor e gratidão.
    6. Com São João Paulo II, a Igreja redescobriu a alegria de ser missionária, chamada a anunciar Cristo com a força da fé, a beleza da santidade e a esperança de quem caminha com a humanidade rumo ao Reino de Deus.

     

    3.5 Bento XVI: missão como partilha, por atração

    1. Para Bento XVI, a missão tem sua origem no encontro pessoal e transformador com Jesus Cristo. É esse encontro que dá sentido à vida e abre o coração ao anúncio do Evangelho. Logo no início de seu pontificado, o Papa expressou essa convicção de modo memorável: “Na origem do ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e um rumo decisivo” (Deus Caritas Est, 1). A missão, portanto, não é imposição nem estratégia, mas partilha de uma experiência de amor e de verdade.
    2. Bento XVI compreende a evangelização como participação na missão do Filho, enviado pelo Pai na força do Espírito Santo. Evangelizar é servir à verdade que liberta e oferece sentido. A Igreja, segundo ele, não impõe nada, mas propõe com humildade o dom que recebeu de graça. A fé é sempre convite, jamais imposição; ela se comunica não por proselitismo, mas “por atração”, pela beleza e autenticidade de uma vida transformada por Cristo.
    3. No discurso de abertura da Conferência de Aparecida (2007), o Papa reafirmou que o testemunho é a forma mais convincente de evangelização. O cristão que vive unido a Deus torna-se reflexo do amor divino e atrai outros pelo exemplo de vida, pela serenidade e pela esperança que comunica. Evangelizar é contagiar pela alegria de quem encontrou o Senhor.
    4. A Eucaristia ocupa lugar central em sua visão missionária. Em Sacramentum Caritatis (84), Bento XVI recorda que a missão brota da mesa do altar, pois quem participa da Ceia do Senhor é enviado ao mundo para anunciar o amor de Deus. A celebração eucarística alimenta a fé e transforma o fiel em testemunha viva do Evangelho.
    5. Para Bento XVI, o missionário é alguém que fala de Deus porque O experimenta no mais íntimo do coração. Ele comunica a verdade com amor e humildade, consciente de que a fé só se transmite pelo testemunho da caridade. “Quem encontrou realmente Cristo não pode guardá-lo para si: deve anunciá-lo” (Mensagem para o Dia Mundial das Missões, 2012).
    6. Assim, o núcleo do pensamento missionário de Bento XVI pode ser resumido na convicção de que a Igreja evangeliza pela beleza da fé, pela força do amor e pela alegria serena de quem vive em comunhão com Cristo. A missão é, em sua essência, um dom que se oferece e uma luz que atrai.

     

    3.6 Papa Francisco: A missão e a alegria do Evangelho

    1. O pontificado do Papa Francisco recoloca a missão no centro da vida da Igreja, propondo uma profunda renovação pastoral e espiritual. Desde o início, ele convida todos os batizados a viverem uma “Igreja em saída”, fiel ao mandato do Senhor e disposta a ir ao encontro das periferias geográficas e existenciais. Essa visão está claramente expressa na exortação apostólica Evangelii Gaudium (2013), verdadeiro manifesto missionário do nosso tempo.
    2. Francisco afirma que a alegria do Evangelho é o coração da missão. Evangelizar é transmitir a alegria de quem encontrou Cristo e experimenta a misericórdia do Pai. Por isso, o Papa insiste que uma Igreja fechada em si mesma perde o frescor do Evangelho; é preciso uma Igreja que saia, que escute, que se envolva e que caminhe junto com o povo. A missão, assim, torna-se expressão da ternura de Deus e resposta às feridas do mundo.
    3. Em sua proposta pastoral, o Papa sublinha que a evangelização deve ser realizada com espírito de misericórdia e proximidade. Critica toda forma de autorreferencialidade e convida a uma conversão pastoral permanente, na qual o discípulo missionário seja testemunha da alegria, da compaixão e do serviço. Evangelizar é tocar a vida das pessoas com gestos concretos de amor, escuta e solidariedade.
    4. Essa visão se amplia na encíclica Laudato Si’ (2015), na qual Francisco propõe uma evangelização ecológica e integral. O cuidado com a criação é apresentado como parte essencial da missão, pois o anúncio de Cristo inclui a defesa da vida em todas as suas dimensões. A “conversão ecológica” é vista como expressão da conversão missionária: quem encontra Deus na criação compromete-se a cuidar da casa comum e a proteger os mais pobres, que sofrem mais com a degradação ambiental.
    5. Em Gaudete et Exsultate (2018), o Papa retoma a dimensão missionária da santidade. Para ele, a santidade não é privilégio de poucos, mas vocação de todos os batizados. A santidade cotidiana, feita de pequenos gestos de amor e serviço, é o modo mais autêntico de evangelizar no mundo atual. A missão nasce, assim, do coração santificado que reflete a alegria do Evangelho em meio às realidades simples da vida.
    6. O testemunho missionário de Francisco convida a Igreja a redescobrir a beleza da simplicidade e da ternura. A evangelização, para ele, é inseparável da alegria, da compaixão e da esperança. Evangelizar é tornar visível o rosto misericordioso de Deus e levar ao mundo a alegria que nasce do encontro com Cristo vivo.

     

    3.7 Papa Leão XIV: a missão, o cuidado com os que sofrem e paz para o mundo

    1. Ainda nos primeiros meses de seu pontificado, o Papa Leão XIV tem manifestado com clareza uma visão profundamente missionária e pastoral. Desde o início de seu ministério, ele expressa o desejo de que toda a Igreja redescubra o sentido do envio e da caridade, tornando-se sinal vivo de esperança e instrumento de reconciliação entre os povos.
    2. Em sua primeira bênção Urbi et Orbi, dirigida à Diocese de Roma e ao Mundo em 8 de maio de 2025, o Santo Padre apresentou uma mensagem de forte inspiração missionária. Falando ao coração do povo, afirmou: “Devemos procurar juntos o modo de ser uma Igreja missionária, uma Igreja que constrói pontes, que constrói o diálogo, sempre aberta para acolher a todos, como esta Praça, de braços abertos, a todos aqueles que precisam da nossa caridade, da nossa presença, de diálogo e de amor.” Suas palavras recordam que a missão começa na acolhida e se concretiza no amor fraterno que abraça o mundo inteiro.
    3. Poucos dias depois, em sua homilia na Missa de início do Ministério Petrino, em 18 de maio de 2025, Leão XIV reforçou essa mesma perspectiva, dizendo que “a própria Igreja, em todos os seus membros, é chamada a ser, cada vez mais, uma Igreja missionária, que abre os braços ao mundo, que anuncia a Palavra e que se torna fermento de concórdia para a humanidade”. O Papa vê a missão como gesto de comunhão e serviço, expressão da caridade que se traduz em paz e diálogo.
    4. Em discurso aos participantes da Assembleia Geral das Pontifícias Obras Missionárias, no dia 22 de maio de 2025, o Papa destacou a urgência de renovar o ardor apostólico e o compromisso missionário de todo o povo de Deus. Disse ele: “A promoção do zelo apostólico entre o Povo de Deus continua a ser um aspecto essencial da renovação da Igreja, tal como foi pensada pelo Concílio Vaticano II, e é ainda mais urgente nos nossos dias. O nosso mundo, ferido pela guerra, pela violência e pela injustiça, necessita ouvir a mensagem evangélica do amor de Deus e experimentar o poder reconciliador da graça de Cristo. Devemos levar a todos os povos a promessa evangélica de uma paz verdadeira e duradoura.”
    5. Na homilia do Jubileu do mundo missionário e dos migrantes, em 5 de outubro de 2025, o Papa Leão XIV reforçou que a consciência missionária nasce do desejo de levar consolo e esperança aos que sofrem. Disse que o Espírito Santo envia a Igreja às periferias do mundo, muitas vezes marcadas pela dor, pela injustiça e pela exclusão, para continuar a obra redentora de Cristo.
    6. Essa visão encontrou expressão em sua primeira exortação apostólica, Dilexi te (4 de outubro de 2025), redigida em colaboração com o Papa Francisco. O documento retoma os temas do amor, da paz e do cuidado pelos pobres, propondo uma espiritualidade missionária centrada na ternura e na misericórdia. Para Leão XIV, a missão não é apenas anúncio, mas presença solidária junto aos que mais sofrem; não é apenas palavra, mas gesto concreto de amor que transforma e pacifica.
    7. Em sua breve, mas já fecunda atuação, o Papa Leão XIV tem mostrado que a missão da Igreja é inseparável do serviço à paz e à dignidade humana. Sua palavra e seu exemplo apontam para uma Igreja de portas abertas, animada pelo Espírito e comprometida em levar a todos o Evangelho da compaixão.

     

    3.8 Documentos missionários de outros organismos da Cúria Romana

    1. Após o Concílio Vaticano II, diversos organismos da Cúria Romana continuaram a aprofundar a reflexão sobre a natureza e os caminhos da missão. Seus documentos evidenciam que evangelizar é, ao mesmo tempo, testemunhar e dialogar, e que o diálogo verdadeiro é parte essencial da própria evangelização.

    A missão como diálogo e testemunho

    1. Dois textos do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso, Diálogo e Missão (1984) e Diálogo e Anúncio (1991), expressam de modo exemplar essa complementaridade. Ambos ensinam que diálogo e anúncio não se excluem, mas se sustentam reciprocamente: o diálogo é expressão do amor e do respeito, e o anúncio é testemunho da verdade recebida de Cristo. Evangelizar, portanto, é escutar, conviver e cooperar com todos, buscando a paz e o bem comum. Esses documentos recordam que o missionário é chamado a ser presença de amizade e ponte de comunhão, sobretudo em contextos religiosos e culturais diversos.
    2. No mesmo espírito, a Congregação para a Evangelização dos Povos publicou a instrução Cooperatio Missionalis (1988), que valoriza a corresponsabilidade de todo o povo de Deus na missão. O texto destaca que a evangelização não é tarefa exclusiva de religiosos ou missionários ad gentes, mas compromisso de todas as comunidades, dioceses, leigos e consagrados. A instrução incentiva a oração, a cooperação material e o envio de pessoas como formas concretas de participar da missão universal da Igreja.

    A centralidade de Cristo na missão

    1. A Congregação para a Doutrina da Fé também contribuiu de modo significativo ao reafirmar a centralidade de Cristo na obra evangelizadora. Sob a orientação do cardeal Joseph Ratzinger, foi publicada a declaração Dominus Iesus (2000), que recorda que Jesus Cristo é o único Salvador e que a Igreja é o sacramento universal da salvação. Esse texto responde ao relativismo religioso e fundamenta a missão na verdade do Evangelho, sem deixar de promover o diálogo respeitoso com todas as crenças.
    2. Mais tarde, a mesma Congregação publicou a Nota Doutrinal sobre alguns aspectos da Evangelização (2007), reforçando que o ato de evangelizar não deve ser confundido com proselitismo, pois a fé é um dom que se propõe e nunca se impõe. Evangelizar é servir à verdade, oferecendo ao mundo o testemunho alegre do amor de Deus.

    Uma missão integral para o nosso tempo

    1. Lidos em conjunto, esses documentos revelam um fio condutor que atravessa todo o magistério missionário recente: a missão é expressão da própria natureza da Igreja e envolve toda a pessoa e toda a sociedade. Evangelizar é proclamar Cristo, servir aos pobres, cuidar da criação e promover a comunhão entre os povos. O agente de pastoral é chamado a ser discípulo missionário, enraizado na Palavra e movido pela caridade, capaz de dialogar com o mundo e transformar a realidade com gestos concretos de amor e justiça.

     

    3.9 Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano e Caribenho

    1. As Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, promovidas pelo CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano), tiveram papel decisivo na formação da consciência missionária do continente. Desde a primeira assembleia, em 1955, até os dias atuais, esses encontros expressam a caminhada conjunta das Igrejas locais, que buscam viver a missão de Cristo de forma encarnada nas realidades de seus povos.
    2. A primeira conferência, a de fundação do CELAM, realizada no Rio de Janeiro em 1955, foi um marco inaugural. Nela, os bispos reafirmaram o compromisso da Igreja com a evangelização e com a promoção humana em um continente em transformação. Já a conferência de Medellín, em 1968, assumiu de maneira corajosa as orientações do Concílio Vaticano II e aplicou-as ao contexto latino-americano, acentuando a opção preferencial pelos pobres e a necessidade de uma evangelização libertadora, que unisse fé e vida, espiritualidade e compromisso social.
    3. Em Puebla, em 1979, a Igreja latino-americana renovou sua vocação missionária, colocando o rosto dos pobres, dos jovens e dos povos indígenas no centro da ação evangelizadora. A conferência destacou que a missão nasce do encontro com Cristo e se concretiza na solidariedade e na defesa da dignidade humana.
    4. Santo Domingo, em 1992, trouxe nova ênfase à dimensão cultural da evangelização, destacando o diálogo entre fé e cultura e a importância da nova evangelização diante das mudanças sociais e religiosas do continente.
    5. A conferência de Aparecida, em 2007, em que participou o então cardeal Jorge Mario Bergoglio, futuro Papa Francisco, marcou um novo momento na consciência missionária da Igreja latino-americana. Seu documento final propôs a “missão continental”, conclamando todas as comunidades a viverem um estado permanente de missão. A evangelização é apresentada como discipulado e comunhão, chamando cada batizado a ser missionário em todos os ambientes da vida.
    6. O caminho traçado por essas conferências revela um amadurecimento progressivo da Igreja na América Latina e no Caribe: de uma pastoral de conservação para uma pastoral decididamente missionária. A missão, nesses documentos, é entendida como serviço, compromisso com os pobres e testemunho de esperança, fazendo da Igreja um sinal do amor de Deus no continente da esperança.

     

    3.10 Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

    1. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem desempenhado papel fundamental na reflexão e na promoção da consciência missionária da Igreja em nosso país. Ao longo de sua história, seus documentos e diretrizes pastorais vêm reafirmando que a missão é o eixo central de toda a ação evangelizadora.
    2. As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil constituem o principal instrumento de orientação pastoral e missionária das dioceses. Nelas, a missão aparece como paradigma que unifica todas as dimensões da vida eclesial: liturgia, catequese, caridade, diálogo e transformação social. A CNBB tem insistido que a missão não é apenas um conjunto de atividades, mas o modo de ser e de agir da Igreja em todos os lugares e tempos.
    3. Entre os documentos mais significativos, destaca-se o Documento 100, Comunidade de Comunidades: uma Nova Paróquia – a conversão pastoral da paróquia. Nele, a CNBB propõe uma profunda renovação da vida paroquial, convidando as comunidades a passarem de uma pastoral de manutenção para uma pastoral decididamente missionária. A paróquia é chamada a tornar-se casa de comunhão, centro de formação de discípulos missionários e ponto de partida para o anúncio do Evangelho nas periferias urbanas e existenciais.
    4. Desde o final do século XX, a missão da Igreja em contexto urbano tem ocupado lugar cada vez mais relevante no discernimento pastoral da CNBB. As grandes cidades, marcadas pela desigualdade, pelo individualismo e pela busca de sentido, são vistas como campos privilegiados para o testemunho e a solidariedade. A Igreja é convidada a ser presença acolhedora e profética nesses espaços, anunciando o Evangelho com linguagem próxima e com gestos concretos de amor. A presença dos círculos bíblicos em nossa tradição evangelizadora deve continuar se multiplicando para que a nossa capilaridade ocorra nessa nossa cidade.
    5. Na série Estudos da CNBB, há importantes contribuições sobre o tema. Entre elas, o Estudo 108, Missão e Cooperação Missionária: Orientações para a animação missionária da Igreja no Brasil, e o Estudo 117, Projeto Igrejas Irmãs, que propõe formas concretas de partilha missionária entre dioceses e regiões do país. Mais recentemente, a publicação Conselhos Missionários: a serviço da animação missionária da Igreja no Brasil (2025) reforça o papel dos Conselhos Missionários Paroquiais, Diocesanos e Regionais como instrumentos de articulação, formação e envio.
    6. Esses textos mostram a vitalidade missionária da Igreja no Brasil e o compromisso da CNBB em manter viva a chama do anúncio e do serviço. A missão, entendida como presença fraterna e transformação evangélica da realidade, continua a inspirar as comunidades a viverem sua fé de forma dinâmica e encarnada, fiel ao mandato de Cristo e atenta às necessidades do povo. O trabalho de incentivar as comissões missionárias querem responder a esse apelo.

     

    1. Missão como paradigma de toda a vida da Igreja
    2. Todo o povo de Deus é sujeito da missão. Toda a Igreja é missionária por natureza. Não apenas alguns, mas cada batizado é chamado a ser discípulo missionário. Esta mensagem é central no Documento de Aparecida e na exortação apostólica Evangelii Gaudium, do Papa Francisco. Desde a primeira saudação, no dia mesmo de sua eleição, o Papa Leão XIV vem confirmando a prioridade da missão na Igreja.

     

    4.1 A natureza da Igreja é missionária

    1. O Concílio Vaticano II proclamou com clareza: “A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária” (AG 2). Antes mesmo do Decreto sobre a Atividade Missionária afirmar essa verdade, a Constituição Dogmática sobre a Igreja já apresentava solenemente a “índole missionária” do Povo de Deus. Instituída por Cristo para “fazer discípulos todos os povos” (Mt 28,19), a Igreja participa do desígnio divino de salvação universal, assumindo tudo o que encontra de bom e verdadeiro nas culturas onde se insere e despertando em todos os seus membros a consciência de sua responsabilidade missionária (LG 17).
    2. São Paulo VI retomou e aprofundou esse ensinamento na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi (1975), ao afirmar que a Igreja existe para evangelizar. São João Paulo II, na encíclica Redemptoris Missio (1990), destacou que a missão não é um setor ou um programa particular, mas o eixo que dá forma e sentido a toda a vida e ação eclesial. O Papa Francisco, na exortação Evangelii Gaudium (2013), convida toda a Igreja a uma “saída missionária”, indo ao encontro daqueles que carecem da experiência viva da amizade com Cristo. Essa “saída” não é uma opção secundária, mas o modelo de todas as atividades eclesiais.
    3. Assim, a missão não é uma tarefa acessória, mas a própria razão de ser da Igreja. Ela existe para anunciar Jesus Cristo e testemunhar o seu amor até os confins da terra. O Evangelho não é apenas proclamado por palavras, mas confirmado pela vida dos fiéis que vivem o amor de Deus em gestos concretos de fé, esperança e caridade. Eis o nosso grande desafio de traduzir isso em nossa época e em nossa realidade.
    4. O Novo Testamento é explícito nesse sentido: “Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus. Então os discípulos foram anunciar por toda parte, e o Senhor cooperava com eles, confirmando a palavra pelos sinais que a acompanhavam” (Mc 16,19-20). “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos mandei. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,18-20). “Vós sois as testemunhas destas coisas. Eu enviarei sobre vós o que meu Pai prometeu” (Lc 24,48-49). “Recebereis a força do Espírito Santo, que virá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra” (At 1,8).
    5. Toda a Igreja, portanto, é missionária por essência. Cada batizado é chamado a ser discípulo e missionário, partícipe da grande obra de Deus que continua na história.

     

    4.2 A Missão Paradigmática

    1. A missão apostólica, continuada pela Igreja ao longo da história, deve ser compreendida e vivida em dois planos inseparáveis: o da ação organizada e o do paradigma que inspira toda a vida eclesial. O paradigma missionário não se limita a atividades específicas, mas envolve a totalidade da existência e da atuação da Igreja. Ele alcança suas instituições — Arquidiocese, Vicariatos, Foranias, Paróquias, Comunidades, Oratórios e Capelas —, assim como as pastorais, serviços e movimentos, tornando a missão o critério orientador de todas as decisões, estruturas e iniciativas pastorais. Aqui temos também a vida consagrada de antiga e nova tradição. Tudo deve ser pensado e realizado em chave missionária.
    2. Essa distinção foi apresentada com grande clareza pelo Papa Francisco durante seu encontro com os Bispos do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), no Centro de Estudos do Sumaré, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro (28 de julho de 2013). Naquele discurso, o Papa afirmou: “A missão paradigmática implica colocar em chave missionária a atividade habitual das Igrejas particulares.”
    3. Em sua exortação Evangelii Gaudium, Francisco retoma essa intuição, recordando as palavras de Redemptoris Missio: “Não se pode perder a tensão para o anúncio [aos que estão longe de Cristo], porque esta é a tarefa primária da Igreja” (RM 28); “[A atividade missionária] ainda hoje representa o maior desafio para a Igreja” (RM 37); e “a causa missionária deve ser (…) a primeira de todas as causas” (RM 1). Em seguida, ele interpela: “Que sucederia se tomássemos realmente a sério estas palavras? Simplesmente reconheceríamos que a ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja” (EG 15).
    4. Seria um equívoco reduzir a evangelização a um conjunto de planos e estratégias, como se a fé dependesse de cronogramas ou estruturas. Por isso, o Papa introduz a noção de missão paradigmática como algo mais profundo e abrangente. Na Evangelii Gaudium, explica: “Não se deve pensar que, na missão paradigmática, se abandonam ou se esquecem as ações programáticas. Ao contrário, trata-se de lhes dar um novo dinamismo, convertendo-as num paradigma capaz de impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais” (EG 33).
    5. No mesmo discurso ao CELAM, Francisco reforça: não basta elaborar novos projetos. É necessária uma verdadeira conversão pastoral que coloque a missão no centro de toda a vida da Igreja. “A missão não está no fim, como uma conclusão ou apêndice, mas no coração da vida cristã.”
    6. Assim, a missão paradigmática não é um setor isolado da pastoral, mas a alma que vivifica todas as dimensões da Igreja e transforma cada uma delas em oportunidade de saída missionária. Essa compreensão é profundamente atual e desafia nossas comunidades a revisarem suas práticas e prioridades. Programas e estruturas só darão frutos se forem animados por uma autêntica visão missionária, capaz de renovar o ardor apostólico e de inspirar todas as expressões da vida eclesial.

     

    4.3 Conversão missionária

    1. O Documento de Aparecida, fruto da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (2007), reafirma com vigor que a Igreja existe para evangelizar. Inspirada pelo Espírito Santo, a assembleia dos bispos propôs uma profunda conversão pastoral, ou seja, uma transformação no modo de pensar, sentir e agir da Igreja, para que toda a sua vida se torne verdadeiramente missionária. Aparecida recorda que não basta conservar estruturas e costumes: é necessário superar a pastoral de mera manutenção e assumir uma pastoral decididamente missionária (DAp 370, 548).
    2. A conversão pastoral consiste em reorientar toda a ação eclesial — suas estruturas, métodos, linguagem e prioridades — à luz do Evangelho e da missão. Trata-se de um processo ao mesmo tempo espiritual e prático: espiritual, porque nasce do encontro pessoal com Cristo; prático, porque exige revisar hábitos, estilos e modelos de organização. Aparecida define essa conversão como um retorno às fontes e um reencontro com o “primeiro amor” (Ap 2,4), para que a Igreja redescubra sua identidade de discípula missionária. “A conversão pastoral exige abandonar as estruturas caducas que já não favorecem a transmissão da fé e formar comunidades de discípulos missionários que vivam em comunhão e participem ativamente da vida eclesial” (DAp 365).
    3. O discipulado missionário é apresentado como o novo modo de ser Igreja. O verdadeiro discípulo é aquele que se deixa evangelizar e, movido pelo Espírito, evangeliza. A conversão pastoral é, portanto, inseparável da conversão discipular: cada cristão é chamado a permitir que Cristo o forme e o envie. “O encontro com Jesus Cristo é o ponto de partida da conversão, da comunhão e da solidariedade” (DAp 243). “A Igreja precisa formar discípulos missionários que, em meio ao mundo, sejam testemunhas alegres do Evangelho” (DAp 278).
    4. Essa conversão não se restringe ao nível pessoal, mas implica também mudanças institucionais e estruturais. Aparecida fala de Igrejas locais em “estado permanente de missão” (DAp 551), nas quais tudo — a liturgia, a catequese, a administração e a pastoral — se organiza em função do anúncio. Isso supõe uma revisão constante das paróquias e comunidades, para que se tornem espaços de acolhida, comunhão e envio (DAp 170, 372). Também requer a participação ativa dos leigos e leigas e a superação de modelos clericalizados, favorecendo uma Igreja mais simples, próxima e centrada no essencial.
    5. A conversão pastoral é inseparável da conversão espiritual. O missionário não anuncia uma ideia, mas uma Pessoa viva: Jesus Cristo. “O missionário não anuncia uma teoria, mas uma Pessoa com quem fez uma profunda experiência de amizade” (DAp 243). Sem oração, sem escuta da Palavra e sem Eucaristia, a pastoral corre o risco de se reduzir a mero ativismo. Por isso, a conversão pastoral começa no coração, na docilidade ao Espírito Santo, que renova e envia.
    6. O Papa Francisco — que participou ativamente de Aparecida — retoma essa inspiração na Evangelii Gaudium (2013), descrevendo a Igreja em saída como fruto dessa conversão. “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal adequado para a evangelização do mundo atual” (EG 27).
    7. A conversão missionária é, assim, um processo contínuo que conduz da autorreferência ao serviço, do fechamento ao encontro, da conservação à renovação. Ela pede escuta, discernimento e coragem para mudar o que for necessário em vista da missão. Uma Igreja convertida pastoralmente é uma Igreja que se deixa conduzir por Cristo e se torna, de modo mais autêntico, uma comunidade de discípulos missionários a serviço da vida e da esperança.

     

    4.4 Os pobres: interlocutores privilegiados da missão

    1. A missão da Igreja possui sempre uma dimensão social. Evangelizar é também comprometer-se com a vida, com a justiça e com a dignidade de cada ser humano, especialmente dos mais pobres e vulneráveis. A preferência pelos pobres não é uma escolha ideológica, mas expressão da fidelidade a Cristo, que se fez pobre por amor e se identificou com os pequenos. Assim, a missão cristã é, ao mesmo tempo, espiritual e transformadora: proclama o Evangelho e testemunha que é possível viver de modo novo, em fraternidade, solidariedade e paz.
    2. Na exortação Dilexi Te, o Papa Leão XIV reafirma uma convicção central: a missão da Igreja nasce do amor de Cristo. Evangelizar não é uma estratégia humana, mas uma resposta ao amor de Deus, que se fez próximo e misericordioso. O Papa recorda que o primeiro movimento missionário é interior: deixar-se alcançar por esse amor. Só quem experimenta a ternura de Cristo pode comunicá-la autenticamente ao mundo.
    3. A missão, portanto, tem uma raiz espiritual profunda — é a extensão da caridade divina na história. Evangelizar é tornar presente o amor de Deus onde ele é esquecido, negado ou ferido. Por isso, a opção pelos pobres é inseparável da missão: é entre eles que o Evangelho se torna mais visível e urgente.
    4. A Igreja é missionária quando assume um estilo de vida simples, servidora e solidária. A opção pelos pobres não é agenda política, mas exigência evangélica. Jesus viveu entre os humildes, tocou os marginalizados e proclamou: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3). Essa opção é chamada de “preferencial”, não “exclusiva”: os pobres têm prioridade porque Deus mesmo os escolheu como destinatários privilegiados de seu amor.
    5. O Papa Leão XIV ensina que essa preferência deve orientar o estilo, as estruturas e as decisões da Igreja: “A missão é autêntica quando reflete o rosto de Cristo, pobre entre os pobres, servo entre os servos” (DT 37). A evangelização, portanto, não pode limitar-se à pregação verbal; deve manifestar-se em compromisso concreto com a vida, a justiça e a dignidade humana. Evangelizar é também transformar realidades injustas, curar feridas e acompanhar os que sofrem.
    6. O cuidado com os pobres é um critério decisivo da autenticidade missionária. Uma Igreja que ignora os necessitados enfraquece seu testemunho, porque se afasta do próprio Cristo. O Papa Leão XIV afirma que o missionário é chamado a “viver o estilo de Jesus”, aproximando-se dos feridos da história e servindo com compaixão. A missão, portanto, não é simples filantropia, mas comunhão: é partilhar a vida e a esperança com os pequenos, reconhecendo neles o rosto do Salvador. “Quem se aproxima dos pobres não leva apenas o Evangelho, mas o reencontra neles” (DT 41).
    7. Essa visão retoma a intuição de Evangelii Nuntiandi e Evangelii Gaudium: evangelização e promoção humana são dimensões inseparáveis do mesmo testemunho. Ser Igreja “em saída” significa aproximar-se das periferias geográficas e existenciais, tocar as feridas da humanidade e transformar a dor em encontro e esperança.
    8. A opção pelos pobres exige sair das zonas de conforto, rever estruturas e práticas pastorais e agir com misericórdia operante. A Igreja é chamada a ser “hospital de campanha” e “casa aberta”, onde todos encontram acolhimento e sentido. Assim vivida, a missão torna-se profecia do Reino: denúncia do pecado que gera exclusão e anúncio da esperança que liberta.
    9. Como afirma o Papa Leão XIV: “A missão sem os pobres é palavra vazia; a opção pelos pobres sem missão é caridade sem horizonte. As duas pertencem uma à outra, como o coração e o sopro” (DT 45).
    10. Missão e opção pelos pobres são, portanto, inseparáveis. A Igreja é verdadeiramente missionária quando assume o serviço, a cruz e a ternura como linguagem do Evangelho. Evangelizar é fazer presente o amor de Deus entre os esquecidos e feridos, construindo comunidades fraternas e solidárias. A opção pelos pobres é o caminho concreto da conversão missionária, o sinal mais visível de uma Igreja que vive o Evangelho e serve com alegria.

     

    1. A missão programática e a organização missionária

     

    1. A programação missionária é feita de organismos, planejamento e atividades concretas. E se refere à realização de atividades específicas, campanhas e projetos evangelizadores. “A missão programática, como o próprio nome indica, consiste na realização de atos de índole missionária” (Papa Francisco, Discurso aos Bispos Responsáveis do Conselho Episcopal Latino-Americano [CELAM], 28 de julho de 2013). Mas essas ações, os organismos que as promovem e os processos que elas implicam, estão todos determinados pelo paradigma missionário. Estão todos iluminados e movidos pelo querigma. Somos convidados, portanto, a uma renovação missionária que não seja mera reorganização, mas fruto do dinamismo do Espírito Santo, para que cada comunidade viva e respire o ardor missionário.

     

    5.1 O querigma: centro vital da missão

    1. O querigma ocupa o coração da missão cristã. Ele é o anúncio essencial que gera vida, desperta a fé e sustenta o caminho do discípulo. É o ponto de partida e, ao mesmo tempo, a fonte permanente que renova a Igreja em sua saída missionária e em seu testemunho no mundo. No querigma se encontra a experiência de sermos amados por Deus, inseridos na comunhão e enviados a transformar a realidade à luz do Evangelho.
    2. Esse anúncio não comunica uma ideia, mas uma Pessoa viva que transforma a existência. “No início do ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (DCE 1). Acolher o querigma é deixar-se tocar pela certeza de que Jesus Cristo nos ama, entregou-se por nós e caminha ao nosso lado. Como recorda o Papa Francisco: “Jesus Cristo te ama, deu sua vida para te salvar e agora está vivo a teu lado cada dia, para te iluminar, para te fortalecer, para te libertar” (EG 164).
    3. Na exortação Christus Vivit, o Papa Francisco insiste que o querigma contém “o mais importante, as coisas primeiras, aquilo que nunca se deveria silenciar” (ChV 111). Ele o resume em três verdades fundamentais: Deus te ama; Cristo te salva; Ele vive e te acompanha. Esse anúncio, sustentado pelo Espírito Santo, renova corações e mantém viva a alegria da fé.

    Modos insuficientes de compreender o querigma

    1. O termo “primeiro anúncio” pode ser mal interpretado. Não se trata de uma etapa inicial que depois é superada pela catequese. É chamado “primeiro” não em sentido cronológico, mas qualitativo — porque é o essencial, aquilo a que sempre devemos retornar e que sustenta toda a formação cristã (EG 164). “Nada há de mais sólido, mais profundo, mais seguro e mais sábio que esse anúncio” (EG 165).
    2. Outro equívoco seria pensar que basta repeti-lo sempre da mesma forma, sem aprofundamento. O querigma não é uma fórmula fixa nem um conteúdo entre outros: é o princípio vital que dá sentido a toda a doutrina e ação da Igreja. Ele se renova continuamente, em novas linguagens e expressões, porque é o amor de Deus que se comunica em cada tempo e cultura (ChV 214).

    Gera transformação pessoal

    1. O querigma deve ser anunciado de modo capaz de tocar o coração e provocar fascínio pela beleza da fé. Palavras, imagens e gestos precisam transmitir o amor de Deus como experiência concreta. O verdadeiro anúncio é aquele que desperta esperança e faz a pessoa sentir-se amada. É o encontro com a ternura de Cristo que atrai e converte mais do que qualquer argumentação. “Toda a formação cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne” (EG 165).

    A forma e o conteúdo caminham juntos

    1. A maneira de anunciar é tão importante quanto o conteúdo. O querigma não pode ser transmitido de modo frio ou distante, mas com alegria, proximidade e misericórdia. Ele é comunicação viva, que passa por gestos, olhares e atitudes que refletem o amor de Deus. “A centralidade do querigma requer certas características do anúncio… que exprima o amor salvífico de Deus como prévio à obrigação moral e religiosa… pautado pela alegria, pela paciência e pelo acolhimento cordial que não condena” (EG 165).

    O querigma e a conversão pastoral

    1. Uma Igreja centrada no primeiro anúncio torna-se acolhedora, fraterna e próxima. A missão deixa de ser mera manutenção de estruturas para ser presença de amor e esperança no cotidiano. “O querigma deve ocupar o centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial” (EG 164). Quando ele é vivido, as estruturas se revitalizam e a pastoral se torna fecunda.
    2. Paróquias e comunidades renovadas pelo querigma são espaços de encontro, fé e alegria. Ele deve atravessar toda a vida da Igreja — a catequese, a liturgia, a caridade, a pastoral social, a vida familiar e comunitária. Ser missionário querigmático é testemunhar com palavras e gestos a beleza desse amor que transforma.

    Dimensão social do querigma

    1. O querigma tem também um alcance profético e social. Ele revela um modo novo de viver, baseado na fraternidade e no respeito à dignidade de cada pessoa. “O querigma possui um conteúdo inevitavelmente social: no próprio coração do Evangelho aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros” (EG 177).
    2. Reconhecer que Deus ama cada ser humano leva ao compromisso com a justiça, a solidariedade e o cuidado da criação. “Confessar um Pai que ama infinitamente cada pessoa implica reconhecer sua dignidade infinita… Sua redenção tem um sentido social porque Deus, em Cristo, redime também as relações entre os homens” (EG 178). Assim, o anúncio de Cristo renova não só os corações, mas também as estruturas sociais, promovendo paz e comunhão.

     

    5.2 A organização missionária: Pontifícias Obras Missionárias (POM)

    1. As Pontifícias Obras Missionárias (POM) são organismos oficiais da Igreja Católica, ligados ao Dicastério para a Evangelização, cuja finalidade é animar, formar e coordenar a cooperação missionária em escala mundial. Elas expressam concretamente o compromisso universal da Igreja com o mandato de Cristo: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Por sua natureza, as POM têm caráter pontifício, pois estão sob o cuidado direto do Papa, e universal, porque servem a todas as Igrejas particulares.

    Estrutura e finalidade

    1. As POM constituem uma rede internacional presente em quase todos os países, orientada pelo Papa e pelo Dicastério para a Evangelização. Sua missão é fortalecer o espírito missionário entre os fiéis, promover a oração e a solidariedade, e sustentar as Igrejas mais jovens e em situação de missão. No Brasil, estão integradas à Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), em comunhão com as demais Obras Missionárias do mundo, tornando visível a unidade da Igreja universal em sua vocação missionária.

    As quatro Obras Missionárias

    1. A Pontifícia Obra da Propagação da Fé, fundada na França, em 1822, por Paulina Jaricot, nasceu para apoiar espiritualmente e materialmente as missões. Seu objetivo é promover a cooperação missionária, unindo os fiéis do mundo inteiro em oração, partilha e compromisso. Dela surgiu a Juventude Missionária, que forma jovens evangelizadores e os ajuda a viver sua fé com abertura à missão universal.
    2. A Pontifícia Obra de São Pedro Apóstolo, criada em 1889 por Jeanne Bigard e sua mãe, dedica-se à formação de seminaristas, sacerdotes e religiosos nas Igrejas mais recentes. Visa garantir o crescimento das comunidades locais e formar pastores segundo o coração de Cristo, capazes de servir com zelo e proximidade.
    3. A Pontifícia Obra da Infância e Adolescência Missionária, fundada em 1843 por Dom Carlos Forbin-Janson, propõe às crianças e adolescentes “ajudar outras crianças” pela oração e pela solidariedade. Essa Obra educa para a consciência missionária desde a infância, despertando o senso de comunhão e a alegria de evangelizar.
    4. A Pontifícia União Missionária, criada em 1916 pelo bem-aventurado Paolo Manna, missionário do PIME, é considerada a alma das demais Obras. Sua meta é formar e animar missionariamente agentes pastorais — sacerdotes, religiosos e leigos —, para que cada comunidade viva em estado permanente de missão.

    Dimensões espirituais e pastorais

    1. A espiritualidade das POM se apoia em três pilares inseparáveis: oração, caridade e formação. A oração une os fiéis em comunhão missionária; a caridade se concretiza na partilha solidária; e a formação desperta uma consciência missionária madura. Esses elementos traduzem o rosto de uma Igreja que evangeliza pela comunhão e pela doação.

    As POM e a ação missionária da Igreja

    1. As Pontifícias Obras Missionárias são presença viva da Igreja universal nas Igrejas locais. Elas ajudam a despertar e a sustentar a consciência missionária dos fiéis, incentivando a oração, a partilha e a formação de novos evangelizadores. Nas paróquias e dioceses, colaboram com os Conselhos Missionários e outras instâncias eclesiais, oferecendo instrumentos e caminhos de cooperação que unem o local e o universal.
    2. Assim, as POM não são apenas organismos administrativos, mas expressão da própria Igreja em saída: uma Igreja que reza, partilha e serve com alegria. Elas recordam que evangelizar é a identidade mais profunda da comunidade cristã e que cada batizado é chamado a participar ativamente da missão de Cristo.

     

    5.3 Os Conselhos Missionários

    1. Os Conselhos Missionários são organismos eclesiais instituídos para impulsionar, articular e animar a missão em todos os níveis da vida da Igreja. Inspiram-se no princípio conciliar de que “a Igreja é, por sua natureza, missionária” (AG 2), e têm como propósito fazer com que essa dimensão perpasse toda a estrutura pastoral e todas as expressões da vida comunitária. Não representam uma nova pastoral, mas são instrumentos de conversão e reorganização missionária, favorecendo que cada Igreja local viva em permanente estado de missão.

    Identidade e objetivos

    1. A missão dos Conselhos Missionários é garantir unidade, coerência e eficácia nas ações de animação e cooperação missionária. Segundo a Instrução Cooperatio Missionalis, da Congregação para a Evangelização dos Povos (n. 12), esses Conselhos coordenam atividades missionárias, promovem a comunhão entre organismos eclesiais e formam o Povo de Deus para a missão universal.
    2. São também espaços sinodais, nos quais leigos, religiosos e ministros ordenados discernem juntos os caminhos da evangelização. A missão é, assim, compreendida como coração da vida cristã. Como afirma o Papa Francisco: “A missão não é uma tarefa entre outras, mas o coração da vida cristã; cada batizado é uma missão neste mundo” (EG 273).

    Estrutura e níveis de articulação

    1. A Igreja no Brasil, seguindo as orientações da CNBB, organiza a animação missionária através de uma rede articulada de Conselhos Missionários interligados, que atuam de modo integrado em diferentes níveis eclesiais:
      • COMIPA – Conselho Missionário Paroquial: atua nas paróquias e comunidades, despertando a consciência missionária e articulando pastorais, serviços e movimentos. Promove formações, campanhas e ações concretas de evangelização e solidariedade.
      • COMIDI – Conselho Missionário Diocesano: dinamiza a animação missionária em toda a diocese, em sintonia com o bispo e com as paróquias, assegurando que o impulso missionário permeie o plano pastoral e a vida das comunidades.
      • COMIRE – Conselho Missionário Regional: reúne e articula as dioceses de um mesmo regional da CNBB, promovendo comunhão, partilha de experiências e cooperação entre as Igrejas locais.
      • COMINA – Conselho Missionário Nacional: é o organismo de coordenação e animação missionária em âmbito nacional. Compõe-se de representantes da CNBB, das Pontifícias Obras Missionárias (POM), da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e de outros organismos. O COMINA planeja, executa e avalia as principais iniciativas missionárias do país, garantindo a unidade com a missão universal da Igreja.
      • COMISE – Conselho Missionário de Seminaristas: presente em numerosos seminários, tem a tarefa de formar futuros presbíteros com espírito missionário, despertando neles a consciência de que todo ministério pastoral é, por essência, missionário.

    Missão e tarefas dos Conselhos

    1. Cada Conselho Missionário é chamado a animar espiritualmente as comunidades, promover a formação missionária, articular a cooperação entre diferentes forças eclesiais, planejar e avaliar ações evangelizadoras e incentivar a Campanha Missionária de outubro — momento privilegiado de oração, compromisso e partilha solidária.
    2. Esses Conselhos também promovem o projeto Igrejas-irmãs e o envio missionário ad gentes, sendo, portanto, o coração articulador da vida missionária da Igreja local. Sua presença assegura que a missão seja parte orgânica e permanente da pastoral, e não uma atividade isolada ou eventual.

    Mística e horizonte missionário

    1. A espiritualidade dos Conselhos Missionários brota da comunhão trinitária e da universalidade do Evangelho. Ser missionário é sair de si mesmo, vencer o fechamento e o comodismo, e ir ao encontro do outro, especialmente dos pobres e afastados. O Documento de Aparecida recorda: “A missão é uma saída que não tem fronteiras e que não se contenta com pouco” (DAp 376).
    2. O horizonte dos Conselhos é fazer da missão o eixo de toda a vida eclesial, transformando mentalidades e estruturas para que cada comunidade seja verdadeiramente uma Igreja em saída — missionária, alegre e comprometida com a vida.

    Importância pastoral dos Conselhos Missionários

    1. Os Conselhos Missionários são fundamentais para que a missão não se restrinja a grupos específicos, mas envolva todo o Povo de Deus. Eles fortalecem a comunhão entre paróquias, dioceses, regionais e a Igreja nacional, favorecendo a conversão pastoral e o reencontro com a vocação missionária universal.
    2. A presença ativa desses Conselhos é sinal de uma Igreja viva e participativa. Neles, a sinodalidade se traduz em corresponsabilidade, e a comunhão se manifesta na cooperação missionária. São expressão concreta da Igreja sonhada pelo Papa Francisco: uma Igreja em movimento, próxima das pessoas, que escuta, serve e anuncia com alegria.

     

    5.4 O Conselho Pastoral, o Conselho de Assuntos Econômicos e as Assembleias Pastorais

    1. Esses organismos embora não sejam geralmente apresentados formalmente como sendo missionários, na verdade precisam ser profundamente missionários.
    2. O Conselho de Assuntos Econômicos é um organismo obrigatório em todas as Dioceses e Paróquias (cân. 492 e 537). Do ponto de vista da sinodalidade, ele é sinal e instrumento de transparência e permite a participação dos fiéis leigos e leigas de modo estrutural e em assuntos de grande importância para a vida da comunidade. É preciso que os membros desse Conselho tenham profunda sensibilidade missionária e senso de Igreja para que a administração dos bens e recursos da comunidade estejam claramente a serviço da missão.
    3. O Conselho Pastoral Diocesano e Paroquial (511 e 536), obrigatórios em todas as Paróquias por força de nossa legislação particular, enquanto congrega representantes das forças vivas da Igreja, precisa ser imbuído de clara mentalidade missionária. Isso favorece a compreensão da natureza missionária de todas as ações eclesiais e oferece a perspectiva fundamental da pastoral de conjunto.
    4. Em nossa organização arquidiocesana, além do COMIDI e COMIPAs, temos os COMIVIa (Vicariatos) para a nossa organização fluir melhor.
    5. As Assembleias Pastorais são ocasiões privilegiadas de formação e aprofundamento da consciência missionária, favorecem muito a participação de todos os fiéis na missão da Igreja e a comunhão de todos os organismos pastorais.

     

    5.5 Todos somos missionários

    1. Todo o Povo de Deus é sujeito da missão, porque a Igreja inteira é missionária por sua própria natureza. Não apenas alguns, mas cada batizado é chamado a ser discípulo missionário. Esta é a convicção central reafirmada pela Conferência de Aparecida e pela exortação Evangelii Gaudium, do Papa Francisco: a missão não é um encargo para poucos, mas a identidade de todos os cristãos.
    2. Cada membro da Igreja é chamado a compreender e a viver profundamente essa consciência missionária, assumindo, com alegria e responsabilidade, a missão confiada por Cristo à Igreja. A Instrução Cooperatio Missionalis (1988), da Congregação para a Evangelização dos Povos, recorda que a vocação missionária se expressa de múltiplas formas: na oração, na colaboração material e econômica, e no empenho pessoal no anúncio do Evangelho.
    3. Mas a missão também se concretiza no testemunho cotidiano, na partilha fraterna e na vida comunitária. Não existem cristãos sem missão. A missão não é tarefa para especialistas, mas dimensão constitutiva da fé. Quem realmente encontrou Cristo não pode guardar para si essa alegria: torna-se, de modo espontâneo, um discípulo missionário.

    A pregação informal: a missão de cada dia

    1. O Papa Francisco ensina que, no contexto da renovação missionária da Igreja, há uma forma de pregação que cabe a todos, como tarefa diária: a pregação informal. É o anúncio simples e fraterno, que acontece nos encontros da vida cotidiana — em casa, no trabalho, na rua, nas conversas com amigos ou desconhecidos. “Ser discípulo significa ter a disposição permanente de levar aos outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho” (EG 127).
    2. Essa pregação, diz o Papa, é verdadeira evangelização e deve ser sempre respeitosa, serena e motivada pelo amor. Ele indica alguns passos concretos (EG 128):
      • Iniciar com a aproximação pessoal e o diálogo — demonstrando interesse sincero pela vida e pelas alegrias ou sofrimentos do outro, criando um clima de confiança e escuta.
      • Apresentar a Palavra de Deus — quando for oportuno, partilhar um versículo, uma citação ou uma recordação da Palavra que ilumine a situação concreta.
      • Evitar disputas ou polêmicas — o anúncio não é discussão de ideias, mas testemunho do amor pessoal de Deus, que em Jesus se fez homem, entregou-se por nós e nos oferece sua amizade e salvação.
      • Anunciar com criatividade e docilidade ao Espírito — o querigma pode ser comunicado por meio de palavras, gestos, testemunhos, histórias ou atitudes inspiradas pelo Espírito Santo em cada situação.
      • Concluir com oração, quando possível — pedindo junto com a pessoa a presença de Deus em sua vida, para que se sinta acolhida e amada pelo Senhor. “Assim ela reconhecerá que sua situação foi colocada nas mãos de Deus, e que a Palavra de Deus fala realmente à sua própria vida.”
    3. A evangelização cotidiana é simples, mas profundamente eficaz, pois nasce da proximidade, do cuidado e da escuta. Cada cristão é portador de uma Palavra que transforma — não pela eloquência, mas pela autenticidade do amor.

    A missão como testemunho

    1. O anúncio explícito de Cristo não é apenas verbal, mas se expressa sobretudo no testemunho coerente de vida. O missionário evangeliza quando vive com alegria, partilha o que tem, acolhe quem sofre e transmite esperança. A fé comunicada com gestos simples é sinal visível da presença de Deus no mundo.
    2. Ser missionário, portanto, é viver a fé de modo encarnado, no cotidiano das relações humanas. A missão se torna real quando transforma atitudes, renova ambientes e desperta corações. Cada gesto de caridade, cada palavra de consolo, cada ato de perdão é um ato missionário.

    A Igreja toda em saída

    1. A missão de todos os batizados é um chamado à corresponsabilidade e à comunhão. A Igreja é “povo de Deus em saída”, que não se fecha em si, mas vai ao encontro das pessoas, nas periferias geográficas e existenciais. Todos — pastores, leigos, consagrados, jovens e idosos — têm parte nesse dinamismo missionário que brota do Espírito.
    2. Assim, o cristão é chamado a ser missionário onde quer que esteja: em sua família, em seu trabalho, na comunidade, na vida social e nos ambientes digitais. É portador da esperança que vem do Evangelho e testemunha do amor de Cristo que salva e liberta.

     

    5.6 Abertura à cultura atual e uso dos meios de comunicação e redes sociais

    1. A missão da Igreja supõe diálogo com o mundo contemporâneo, abertura às novas linguagens e atenção às realidades culturais, urbanas e juvenis. Evangelizar hoje significa saber habitar os diversos ambientes onde as pessoas vivem, comunicam e buscam sentido. Isso exige sensibilidade pastoral, capacidade de escuta e disposição para sair de zonas de conforto. O missionário deve compreender os dinamismos sociais e culturais do tempo presente, acolher suas possibilidades e discernir seus limites, sem jamais impor pontos de vista pessoais, mas sempre agindo em comunhão com a Igreja.
    2. A evangelização, portanto, se faz também pela presença comunicativa da Igreja nos meios modernos. Utilizar e promover os canais oficiais de comunicação — da Santa Sé, da CNBB e da Arquidiocese — é um modo concreto de viver a comunhão e de tornar a missão visível e eficaz. Entre esses instrumentos, destacam-se a Rádio Catedral, o Testemunho de Fé, o folheto litúrgico “A Missa”, a WebTV Redentor, além das redes sociais, sites e canais de cada vicariato, paróquia ou comunidade.
    3. As redes sociais não são apenas ferramentas de comunicação, mas verdadeiros ambientes de vida e de encontro, onde se expressam emoções, opiniões e buscas espirituais. O Dicastério para a Comunicação, em seu documento “Rumo à Plena Presença” (2023), afirma que as redes “já não são apenas instrumentos, mas espaços nos quais as pessoas comunicam sua vida, partilham afetos e procuram sentido” (n. 2).
    4. Desde o Concílio Vaticano II, a Igreja reconhece a importância pastoral dos meios de comunicação. O decreto Inter Mirifica (1963) já afirmava: “A Igreja tem o direito próprio de usar os meios de comunicação social para a pregação do Evangelho” (n. 3). Posteriormente, documentos como Communio et Progressio (1971) e Aetatis Novae (1992) aprofundaram essa visão, sublinhando que os meios de comunicação fazem parte integrante da ação evangelizadora e pastoral.
    5. O Papa Francisco retoma essa perspectiva, observando que “a internet e as redes sociais proporcionam uma oportunidade extraordinária de diálogo, encontro e intercâmbio entre as pessoas, assim como de acesso à informação e ao conhecimento” (Christus Vivit, 87). O documento Towards Full Presence propõe o bom samaritano como modelo de presença digital: ser “próximo” também no ambiente virtual, acolhendo quem sofre e promovendo relações humanas autênticas (n. 31).

    Critérios para uma presença missionária nas redes

    1. O mesmo documento, juntamente com as mensagens do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, oferece critérios pastorais para uma presença cristã autêntica no mundo digital:
    2. Fazer um exame de consciência digital, perguntando-se se o uso das redes promove a verdade, a comunhão e o serviço ao próximo.
    3. Buscar uma “presença plena”, que vá além da simples busca por curtidas e seguidores, e construa relações significativas, baseadas na escuta e na partilha sincera.
    4. Evitar a superficialidade e a desinformação, cultivando o discernimento, o pensamento crítico e a profundidade espiritual.
    5. Usar as redes como espaços de evangelização, diálogo e comunhão, evitando que se tornem arenas de conflito, polarização e agressividade.
    6. Promover o bem comum e a dignidade humana, combatendo o ódio, a manipulação e as falsas narrativas.
    7. Equilibrar presença digital e vida real, reservando tempo para o silêncio, a oração e o encontro pessoal.
    8. Integrar a evangelização digital à pastoral ordinária, de modo que o ambiente online complemente, e não substitua, a presença comunitária e sacramental da Igreja.
    9. O Papa Francisco afirma que “a rede pode ser um espaço de encontro, se for usada com sabedoria e caridade”, e que “a missão digital requer discípulos capazes de comunicar esperança” (Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2019).
    10. Mais recentemente, o Papa Leão XIV, ao dirigir-se aos chamados “missionários digitais” (29 de julho de 2025), encorajou: “Vocês estão aqui para renovar o compromisso de alimentar a esperança cristã nas redes sociais e nos espaços online.”

    O continente digital: um novo areópago

    1. As redes sociais, quando utilizadas com discernimento e fidelidade ao Evangelho, tornam-se novo areópago da evangelização, um espaço onde o amor, a verdade e a esperança de Cristo podem ser anunciados e testemunhados. A presença missionária no mundo digital é um prolongamento natural do mandato de Jesus: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).
    2. Evangelizar nesse “continente digital” é proclamar a Boa-Nova com criatividade e ternura, levando a mensagem de Cristo às fronteiras da cultura contemporânea. É um convite para que a Igreja seja presença viva, dialogante e próxima, também nas redes, revelando nelas o rosto misericordioso de Deus que continua a se comunicar com a humanidade. Nesse âmbito atingimos pessoas que muitas vezes não encontramos em nossas assembleias ou grupos, mas que acessam as mídias digitais.

     

    1. Desafios Permanentes e Contextuais da Missão
    2. A missão é a expressão mais profunda da vida da Igreja e do discípulo de Cristo. Ela nasce do envio do Pai, é realizada pelo Filho e sustentada pelo Espírito Santo. Ao longo da história, a Igreja foi chamada a anunciar o Evangelho com fidelidade e criatividade, respondendo aos sinais dos tempos e às transformações culturais, sociais e espirituais. Hoje, mais do que nunca, somos desafiados a manter viva a essência missionária, ao mesmo tempo em que assumimos novos contextos e desafios. É preciso estarmos atentos aos desafios permanentes – que sempre acompanham a missão – como também aos desafios contextuais – que emergem das realidades do nosso tempo.
    3. Os desafios permanentes recordam o núcleo essencial da missão. Os desafios contextuais pedem criatividade pastoral e coragem para evangelizar nas novas fronteiras do mundo contemporâneo. Ser missionário hoje é unir fidelidade e adaptação, tradição e novidade, raiz e caminho, com o coração ardente de quem, nas palavras do Papa Francisco, vive “a paixão por Jesus e a paixão pelo seu povo” (EG 268).

     

    6.1 Desafios Permanentes da Missão

    1. Os desafios permanentes da missão decorrem da própria essência do Evangelho e do chamado de cada batizado a viver em comunhão com Cristo e com a Igreja. Eles nascem da necessidade de anunciar a Boa-Nova com autenticidade, formar comunidades fraternas e testemunhar a fé com coerência e alegria.

    Anunciar o Evangelho com fidelidade

    1. O primeiro e mais fundamental desafio é a fidelidade ao Evangelho. A missão da Igreja tem sua origem no mandato de Cristo: “Ide por todo o mundo e proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Esse envio requer tanto fidelidade à Palavra como sensibilidade pastoral diante das realidades humanas. São Paulo VI recorda que “a evangelização é graça e vocação própria da Igreja, sua identidade mais profunda” (EN 14). Assim, cada agente missionário é chamado a cultivar sólida formação bíblica e espiritual, para anunciar não apenas ideias, mas a pessoa viva de Jesus Cristo.

    Docilidade ao Espírito Santo e conversão contínua

    1. A missão só é verdadeira quando nasce da ação do Espírito Santo. Ele é o protagonista da evangelização, o que impulsiona o anúncio e transforma os corações. O missionário deve, portanto, viver em atitude constante de conversão, oração e escuta interior, deixando que o Espírito atue através de sua vida. Evangelizar é um ato de confiança e entrega: é permitir que Deus fale e aja por meio de nós.

    Testemunho coerente de vida

    1. O testemunho pessoal é a linguagem mais convincente da fé. São Paulo VI ensinava: “O homem contemporâneo escuta mais as testemunhas do que os mestres; e se escuta os mestres, é porque são testemunhas” (EN 41). A coerência entre palavra e vida torna o anúncio crível e fecundo. Uma comunidade que vive o Evangelho de modo simples e fiel se torna sinal visível do Reino, despertando no mundo a sede de Deus.

    Diálogo e inculturação

    1. Evangelizar é também dialogar com as culturas, valorizando nelas o que há de bom e verdadeiro. A inculturação permite que a fé se expresse nas diversas realidades humanas, sem impor modelos alheios, mas assumindo os símbolos e linguagens de cada povo. Como ensinaram Leão XIII e São João Paulo II, a fé não destrói a cultura, mas a purifica e eleva. O desafio está em anunciar com respeito, sem perder a identidade evangélica.

    Envio e corresponsabilidade de todos os batizados

    1. O Concílio Vaticano II afirma que “a Igreja é missionária por sua própria natureza” (Ad Gentes, 2). A missão não é tarefa de alguns, mas vocação de todo o Povo de Deus. Cada batizado é chamado a ser discípulo missionário, levando o Evangelho aos diversos ambientes da vida — na família, no trabalho, na cultura e na sociedade.

    Relação entre anúncio e serviço

    1. A evangelização não se limita à proclamação da fé; ela se concretiza também no serviço à vida. Anunciar o Reino é servir com amor, promover a dignidade humana e cuidar dos mais pobres. O Papa Bento XVI recorda que “a caridade é o coração da missão da Igreja” (DCE 25). Palavra e serviço, fé e justiça, contemplação e ação caminham juntos como expressões inseparáveis do mesmo Evangelho.

    Formação integral dos missionários

    1. A missão requer evangelizadores maduros na fé e preparados para os desafios do mundo atual. O Documento de Aparecida ensina que “ninguém nasce discípulo missionário; faz-se discípulo no encontro com Jesus Cristo” (DAp 278). A formação missionária, portanto, deve ser integral — espiritual, bíblica, teológica, pastoral e humana —, de modo que o agente evangelize com sabedoria, humildade e alegria. É preciso formar cristãos capazes de unir oração e compromisso, contemplação e ação, fé e razão.

    Ação pastoral articulada e comunhão eclesial

    1. A missão pertence a toda a Igreja. As diversas pastorais, movimentos e serviços são expressões de um único corpo, que deve atuar em comunhão e corresponsabilidade. A pastoral missionária exige diálogo constante e coordenação, evitando dispersão e sobreposição de esforços. O Papa Francisco adverte que “a pastoral em chave missionária exige o abandono do cômodo critério pastoral do ‘sempre se fez assim’” (EG 33). Quando as forças eclesiais se unem em torno da missão, a Igreja manifesta sua verdadeira fisionomia sinodal: um corpo vivo, diverso e harmonioso, movido pelo Espírito e a serviço do Reino de Deus.

     

    7.2 Desafios Contextuais da Missão

    1. A missão da Igreja acontece em contextos concretos, marcados por rápidas transformações culturais, sociais e espirituais. Ser missionário hoje implica discernir os sinais do tempo, acolher os novos desafios e responder a eles com fidelidade e criatividade evangélica.

    Secularização, indiferença religiosa e relativismo

    1. Vivemos em uma sociedade que tende a relegar a fé ao âmbito privado e a considerar todas as crenças equivalentes. O Papa Bento XVI denominou essa situação de “ditadura do relativismo”, na qual se perde o sentido da verdade e o horizonte transcendente da existência. Época de secularização, dessacralização, descristianização! A missão, nesse contexto, deve mostrar que a fé cristã não é um retrocesso, mas um caminho de liberdade e plenitude. É preciso anunciar o Evangelho como fonte de sentido, beleza e esperança para o ser humano contemporâneo.

    Globalização, migração e diversidade cultural

    1. O fenômeno da globalização aproxima os povos, mas também tende a uniformizar culturas e enfraquecer identidades locais. As migrações massivas criam novos encontros entre tradições, línguas e religiões. O missionário é chamado a viver a fraternidade universal e o respeito à diversidade, aprendendo novas linguagens e promovendo o diálogo intercultural. A missão torna-se, assim, um espaço de encontro entre povos e expressões de fé, onde o Evangelho se traduz em acolhida, solidariedade e convivência pacífica.

    Cultura digital e ambiente virtual

    1. O espaço digital constitui hoje um novo continente missionário. O Papa Francisco insiste na necessidade de uma “presença evangelizadora na rede”, que vá além da simples comunicação de conteúdos e se torne verdadeira experiência de encontro. O desafio é testemunhar o Evangelho no ambiente marcado pela velocidade, superficialidade e polarização, sem perder a profundidade espiritual. A evangelização digital deve ser relacional, próxima e esperançosa, capaz de transmitir o amor de Deus em linguagem compreensível às novas gerações.

    Crise ecológica e cuidado da criação

    1. Estamos há poucos meses da COP 30 que ocorreu aqui no Brasil. O cuidado com a casa comum tornou-se parte inseparável da missão da Igreja. A encíclica Laudato Si’ recorda que “tudo está interligado” e que o amor ao Criador se manifesta também na responsabilidade com a criação. Evangelizar, hoje, inclui promover uma ecologia integral, onde fé, justiça e meio ambiente se entrelaçam. Ser missionário é também testemunhar o respeito à vida em todas as suas formas e trabalhar por uma cultura de sustentabilidade e solidariedade planetária.

    Transformações no sentido de comunidade e pertença

    1. O individualismo e o ritmo acelerado da vida moderna enfraqueceram os laços comunitários. Muitos vivem a fé de modo isolado, sem experimentar a pertença eclesial. A missão precisa recriar espaços de comunhão, onde as pessoas possam sentir-se acolhidas, acompanhadas e chamadas pelo nome. As pequenas comunidades eclesiais e as pastorais participativas são expressões concretas dessa necessidade, ajudando os fiéis a redescobrir a beleza de caminhar juntos.

    Desigualdade social, pobreza e exclusão

    1. A missão é inseparável da justiça social. A globalização econômica acentuou as desigualdades e gerou novas formas de exclusão. Evangelizar, portanto, é também denunciar as injustiças e trabalhar pela dignidade de cada pessoa. São Paulo VI já afirmava que “entre evangelização e promoção humana existem laços profundos” (EN 31). O missionário deve unir anúncio e solidariedade, fé e compromisso, tornando o Evangelho presença concreta de libertação e esperança.

    Condomínios e espaços urbanos de acesso restrito

    1. Nas cidades, cresce o número de condomínios e loteamentos fechados, onde o acesso à presença pastoral é limitado. Esses lugares se tornaram fronteiras missionárias inéditas. A Igreja é chamada a buscar novos caminhos de proximidade — seja pelo testemunho silencioso, pelas relações pessoais, pela evangelização digital ou por gestos de vizinhança e solidariedade. O Papa Francisco recorda que “a missão não conhece fronteiras” (EG 20); por isso, é preciso criatividade pastoral para alcançar também os “condomínios fechados” do coração humano.

    Áreas marcadas pela violência e pelo tráfico

    1. Em muitas regiões urbanas, a evangelização enfrenta barreiras impostas pela violência e pela criminalidade. Nesses últimos acontecimentos que marcaram nossa cidade, a igreja se fez presente, não só com declarações, mas com presença e consolação. A presença missionária nesses contextos exige prudência, coragem e discernimento. A Igreja se faz presente com gestos simples de solidariedade, educação e cuidado com a vida, mesmo quando a ação pastoral visível não é possível. “Nenhuma periferia é distante demais”, afirma o Papa Francisco (EG 197). O testemunho silencioso de quem leva a paz e o consolo de Cristo é uma das expressões mais autênticas da missão.

    Sustentabilidade missionária e cooperação eclesial

    1. A continuidade da ação missionária requer planejamento, corresponsabilidade e comunhão entre as Igrejas. É fundamental formar lideranças locais, valorizar o protagonismo das comunidades e promover a autossustentação das iniciativas evangelizadoras. A missão é mais fecunda quando nasce da partilha e da cooperação entre dioceses, paróquias e organismos missionários.

    Cansaço pastoral e renovação das lideranças

    1. Em muitas comunidades, os agentes de pastoral vivem sobrecarregados, e a falta de renovação ameaça a vitalidade missionária. O Papa Francisco alerta: “Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização” (EG 83). É necessário cuidar dos evangelizadores, oferecer-lhes formação espiritual, tempo de descanso e espaços de comunhão. A missão floresce quando há novas vocações e quando cada geração é chamada a oferecer seu dom. Como lembra o Documento de Aparecida, “ninguém deve sentir-se dispensado da missão, mas todos devem ser sustentados nela” (DAp 174).

    Polarização e desinformação

    1. O uso irresponsável das redes sociais tem alimentado divisões dentro da própria Igreja. Opiniões parciais e informações distorcidas geram desconfiança e enfraquecem a comunhão. O Papa Francisco ensina que “a unidade é superior ao conflito” (EG 228). Evangelizar é também construir pontes, promover o diálogo e cultivar o discernimento sereno. O missionário deve ser promotor da comunhão, da verdade e da caridade que reconcilia.

    Fidelidade e comunhão com o Magistério

    1. A autenticidade da missão floresce na comunhão e na obediência eclesial. Em tempos marcados por múltiplas vozes e interpretações, é essencial permanecer enraizado no Magistério da Igreja. A comunhão com o Papa e com os bispos não é mera formalidade institucional, mas expressão de fé e garantia da unidade na verdade. O Documento de Aparecida ensina que “a comunhão com o bispo e entre os bispos é garantia da autenticidade da missão” (DAp 178). Ser missionário é, portanto, caminhar em sintonia com os pastores e viver a evangelização como serviço à unidade do Corpo de Cristo.

     

    1. Características fundamentais da Missão – O que a configura? Quem são os interlocutores? Quais os seus âmbitos?
    2. Na linguagem cotidiana, “missão” costuma designar uma tarefa confiada a alguém. No âmbito religioso, muitas vezes se pensa em evangelização em terras longínquas ou em ações de visitação e anúncio querigmático. Contudo, o alcance do termo é bem maior: ele exprime a própria identidade da Igreja, enviada ao mundo para partilhar a fé em Jesus Cristo como salvação oferecida a todos. Ao mesmo tempo, aponta para a vocação de cada batizado: “Cada um de nós é uma missão no mundo, porque fruto do amor de Deus” (Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial das Missões de 2019).
    3. A Igreja existe para evangelizar. Por isso, a missão não é um setor entre outros, nem um simples programa ou elenco de atividades; é o eixo que dá forma a toda a vida e ação eclesial. A saída missionária, rumo aos que carecem da experiência viva da amizade com Jesus Cristo, torna-se o critério que inspira cada iniciativa pastoral. Evangelizar não é opcional: é a razão de ser da comunidade cristã, chamada a anunciar Jesus e a testemunhar seu amor “até os confins da terra”.
    4. O Novo Testamento o afirma de modo transparente: “Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus. Então, os discípulos foram anunciar por toda a parte. O Senhor cooperava, confirmando a palavra pelos sinais que a acompanhavam” (Mc 16,19-20). “Jesus aproximou-se deles e disse: ‘Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos mandei. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos’” (Mt 28,18-20). “Vós sois as testemunhas destas coisas. Eu enviarei sobre vós o que meu Pai prometeu” (Lc 24,48-49). “Recebereis a força do Espírito Santo que virá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, até aos confins da terra” (At 1,8).
    5. Vê-se, portanto, que a palavra “missão” possui conteúdo amplo e profundo. Nesta reflexão, consideraremos alguns eixos estruturantes — encontro com Cristo, vida fraterna, anúncio e testemunho — e, em sintonia com o Magistério, indicaremos os âmbitos nos quais ela se realiza também entre nós, em nossa Arquidiocese.

     

    7.1 Aspectos fundamentais da missão

     

    7.1.1 Encontro com Jesus Cristo

    1. Toda missão brota de um encontro. Antes de qualquer tarefa, ela é resposta amorosa ao amor primeiro de Deus. O encontro com Jesus vivo transforma o coração e acende o desejo de anunciá-Lo. Como os discípulos de Emaús, reconhecemos o Senhor “ao partir o pão” e sentimos o coração arder quando Ele nos fala pelo caminho (Lc 24,32).
    2. A missão começa quando esse encontro se torna experiência pessoal e eclesial. É o Espírito Santo quem nos faz descobrir, em Jesus, o rosto misericordioso do Pai; Ele recorda o Evangelho, instrui os discípulos e faz Cristo habitar em nós (Jo 14,26; Ef 3,17). Assim, todo missionário nasce do Espírito e caminha sustentado por Ele.
    3. O Papa Francisco, citando Bento XVI (DCE 1), reafirma que “no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte” (EG 7). Quando o amor de Cristo toca a existência, surge o impulso de comunicá-Lo. O autêntico missionário é aquele que não consegue guardar para si a alegria do encontro e sente no íntimo o ardor de partilhar o dom recebido.
    4. Evangelizar, portanto, é deixar transbordar a experiência feita com o Senhor. A missão não se confunde com propaganda ou imposição; é o testemunho de quem encontrou o sentido da vida e deseja que outros o encontrem. Por isso, cada discípulo missionário é chamado a renovar sem cessar essa experiência, nutrindo a amizade com Jesus na oração, na escuta da Palavra e na Eucaristia, para que o anúncio brote do coração e se traduza em gestos concretos de amor.
    5. Nas Assembleias do Sínodo Arquidiocesano, expressou-se a convicção de que são ocasiões especiais para se oferecer a oportunidade de todos viverem a experiência de encontro e amizade com Cristo: as liturgias bem celebradas, segundo as normas litúrgicas; as manifestações públicas da fé e da devoção (procissões, terços, via-sacra nas ruas, praças, casas etc.); as visitações missionárias e missões populares; mídias digitais; retiros e encontros espirituais com características querigmáticas (de anúncio de Jesus Cristo).
    6. Constata-se que os membros que participam da vida da Igreja buscam viver a experiência do encontro com Cristo e procuram aprofundar continuamente o relacionamento com ele, principalmente por meio da liturgia, dos sacramentos, dos momentos de oração, adoração, obras de caridade e demais atividades pastorais. Essa experiência de encontro com Cristo deve ser contínua e precisa caminhar em direção ao amadurecimento e à frutificação da fé.

     

    Indicações sinodais

    1. Formação litúrgica dos ministros ordenados, ministros leigos e do povo em geral (por meio de pregações, cursos e retiros). Isso seja feito por meio de uma formação permanente;
    2. Formação bíblico-catequética para que o conhecimento correto e mais profundo da Igreja e sua doutrina ajude a evitar equívocos e abandono da fé católica;
    3. Fortalecimento da Iniciação à Vida Cristã, com especial atenção à Pastoral do Batismo mais missionária, dinâmica e acolhedora;
    4. Comunicação mais eficaz das atividades que são oferecidas com uso de mídias e novas tecnologias, objetivando favorecer e aprofundar o encontro com Cristo.

     

     

    7.1.2 Vida comunitária, fraterna e acolhedora

    1. O encontro com Cristo conduz inevitavelmente à comunhão. Quem experimenta o amor de Deus descobre que a fé não pode ser vivida isoladamente. Desde os primórdios, os discípulos de Jesus se reuniam para escutar a Palavra, partir o pão e partilhar a vida (At 2,42). A fé floresce e se fortalece quando é vivida em comunidade, pois, como recorda o Senhor, “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali eu estou no meio deles” (Mt 18,20).
    2. As comunidades cristãs são o primeiro e mais natural espaço da missão. Nelas, a fé é celebrada, amadurecida e transmitida. A vida fraterna torna-se testemunho do Evangelho, especialmente quando se expressa na acolhida e na solidariedade com os que mais necessitam. O Papa Francisco ensina que “a missão é uma paixão por Jesus e, ao mesmo tempo, uma paixão pelo seu povo”; quem ama a Deus se aproxima das pessoas e caminha com elas (EG 268).
    3. O amor fraterno é a linguagem mais clara e convincente da evangelização. A Igreja cresce e se renova quando seus membros se tratam como irmãos e irmãs, quando cada comunidade se torna casa de portas abertas, onde todos se sentem esperados, respeitados e amados. Assim, a comunidade cristã se converte em sinal vivo do Reino de Deus e reflexo da comunhão trinitária, onde cada pessoa tem lugar e dignidade.
    4. Viver a fraternidade é parte essencial da missão. Uma comunidade que acolhe e serve fala de Deus mesmo antes de pronunciar qualquer palavra. Ela torna presente Cristo no meio do povo e testemunha o Evangelho por meio da partilha, do perdão e da esperança. A fraternidade vivida é o rosto visível de uma Igreja que é família, povo de Deus em caminho e servidora de todos.
    5. O II Sínodo Arquidiocesano constatou que, nos vários âmbitos da vida da Arquidiocese, o ambiente comunitário em geral é fraterno e as pessoas que participam dele se sentem em casa. No interior das equipes pastorais, as pessoas se sentem felizes em participar e contribuir nas várias atividades. As lideranças pastorais são generosas e numericamente expressivas, atuam com dedicação e procuram atuar com fidelidade às orientações da Igreja. Mas o entrosamento entre as várias pastorais, movimentos e serviços é um aspecto frágil e que precisa ser melhorado.
    6. Percebe-se, em algum casos, concentração e centralização por parte de algumas coordenações, às vezes há apego a cargos e permanência muito longa de pessoas nas coordenações, o que gera dificuldade para novas pessoas assumirem. Também é presente a percepção de dificuldade de pessoas se disporem a assumir compromissos pastorais e comunitários.

     

    Indicações sinodais

    1. Considerar o acolhimento às pessoas como ponto essencial (foi lembrado o lema do Santuário de Aparecida: “Acolher bem é evangelizar”). Aprofundar o significado missionário do acolhimento, formar para isso, retomar a formação para o Ministério do Acolhimento e ampliar sua atuação;
    2. Favorecer o surgimento de pequenas comunidades, especialmente círculos bíblicos, com boa formação e acompanhamento de suas lideranças. Considerá-las prioridade pastoral. Caracterizar as equipes pastorais como pequenas comunidades de vivência cristã e de missão.
    3. Valorizar o Conselho Paroquial de Pastoral em todas as paróquias e criá-lo onde ainda não existem, orientar a metodologia de seu funcionamento (regulamento) e efetivamente funcionar com regularidade prevista no calendário de cada Paróquia. Dar formação para os membros do CPP.
    4. Cuidar ainda mais da formação das lideranças e colaboradores, em especial as(os) secretárias(os), em todos os aspectos: bíblico, litúrgico, espiritual, doutrinal, metodológico e humano-afetivo (com metodologia para acolhimento, escuta e eventuais encaminhamentos).
    5. Na Iniciação à Vida Cristã e na preparação para os sacramentos haja clareza nos critérios e unidade em sua aplicação, e que seja realizada de modo missionário, envolvendo as famílias, padrinhos e a própria comunidade, sempre evidenciando o caráter querigmático (encontro com Cristo).

     

    7.1.3 Anúncio: o querigma e o coração da missão

    1. O centro de toda ação missionária é o anúncio de Jesus Cristo. O querigma – a proclamação do amor de Deus manifestado em Cristo morto e ressuscitado – é o núcleo essencial da evangelização. É o primeiro anúncio, simples e profundo, que deve ressoar continuamente no coração da Igreja e de cada cristão.
    2. Depois de encontrarem o Ressuscitado, os discípulos “contaram o que lhes acontecera no caminho e como o haviam reconhecido ao partir o pão” (Lc 24,35). Assim também a Igreja, desde os primeiros tempos, proclama o que viu e ouviu, para que todos participem da mesma comunhão (1Jo 1,3). Evangelizar é partilhar o dom recebido e convidar outros a fazer a experiência do encontro transformador com Cristo.
    3. O Papa Francisco recorda que “a primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus” (EG 264). Quem foi tocado por esse amor sente o desejo de comunicá-lo; quem encontrou a vida em Cristo quer oferecê-la aos outros. Por isso, todo batizado é chamado a ser evangelizador, não por dever, mas por gratidão e alegria.
    4. A evangelização começa nas situações mais simples do cotidiano: na família, no trabalho, nas conversas e nas relações humanas. É o que o Papa chama de “pregação informal”, aquela que nasce naturalmente quando o coração está cheio do Evangelho. “Ser discípulo significa ter a disposição permanente de levar aos outros o amor de Jesus” (EG 127).
    5. O anúncio querigmático é também convite à conversão e à vida nova. Ele renova a Igreja, dá sentido à pastoral e ilumina todas as suas ações. Onde o querigma é proclamado com autenticidade e alegria, a fé se fortalece, a esperança renasce e a caridade se torna concreta.
    6. Anunciar Cristo é o primeiro e mais precioso serviço que a Igreja presta ao mundo. É proclamar a Boa-Nova que ilumina a escuridão do coração humano e transforma o discípulo em portador de paz, alegria e salvação.
    7. Nas Assembleias do II Sínodo Arquidiocesano foi acentuado que já existe significativo trabalho em relação ao anúncio: pastoral de rua, visitas domiciliares a famílias assistidas nos projetos da caridade social, cemitérios, hospitais, presídios, em muitos lugares há atividades permanentes de saída missionária. Encontros e retiros querigmáticos são realizados em grande número de paróquias, como Encontros Com Cristo para casais, jovens e adolescentes. Há também ações missionárias de visitação realizadas por Conselhos Missionários, Paróquias e Novas Comunidades com experiências variadas segundo os carismas das mesmas.
    8. São feitos convites às pessoas para participação em círculos bíblicos, grupos de oração, retiros, encontros e cercos de Jericó etc. Essa atuação missionária já existente é fonte de esperança para as pessoas que escutam, aderem e se convertem. É também fonte de esperança para a vida comunitária que com isso se renova e se fortalece. É preciso apoiar e fortalecer as pastorais e os movimentos já existentes. A formação para a missão é indispensável em vista disso.
    9. Constata-se que as pessoas menos atingidas e às quais é mais difícil chegarmos são: jovens, idosos, viúvos, famílias, casais em nova união, deficientes físicos, pessoas em situação de rua, encarcerados, pessoas mais caracterizadas pela secularização e as mídias sociais.
    10. Há dificuldades para atividades missionárias de visitação em regiões com alto índice de violência e em áreas de condomínios. É preciso, através do testemunho e da presença de discípulos missionários ardorosos, estar presente de modo significativo nesses ambientes.

     

    Indicações sinodais

    1. Cada pastoral, movimento e serviço refletir a respeito de como tornar mais explícita sua saída em missão: ida ao encontro das pessoas, acolhimento fraterno, anúncio explícito de Jesus Cristo e oferecimento de oportunidade para vivenciar na oração a proximidade com Ele;
    2. Organizar nas paróquias equipes e estratégias missionárias com o objetivo de atingir todas as pessoas e todos os locais (Conselho Missionário Paroquial – COMIPA);
    3. Promover formação em vista de uma compreensão mais profunda e mais abrangente da missão da Igreja, inclusive na Iniciação à Vida Cristã.
    4. Nas atividades da caridade social evidenciar sempre, de modo adequado, o aspecto espiritual e eclesial, com respeito pelas opções religiosas das pessoas quando diferentes das nossas (evangelizar sem imposição).
    5. Priorizar a evangelização da juventude e a formação de grupos juvenis com variedade de métodos e de carismas. Incentivar a participação de jovens em pastorais e movimentos inseridos na pastoral de conjunto. Promover retiros e atividades para atrair novos membros e acompanhar bem os grupos que se formam. A Iniciação Cristã de Jovens poderia ser mais bem articulada junto com a Pastoral da Perseverança com o projeto de formação de grupos de jovens.
    6. Incentivar os jovens a participar de Escolas de liderança para formação de novos líderes, para no futuro darem seguimento na missão evangelizadora.

     

    7.1.4 Serviço cristão à sociedade e testemunho público

    1. A missão da Igreja não se limita ao anúncio da fé; ela se expressa também no serviço concreto à vida e no compromisso com a justiça, a dignidade e a paz. Jesus se identifica com os pobres e sofredores: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). Segui-Lo significa cuidar das feridas da humanidade e trabalhar para que ninguém seja excluído do amor, da verdade e do pão.
    2. Desde as origens, a comunidade cristã testemunhou a fé por meio da solidariedade e da partilha. Os Atos dos Apóstolos relatam que “entre eles ninguém passava necessidade” (At 4,34), e esse testemunho de comunhão se tornou sinal visível da presença do Reino. A fé viva se traduz em obras de amor: “A fé, se não se traduz em obras, está morta” (Tg 2,17).
    3. O Papa Francisco lembra que “o coração do Evangelho inclui a vida comunitária e o compromisso com os outros” (EG 177). Evangelizar é também transformar realidades, curar feridas, promover a justiça e cuidar da criação. A Igreja anuncia o Evangelho quando serve e se faz próxima dos pobres, tornando-se expressão da misericórdia divina que acolhe e levanta os caídos.
    4. A exortação Dilexi Te recorda que “o amor preferencial pelos pobres é um caminho de fidelidade a Cristo” e que “o cuidado com os pobres faz parte da grande Tradição da Igreja, como um farol de luz que, a partir do Evangelho, iluminou os corações e os passos dos cristãos de todos os tempos” (DT 8, 103). O serviço é, portanto, dimensão constitutiva da missão: é o modo como o amor de Deus se torna visível e transforma o mundo em fraternidade.
    5. Ser missionário é viver a fé de modo coerente e público, comprometendo-se com a construção do bem comum. A Igreja evangeliza também quando defende a vida, promove a justiça social, valoriza a verdade e semeia a paz. Como ensina o Magistério, “a caridade social é a alma da solidariedade e da justiça”; é o amor cristão que renova estruturas e converte corações.
    6. A missão, assim entendida, une palavra e ação, anúncio e serviço, fé e vida. O testemunho público da caridade é uma forma silenciosa, porém eloquente, de evangelização. É nele que o mundo reconhece o rosto do Cristo vivo, presente naqueles que amam e servem. Nesse âmbito as antigas e novas práticas sociais em nossa arquidiocese se empenham nessa presença em todo o território.
    7. Como concluíram ambas as Assembleias Sinodais Arquidiocesanas ao tratarem do testemunho da fé no espaço público e serviço cristão à sociedade, a caridade social é inseparável da fé e deve ser motivada pelo amor de Cristo. A motivação para a caridade social deve sempre ser explicitada como fruto da fé em Jesus Cristo e expressão da vida eclesial. É de consenso que o testemunho público da fé acontece por meio de atitudes concretas de caridade, acolhimento, solidariedade, campanhas e presença ativa nas mídias.
    8. O testemunho cristão ganha força quando associa evangelização e promoção humana, tornando-se sinal visível do amor de Deus. A oração, a vida sacramental e a espiritualidade são a fonte que sustenta a prática da caridade. Ela se expressa no cuidado aos pobres, enfermos, encarcerados, e pessoas em situações diversas de vulnerabilidade e sofrimento.
    9. Com alegria, se constata que muito é feito pela Igreja nesse âmbito de atendimento a pessoas com necessidades urgentes e, às vezes permanentes, como: alimentação, vestuário, cuidados médicos, visitas. Destaca-se o trabalho realizado em diversos pontos da cidade em favor dos irmãos em situação de rua.
    10. Também há muitas atividades de defesa dos direitos e de promoção humana: educação; formação; conscientização. Defesa de direitos de encarcerados, de populações em áreas com IDH baixo, com precariedade de moradia e problemas ligados a isso. Destacam-se serviços concretos oferecidos em diversas comunidades, como mutirões de saúde, atendimento psicológico, educação e arte, que expressam o cuidado integral do corpo e da fé.
    11. Constata-se a necessidade de explicitar sempre e de aprofundar a relação entre essas atividades e sua motivação profunda: o anúncio de Jesus Cristo, o testemunho de seu amor preferencial pelos sofredores e a vivência eclesial. Verifica-se a necessidade de promover ainda mais a formação e o comprometimento de todos os membros da comunidade, especialmente dos agentes de pastoral, a respeito da dimensão social do Evangelho. A formação missionária e social do clero, religiosos e leigos, pode evitar que a caridade possa se tornar mera assistência carecendo de espírito evangélico. Os agentes que atuam nas pastorais sociais precisam ser acompanhados permanentemente pela Igreja.
    12. O fortalecimento da unidade entre Paróquias, Vicariatos, pastorais e organismos arquidiocesanos fortalece e amplia o alcance e os resultados das ações sociais. Algumas paróquias carecem de recursos e necessitam de maior apoio e articulação com a Cáritas Arquidiocesana. Há ações sociais que ainda têm pouca divulgação e envolvem um número reduzido de agentes, limitando seu impacto. A solidariedade precisa alcançar todas as gerações: crianças, jovens, adultos e idosos. A comunicação (digital e presencial) é um recurso indispensável para tornar conhecidas as obras e testemunhos da Igreja.

     

    Indicações sinodais

    1. Oferecer formação sistemática sobre a Doutrina Social da Igreja, com ampla divulgação e motivação.
    2. Formar e acompanhar lideranças, de acordo com seus carismas e habilidades, para funções comunitárias e políticas e oferecer acompanhamento dos que estão nesses cargos e funções;
    3. Promover maior articulação dos membros das pastorais sociais e das pessoas que atuam em nome da Igreja em diversos conselhos e organismos, a serviço da vida plena (cf. Jo 10,10).
    4. Oferecer formação de qualidade e acompanhamento para pessoas que desempenham funções em empresas e organismos públicos com impacto na vida social.
    5. Promover ampla articulação entre as diversas ações sócio-caritativas na Arquidiocese.
    6. Promoção do trabalho da caridade social da Igreja como serviço comunitário de inclusão de todos, assistidos e benfeitores, fortalecidos pela espiritualidade e vida de oração.
    7. Promover, incentivar e apoiar as associações de fiéis e outros organismos eclesiais que atuam nesses âmbitos em razão de seu carisma.

     

     

    7.2 Os âmbitos, os sujeitos e os interlocutores da missão

    1. A missão da Igreja tem sempre um rosto humano: o rosto de quem anuncia e o rosto de quem acolhe a Boa-Nova. Ela é, antes de tudo, encontro de pessoas e comunhão de vidas. O Evangelho é transmitido por discípulos que testemunham e é recebido por corações abertos à graça. Por isso, cada cristão é simultaneamente destinatário e protagonista da missão, chamado a evangelizar e a deixar-se evangelizar.
    2. O Papa Francisco recorda que existem “três âmbitos da evangelização”: os que vivem a fé de modo constante, os batizados afastados e os que ainda não conhecem Cristo (EG 14). Essa visão ajuda a compreender a amplitude da missão e orienta o agir pastoral da Igreja.
    3. Iluminada por essa perspectiva, a Igreja no Rio de Janeiro expressa sua ação missionária por meio de três atitudes que formam um único movimento espiritual: cuidar, acolher e buscar. Essas atitudes, discernidas ao longo do processo sinodal arquidiocesano, constituem o dinamismo da missão local: uma Igreja que ama o seu povo, que se faz próxima em todas as situações da vida e que procura tornar cada coração um espaço de encontro com Deus.

     

    7.2.1 Cuidar: a ternura da presença e o acompanhamento

    1. “Levai os fardos uns dos outros; assim cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6,2). Cuidar é o primeiro gesto da missão e a expressão mais concreta da caridade. Significa estar presente, escutar e servir. O exemplo de Jesus, o Bom Pastor que conhece cada uma de suas ovelhas e as chama pelo nome (Jo 10,14), inspira o modo cristão de cuidar: uma presença próxima, compassiva e pessoal.
    2. Cuidar é acompanhar as pessoas em seus caminhos, nas alegrias e nas dores da vida. É estar ao lado dos doentes, dos idosos, dos enlutados, dos jovens em crise, das famílias feridas, dos pobres e dos esquecidos. Trata-se de um cuidado que se traduz em gestos simples — uma visita, uma escuta atenta, uma oração partilhada —, mas que revela o rosto misericordioso de Deus.
    3. O Documento de Aparecida ensina que “o cuidado pastoral supõe proximidade e atenção concreta às pessoas, sobretudo às mais frágeis” (DAp 351). Por isso, cuidar não é apenas um ato de compaixão momentânea, mas um processo contínuo de acompanhamento, formação e integração na vida comunitária. É educar para a fé, fortalecer vínculos e sustentar a esperança.
    4. Comunidades que cuidam tornam-se sinais do amor de Deus no meio das cidades agitadas e das realidades marcadas pela solidão. São lugares onde o ser humano é valorizado e encontra abrigo para o coração. Por isso, a Igreja que cuida reflete o amor do Pai: firme no anúncio, mas terna na presença; fiel à verdade, mas cheia de misericórdia e paciência.
    5. O cuidado é, assim, o primeiro passo da missão e o caminho para que a Palavra se torne carne na vida do povo. A ternura pastoral é a linguagem do Evangelho em sua forma mais humana e transformadora.
    6. Durante nosso II Sínodo Arquidiocesano verificou-se, por consenso, que a vida comunitária em nossa Arquidiocese é marcada pelo empenho dos agentes de pastorais, movimentos e serviços em cuidar da vida e da fé, com espírito solidário e missionário. O alimento espiritual dos participantes se dá, fundamentalmente, pela escuta e vivência da Palavra de Deus, pela centralidade Eucarística e pela participação na comunidade eclesial, também se realiza através de encontros, retiros, catequeses e devoções populares. A formação permanente é vista como essencial para amadurecer na fé e fortalecer a consciência missionária.
    7. Constatou também a necessidade de maior número de voluntários e agentes pastorais, discípulos missionários, preparados para atender às demandas evangelizadoras e sociais. Verificam-se também algumas fragilidades na integração entre pastorais, movimentos e serviços, especialmente a dificuldade de renovação das lideranças.
    8. Muitos membros de nossas comunidades ainda não se percebem corresponsáveis pela missão e participação comunitária, limitando-se à vivência sacramental. A violência urbana, o secularismo e o esgotamento de agentes pastorais (inclusive do clero) dificultam a ação missionária. E alguns serviços e sacramentos ainda são percebidos como excessivamente burocráticos, percepção esta que dificulta a evangelização.
    9. Observou-se que há empenho em realizar um acolhimento integral: cuidado físico, emocional e espiritual, escuta e acompanhamento das famílias, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos com suas várias situações de vida. Cresce a consciência da necessidade de ser uma “Igreja em saída”, superando o comodismo e o fechamento em si mesma. Destaca-se, também nesse aspecto, a importância de pequenos grupos (círculos bíblicos, comunidades de oração, grupos de jovens) para criar vínculos e fortalecer a fé. A comunicação (Pascom, redes sociais, informativos) é percebida como estratégica para evangelizar e integrar novos membros.

     

    Indicações sinodais

    1. Ampliar a formação bíblica, litúrgica, doutrinal e missionária de agentes pastorais, lideranças e comunidades, com metodologias acessíveis e atrativas.
    2. Criar e fortalecer Conselhos Paroquiais (Conselhos de Assuntos Econômicos, CPP, COMIPA), assegurando participação efetiva e corresponsabilidade.
    3. Organizar iniciativas conjuntas (retiros, festivais, encontros de famílias, missões populares) que fortaleçam os vínculos de pertença e a consciência missionária.
    4. Valorizar e integrar os idosos e pessoas com deficiência na vida comunitária e missionária.
    5. Promover maior articulação entre Paróquias, Vicariatos e Arquidiocese para troca de experiências e apoio mútuo, com atenção especial às realidades de maior vulnerabilidade social.
    6. Incentivar a comunicação missionária (Pascom, mídias sociais, materiais digitais e impressos), para evangelizar além dos muros paroquiais.
    7. Oferecer acompanhamento espiritual e humano também aos agentes e ministros, prevenindo o esgotamento pastoral.
    8. Investir em projetos específicos para juventude e idosos, favorecendo sua formação, protagonismo e integração comunitária.
    9. Período maior para a formação dos sacramentos tanto para os formadores quanto para os formandos.
    10. Disponibilidade do Clero nas paróquias para o sacramento da Penitência e Unção dos enfermos.

     

    7.2.2 Acolher: o rosto materno da Igreja

    1. “Acolhei-vos uns aos outros, como Cristo vos acolheu” (Rm 15,7). A missão da Igreja muitas vezes começa com um gesto simples de acolhida. Em um mundo marcado pela pressa, pela indiferença e pela exclusão, acolher se torna uma forma concreta e poderosa de evangelizar. É por meio de um olhar atento, de um sorriso ou de um abraço fraterno que muitos reencontram a fé e a esperança.
    2. Acolher é abrir espaço para o outro, é dizer-lhe: “Você tem lugar entre nós”. Essa atitude traduz o modo como Cristo acolhe cada pessoa, sem distinções nem juízos prévios. O Papa Francisco ensina que “a Igreja cresce por atração, não por imposição” (EG 14). Essa atração nasce de uma comunidade que recebe com bondade, escuta antes de falar e se comporta como mãe que compreende, acompanha e consola.
    3. A acolhida é também um caminho pastoral. Exige preparar ambientes, formar pessoas e cultivar uma verdadeira cultura da hospitalidade. O modo como a paróquia atende, celebra e escuta é, por si só, um anúncio do Evangelho. O serviço nas secretarias, na liturgia, na catequese e nas ações sociais torna-se evangelizador quando revela a ternura de Deus que se aproxima de seus filhos.
    4. O Documento de Aparecida recorda: “A acolhida calorosa, cordial e paciente é um gesto evangelizador que expressa a ternura de Cristo” (DAp 226). Assim, cada comunidade é convidada a perguntar-se: somos realmente uma Igreja de portas abertas, onde os que chegam encontram irmãos, escuta e caminho?
    5. A pastoral da acolhida é o primeiro passo de uma Igreja que deseja ser lar para todos. Quando acolhe, a comunidade faz presente o amor de Deus e transforma o encontro humano em experiência de graça. É bem mais do que a presença na porta da igreja, mas sim um espírito presente em todas as ações.
    6. As pessoas que procuram as comunidades são diversas e o fazem em ocasiões como: batizados, luto, crise de fé, enfermidade e outras em que a vulnerabilidade e o sofrimento são sentidos de modo mais forte. Essas pessoas são, pais e mães, idosos, jovens, migrantes, pessoas em situação de rua, turistas e fiéis ocasionais em busca de sacramentos.
    7. O acolhimento deve ser feito com amor, respeito, empatia e escuta atenta, sem julgamentos, mostrando a face misericordiosa de Cristo. O testemunho comunitário, aliado à escuta e ao acompanhamento, é essencial para que a acolhida não se limite a um gesto superficial.
    8. Para essas pessoas, a experiência do encontro com Cristo pode se realizar na Eucaristia, na Reconciliação, na oração comunitária, nos pequenos grupos de convivência como: pastorais sociais, pastoral da criança, pastoral de favelas, círculos bíblicos, grupos de oração, pastoral do menor. O acolhimento se estende também a migrantes, turistas, moradores de rua e pessoas em situações de dor e vulnerabilidade. A igreja acolhe a todos como Mãe. O cuidado de suas vulnerabilidades e o atendimento cordial a suas necessidades imediatas é uma forma especial de manifestar-lhes o amor de Deus e o acolhimento materno da Igreja.
    9. Nas comunidades e paróquias é preciso haver formação permanente para o acolhimento. Ele não pode se restringir à secretaria paroquial ou ao momento da missa (distribuição de folhetos), sem continuidade ou integração comunitária. Em muitos lugares há experiências já consolidadas de inciativas eficazes de acolhimento. Também nas Novas Comunidades, especialmente quando bem integradas na comunidade local e nas iniciativas da Arquidiocese, nota-se um belo e eficiente empenho de acolhimento às pessoas que chegam. Uma comunidade que acolhe transforma-se em família, espaço de comunhão e missão. Pequenos gestos de proximidade (saudação, escuta, acompanhamento) despertam pertença e podem gerar integração duradoura. O testemunho de unidade dos clérigos e leigos engajados inspira e motiva a comunidade a acolher melhor.
    10. Constata-se, porém, que, em alguns lugares, há resistências ao acolhimento do novo ou do diferente, com fragilidades na formação e preparo dos agentes. A pandemia e outros fatores sociais enfraqueceram vínculos, exigindo maior esforço para reintegração. A violência dificulta a participação em certos ambientes e horários.

     

     

    Indicações sinodais

    1. Investir na formação não apenas dos agentes, mas de toda comunidade paroquial, do Ministério do Acolhimento e Pastoral da Escuta, preparando-os com espiritualidade, sensibilidade e métodos práticos.
    2. Criar roteiros e manuais arquidiocesanos de boas práticas de acolhida, que possam ser utilizados nas atividades pastorais adaptáveis, de forma a dinamizar a orientar propostas, e dar mais liberdade ao Espírito Santo.
    3. Promover encontros arquidiocesanos e vicariais de equipes de acolhida para partilha de experiências e integração.
    4. Ampliar a acolhida além dos muros da Igreja: visitas missionárias em condomínios, escolas, ambientes de trabalho e espaços públicos, atentos às novas realidades que possam se apresentar.
    5. Integrar os acolhidos em pastorais, movimentos e círculos bíblicos antigos ou novos, favorecendo vínculos de pertença e crescimento na fé. Se oportuno, conduzindo à iniciação da vida cristã.
    6. Incentivar momentos de convivência e espiritualidade (retiros, encontros de famílias, atividades culturais, missas em espaços abertos), favorecendo a proximidade com os que chegam, estando abertos a novas realidades.
    7. Utilizar redes sociais e meios digitais como extensão do acolhimento, com linguagem próxima, clara, convidativa, conteúdos atrativos, promovendo as atividades pastorais.
    8. Valorizar datas e celebrações especiais (batizados, missas de 7º dia, bênçãos, festas patronais) como oportunidades privilegiadas de acolher e integrar.
    9. Estimular a presença pastoral contínua de sacerdotes e diáconos no cotidiano da comunidade, como testemunho de proximidade e cuidado, com atenção especial de horários específicos para o atendimento presencial pelo sacerdote.
    10. Reforçar a Pastoral da escuta e preparar homilias missionárias e querigmáticas em momentos de grande presença de fiéis ocasionais (ex. Missas de 7º dia, batizados).
    11. Promover a acolhida em outros momentos além do culto com a colaboração de agentes capacitados para o serviço do acolhimento. O templo apesar de aberto, muitas vezes está vazio, é necessário ter uma presença eclesial nestes momentos para acolher. Esta presença pode ser concretizada para além dos sacerdotes através dos membros de pastorais, movimentos e outras pessoas capacitadas.
    12. Multiplicar os espaços de acolhida.
    13. Criar uma equipe de Coordenação Arquidiocesana e Vicariais para o Ministério do Acolhimento que invista na formação contínua dos agentes, preparando-os com espiritualidade, sensibilidade e métodos práticos.
    14. Investir na formação de todos os agentes de pastorais e movimentos para o serviço de acolhimento.
    15. A coordenação arquidiocesana do acolhimento deverá criar roteiros e manuais arquidiocesanos e promover os respectivos encontros.
    16. Cuidar da infraestrutura com atenção especial para qualidade de som, ventilação e acessibilidade.

     

    7.2.3 Buscar: a saída missionária

    1. “Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos” (Mt 28,19). O verbo “buscar” expressa a essência da missão cristã. A Igreja não espera ser procurada: ela vai ao encontro. Não se contenta em permanecer nas fronteiras conhecidas, mas se lança, movida pelo Espírito, em direção aos que estão afastados, feridos ou sem fé.
    2. Ser uma Igreja que busca é viver o dinamismo do Evangelho. É sair das seguranças e ir ao encontro dos que ainda não conhecem Cristo, dos que perderam o sentido da fé, dos que vivem à margem da comunidade. Buscar é também dialogar com o mundo contemporâneo — com suas culturas, linguagens, redes e periferias — e tornar-se presença de esperança nos novos areópagos da sociedade.
    3. O Documento de Aparecida nos interpela com força: “Não podemos ficar tranquilos, em espera passiva, em nossos templos; é necessário passar de uma pastoral de conservação para uma pastoral decididamente missionária” (DAp 548). Essa saída não se realiza por estratégia ou ativismo, mas no estilo de Jesus: com humildade, proximidade e escuta. A missão não é conquista, é dom; não é imposição, é amor que se faz caminho.
    4. A Igreja do Rio de Janeiro é chamada a viver essa dimensão missionária em todos os níveis: nos vicariatos, nas paróquias, nas comunidades e nas novas formas de presença eclesial. Sair pelas ruas, visitar lares, escolas, universidades, presídios e redes digitais é levar o Evangelho aonde o povo está.
    5. Buscar é expressão da caridade em movimento, é o amor que não se acomoda e deseja que todos encontrem a alegria do Evangelho. Uma Igreja que busca é uma Igreja viva, movida pelo Espírito, que reflete no mundo o coração inquieto de Cristo, o missionário do Pai.
    6. Nosso Sínodo Arquidiocesano expressou o consenso de que muitos permanecem fora do alcance da ação evangelizadora: afastados, indiferentes, batizados não praticantes, pessoas em situação de vulnerabilidade, jovens, moradores de rua, enfermos, encarcerados e famílias fragilizadas. É preciso que a Igreja esteja presente e seja notada como próxima à vida das pessoas, de suas necessidades e interesses.
    7. Para sair a anunciar e testemunhar o amor de Deus, é fundamental o primeiro anúncio, que deve ser feito com simplicidade, testemunho de vida, proximidade fraterna e linguagem acessível, sem imposições. As redes sociais e meios digitais podem apoiar, mas o encontro pessoal e comunitário é insubstituível. O anúncio de pessoa a pessoa, a presença comunitária da Igreja em procissões, missões e atividades públicas dá sinal de vitalidade e pode despertar o interesse das pessoas por conhecer ou participar da vida comunitária. A vida fraterna em comunidade precisa ser experimentada como espaço de acolhimento, amizade e solidariedade, com testemunho alegre e coerente.
    8. Constata-se, em alguns ambientes, a persistência de obstáculos e dificuldades: a violência urbana, a indiferença religiosa, os preconceitos em relação à Igreja, alguma centralização de lideranças e falta de criatividade missionária. Há dificuldade em atingir espaços específicos: condomínios fechados, escolas, universidades, ambientes de trabalho, periferias geográficas e existenciais. Alguns projetos de evangelização não se concretizam ou ficam no papel. Quando falta o testemunho e o acolhimento sincero, as pessoas se afastam da vida comunitária.
    9. Observa-se que a evangelização se fortalece quando unida à caridade concreta e que eventos comunitários (festas, jantares, almoços, atividades culturais e esportivas) favorecem o primeiro contato e aproximam os afastados. A acolhida simples e calorosa (saudação, atenção pessoal, escuta) é um testemunho que abre portas para a fé.
    10. A comunicação clara e atraente, tanto presencial quanto digital, amplia a visibilidade do testemunho cristão e favorece a aproximação de novos membros. A missão exige criatividade para alcançar condomínios, escolas, praias, espaços públicos, favelas, comunidades além da articulação com serviços sociais e participação em conselhos comunitários.

     

    Indicações sinodais

    1. Promover missões populares e mutirões missionários paroquiais e vicariais, alcançando periferias urbanas, áreas de risco, escolas e universidades.
    2. Investir em formação missionária prática para agentes pastorais, priorizando acolhimento, criatividade e presença nos “desertos espirituais” da cidade.
    3. Valorizar o Ministério da visitação (lares, hospitais, asilos, favelas e presídios), garantindo presença contínua e organizada.
    4. Fortalecer iniciativas de caridade que integrem anúncio e testemunho: feiras de saúde, cursos de capacitação, apoio a famílias vulneráveis.
    5. Utilizar redes sociais e mídias digitais como instrumentos de evangelização, mas sempre conectadas a experiências presenciais de comunidade.
    6. Oferecer formação contínua ao clero e aos leigos para homilias e celebrações mais acolhedoras e que favoreçam a participação ativa e frutuosa de todos.
    7. Ampliar a realização de ações conjuntas entre Arquidiocese, Vicariatos, Foranias e Paróquias, novas comunidades, realidades eclesiais e movimentos de vida apostólica para dar maior visibilidade às iniciativas missionárias e compartilhar boas práticas.
    8. Reforçar a presença pastoral em cemitérios, hospitais e espaços de vulnerabilidade social.
    9. Incentivar e promover eventos culturais, musicais e artísticos como estratégias missionárias, sobretudo junto aos jovens e pessoas distantes da fé.
    10. Pastoral urbana: isto é, planejamento missionário integrado, para que possa planejar – executar – avaliar e melhorar.
    11. Focar nos objetivos: evitando excessos e simultaneidade de iniciativas que dificultam a avaliação dos frutos e acompanhamento pastoral.
    12. Promover ação missionária baseada em formação bíblica, que gere consciência nos agentes pastorais.
    13. Pensar a possibilidade de atualização das ações evangelizadoras já existentes, como por exemplo: círculos bíblicos, pastoral das favelas, missões populares, entre outras.
    14. O envio missionário de Cristo comporta ao mesmo tempo a consciência de que o missionário é instrumento insuficiente devido às precariedades próprias do caráter humano e dos ambientes, bem como a abertura às potências de que é capaz de agir mesmo diante das mais diversas limitações experimentando assim a alegria de anunciarmos o evangelho que ultrapassa todos os esquemas humanos

     

    7.2.4 Testemunhar e servir: a missão na vida pública e na caridade

    1. “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens” (Mt 5,16). Evangelizar é também testemunhar com a própria vida. A fé se torna credível quando se manifesta em atitudes concretas de amor, justiça e esperança. O discípulo missionário anuncia não apenas com palavras, mas com gestos que revelam o Evangelho vivido.
    2. O Papa Francisco adverte: “Ninguém pode exigir que releguemos a religião à intimidade secreta das pessoas, sem influência na vida social” (EG 183). O Evangelho tem força transformadora e deve iluminar todas as dimensões da existência humana. Por isso, a missão inclui o compromisso de estar presente na vida pública, contribuindo para o bem comum, a defesa da dignidade humana e o cuidado com a criação.
    3. O testemunho missionário se concretiza na solidariedade que se torna serviço. “Se alguém possui bens deste mundo e vê o irmão em necessidade, mas fecha o coração, como pode o amor de Deus permanecer nele?” (1Jo 3,17). A caridade é o rosto visível da fé; ela humaniza as relações, cura feridas e renova a esperança. Servir é evangelizar com as mãos e com o coração, é transformar o amor em ação que consola e liberta.
    4. Evangelizar também significa comprometer-se com a justiça social e a construção de uma sociedade mais fraterna. A Igreja é chamada a estar onde a vida clama, a escutar o sofrimento dos pobres, a defender os direitos dos indefesos e a promover a paz. A caridade social, como ensina o Magistério, é a alma da solidariedade e da justiça; é o amor cristão que transforma as estruturas e dá novo sentido à convivência humana.
    5. A missão cristã, assim compreendida, une palavra e ação, oração e compromisso, fé e vida. Onde há um cristão coerente, ali o Evangelho se torna visível; onde há uma comunidade solidária, ali o Reino de Deus se manifesta. O testemunho da caridade é o anúncio silencioso e eficaz que faz resplandecer no mundo o rosto de Cristo, o Servo e Senhor.
    6. O testemunho público da fé acontece por meio de atitudes concretas de caridade, acolhimento, solidariedade, campanhas e presença ativa nas mídias. A caridade social é inseparável da fé e deve ser motivada pelo amor de Cristo, expressa no cuidado aos pobres, enfermos, idosos, famílias, pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade social. A oração, a vida sacramental e a espiritualidade são a fonte que sustenta a prática da caridade. A unidade entre paróquias, vicariatos e arquidiocese fortalece e amplia o alcance das ações sociais. Além disso, destacam-se serviços concretos oferecidos em diversas comunidades, como mutirões de saúde, atendimento psicológico, educação e arte, que expressam o cuidado integral do corpo e da fé.
    7. Verifica-se que há necessidade de formação missionária e social para clero, religiosos e leigos, a fim de evitar que a caridade se torne mera assistência sem espírito evangélico. Muitas ações sociais ainda têm pouca divulgação e envolvem número reduzido de agentes, limitando seu impacto. Persistem desigualdades: algumas paróquias carecem de recursos, apoio institucional e articulação com a Cáritas Arquidiocesana. Em certos contextos, os sacramentos e serviços podem ser percebidos como burocráticos, sem suficiente dimensão acolhedora.
    8. A motivação para a caridade social deve sempre ser explicitada como fruto da fé em Jesus Cristo e expressão da vida eclesial. A solidariedade precisa alcançar todas as gerações: crianças, jovens, adultos e idosos. O testemunho cristão ganha força quando associa evangelização e promoção humana, tornando-se sinal visível do amor de Deus. A comunicação (digital e presencial) é um recurso indispensável para tornar conhecidas as obras e testemunhos da Igreja.

     

    Indicações sinodais

    1. Promover formação permanente sobre Doutrina Social da Igreja para clero, religiosos e leigos, integrando fé e ação social.
    2. Ampliar a divulgação das iniciativas de caridade, valorizando testemunhos e comunicando os frutos das ações.
    3. Criar ou fortalecer pastorais sociais (ex.: Pastoral da Criança, Carcerária etc.) e capacitar agentes para atuação organizada e eficiente.
    4. Estimular a participação das pessoas atendidas nas ações sócio-caritativas da Igreja nas atividades litúrgicas e comunitárias, favorecendo sua integração e pertença.
    5. Continuar a promover campanhas periódicas de arrecadação (alimentos, agasalhos, recursos) associadas a momentos de espiritualidade e oração.
    6. Desenvolver parcerias com profissionais voluntários e instituições para ampliar os serviços oferecidos (saúde, educação, documentação, geração de renda).
    7. Ampliar a valorização e a divulgação de momentos eclesiais como o Dia Mundial dos Pobres para gestos concretos arquidiocesanos, vicariais e paroquiais.
    8. Incentivar eventos comunitários (feiras sociais, rodas de conversa, atividades culturais, gincanas) que unam evangelização, convivência e solidariedade.
    9. Reforçar a atuação da Cáritas Arquidiocesana junto às paróquias, oferecendo recursos, formação e apoio às áreas mais carentes.
    10. Criar banco de dados referente a pessoas assistidas em projetos sociais, garantindo maior transparência e eficácia, uma integração maior entre as pastorais sociais da arquidiocese.
    11. Expandir o trabalho pastoral para pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade.

     

    TÓPICO ABERTO – reflexão feita sem o subsídio do Instrumento de Trabalho

    1. Como expressão do amplo consenso que se formou em torno do desafio da renovação missionária ao longo do percurso do II Sínodo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, na 2ª Assembleia Geral, que encerrou a fase de participação em vista da elaboração do documento final do Sínodo, um grupo trabalhou sem subsídio de Instrumento de Trabalho. Com metodologia totalmente aberta, o grupo apresentou suas proposições. Elas estão integradas ao longo desta Carta Pastoral. Aqui estão na forma em que foram apresentadas e votadas, como testemunho do consenso e como ação de graças ao Espírito Santo, grande agente de nosso II Sínodo Arquidiocesano.

     

     

     

    1. Diálogo a respeito do que pode ser promovido nos vários âmbitos e organismos eclesiais (Comunidade, Paróquia, Forania, Vicariato, Arquidiocese; Serviços, Pastorais, Movimentos) para prosseguir de modo mais decidido a animação missionária de nossa Igreja Arquidiocesana.
    2. Introdução dos COMIPAs em todas as paróquias que unirá um incentivo dos vigários episcopais e dos párocos.
    3. Atingir através de atividades missionárias as famílias em situações mistas do ponto de vista da pertença religiosa. Aprofundar a reflexão a respeito de meios para evangelizar essas famílias.
    4. Atenção especial aos jovens, um olhar para os jovens solteiros, intensificar o trabalho com os jovens nas paróquias e formação para a vida pastoral.
    5. Durante o tempo de preparação para o sacramento do Crisma, é fundamental o incentivo do jovem ao trabalho pastoral.
    6. Criação de equipes de animação missionaria nas Paróquias.
    7. Conhecimento e formação permanente de ação missionária.
    8. Ação missionaria junto aos jovens – acolhimento.
    9. Escuta ativa dos jovens – etapas e realidades.
    10. Ter uma ação constante missionaria.
    11. Realizar o processo catecumenal, catequético, anúncio e querigma.
    12. Na formação permanente uma maior consciência da missão batismal.
    13. O acolhimento na igreja e um questionamento de como colocar em prática a minha fé e testemunho.
    14. Criar um subsídio pastoral-missionário.
    15. O que fazer para que nossa igreja seja uma escola de oração – vivência de oração.

     

    1. As grandes opções missionárias da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

     

     

    8.1 A missão permanente e a Igreja em saída

    1. Vivemos um tempo em que muitos se perguntam se ainda é pertinente falar em missão. Em um mundo plural, não bastaria restringir-se ao diálogo respeitoso com tradições religiosas e culturais diversas? Temos em nossa arquidiocese um belo diálogo ecumênico e inter-religioso. O diálogo é indispensável e fecundo, mas não substitui o anúncio. Se renunciássemos a proclamar a novidade do Evangelho, relativizaríamos a verdade que nos sustenta. Tal atitude poderia parecer um caminho pacífico para evitar tensões, mas acabaria por esvaziar o centro de nossa fé. São Paulo VI foi explícito: “os homens poderão salvar-se por outras vias, graças à misericórdia de Deus, se nós não lhes anunciarmos o Evangelho; mas nós, poder-nos-emos salvar se, por negligência, por medo ou por vergonha […] nos omitirmos de o anunciar? Isso seria trair o apelo de Deus que […] quer fazer germinar a semente” (EN 80).
    2. A missão não destrói culturas nem apaga identidades; ao contrário, ilumina e purifica cada ambiente humano, inserindo-o num horizonte maior em que a fé amadurece e se enriquece. Além disso, fecunda a sociedade com valores que a tornam mais humana. Cresce, porém, o número de pessoas que se declaram sem religião, sem interesse pela fé cristã ou distantes da Igreja, vivendo como se Deus fosse irrelevante. Esse fenômeno não nos paralisa; desperta urgência missionária. Nesse contexto, o anúncio querigmático torna-se ainda mais necessário, pois reacende a esperança e manifesta a beleza de uma vida iluminada pelo amor de Deus.
    3. A fé cristã, quando vivida, gera bens para todos: fraternidade, respeito à dignidade, compromisso com a justiça, cuidado com os pobres e com a criação. A missão é a partilha desses bens; é contribuição que a Igreja oferece para o bem comum, para que muitos experimentem a luz e a força transformadora do Evangelho. Em meio à violência, à indiferença e ao relativismo, o Evangelho revela-se fonte de paz verdadeira: o amor de Deus reconcilia, constrói pontes e abre caminhos de fraternidade. Por isso, a missão não é acessório, mas parte da identidade da Igreja. A alegria do Evangelho impele a sair: ser “Igreja em saída” significa aproximar-se, sobretudo dos pobres e das periferias geográficas e existenciais, dos desorientados e, de modo especial, dos jovens. Somos uma Igreja enviada a proclamar, com coragem e alegria, que Jesus Cristo é o Senhor da vida e da esperança, presente em todos os ambientes para partilhar a alegria que nele encontramos.
    4. O II Sínodo Arquidiocesano reconhece a missão como coração da identidade cristã: a Igreja existe para evangelizar. Este é o ponto de partida e o horizonte do processo sinodal. Ser discípulo é ser missionário, e a comunidade vive plenamente quando, movida pelo Espírito, se põe a caminho para levar a Boa-Nova a todos.
    5. “A saída missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja” (EG 15). Logo, cada estrutura, pastoral e iniciativa deve ser avaliada por sua capacidade de favorecer o encontro com Cristo, gerar comunhão e testemunho. A Igreja em saída torna-se próxima, vai ao encontro, arrisca-se e compromete-se com a vida do povo. O Sínodo afirma que a missão não é setor da pastoral, mas princípio que anima toda a vida eclesial. Paróquias, vicariatos, comunidades e movimentos devem renovar-se a partir dessa consciência. “A Igreja em saída é a comunidade de discípulos missionários que tomam a iniciativa, que se envolvem, que acompanham, que frutificam e que festejam” (EG 24).
    6. A Arquidiocese é chamada a viver em estado permanente de missão, com iniciativas constantes de evangelização, visitação, escuta e presença nos diversos ambientes da cidade: ruas, lares e condomínios, favelas, escolas, hospitais e universidades. Onde está o povo, ali deve estar a Igreja com a Palavra, o testemunho e o cuidado. A missão supõe proximidade, escuta e vida partilhada: antes de falar, o missionário se faz presença; antes de ensinar, aprende; antes de anunciar, acolhe com misericórdia. A missão permanente é um estilo, não apenas um evento.
    7. Não pertence somente a padres, diáconos, consagrados ou agentes mais engajados: todo batizado é missionário, chamado a testemunhar no cotidiano. Essa consciência pede formação e oração, para que cada fiel se saiba impulsionado pelo Espírito a evangelizar na família, no trabalho, nos ambientes digitais e nas relações sociais. Reafirmando esse compromisso, a Arquidiocese deseja fortalecer seus Conselhos Missionários, as ações de visitação e a intercessão pelas missões. Cada comunidade é convidada a manter acesa a chama missionária com gestos de proximidade e solidariedade, tornando-se sinal de esperança nas realidades mais difíceis da cidade. Uma Igreja em saída deixa-se conduzir pelo Espírito, caminha com o povo e faz de cada batizado um portador da luz de Cristo.

    8.2 A espiritualidade do discípulo missionário

    1. No centro da missão está o encontro pessoal com Jesus Cristo. Não há autêntica evangelização sem experiência viva daquele que é o primeiro Evangelizador. O Sínodo reafirma: a missão nasce de um coração tocado por Cristo, alimentado pela Palavra, pela Eucaristia e pela docilidade ao Espírito. Evangelizar é comunicar uma experiência de amor: “No coração do Evangelho brilha a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado” (EG 36).
    2. A espiritualidade do discípulo missionário é modo de viver na Igreja em comunhão com o Senhor e em serviço aos irmãos. O encontro com Cristo acende uma fé que transforma pensamento, sentimentos e ações. “Encontrar-se com Cristo é deixar-se encontrar por Ele” (DAp 243). Esse encontro acontece na escuta da Palavra, na oração, na liturgia, na piedade popular, na fraternidade e no serviço aos pobres. Quem se encontra com o Senhor não retém para si a alegria do Evangelho; sente-se impelido a testemunhar, anunciar e servir: “Ai de mim se eu não evangelizar!” (1Cor 9,16).
    3. No ritmo intenso da cidade, muitos buscam sentido, consolo e verdade. Urge oferecer espaços de encontro e acolhimento: celebrações bem preparadas, grupos de oração, círculos bíblicos, retiros, adoração, itinerários de acompanhamento espiritual e expressões públicas da fé. A paróquia deve ser casa de oração e escola de fé, onde o encontro com Cristo seja o coração da pastoral.
    4. A piedade popular, marca da fé carioca, é força evangelizadora: novenas, romarias, festas e peregrinações expressam a presença de Deus no cotidiano e conduzem ao encontro com Cristo. Como diz Aparecida, trata-se de “um modo legítimo de viver a fé” e “força evangelizadora” (n. 258). A espiritualidade missionária sustenta e renova a ação pastoral; um coração orante dá sentido e perseverança. Por isso, o Sínodo convida a cultivar uma espiritualidade que una oração e ação, contemplação e compromisso: somente quem experimenta o amor de Deus pode anunciá-lo com autenticidade.

    8.3 Comunhão, acolhimento e vida comunitária

    1. A Igreja é mistério de comunhão, nascida do amor trinitário. A unidade, fonte no Pai, revelada no Filho e sustentada pelo Espírito, é o primeiro testemunho missionário: o mundo crê quando vê os cristãos amarem-se. Comunhão não é mera organização; é dom a acolher e caminho a construir. Manifesta-se na fraternidade, na partilha e no serviço mútuo. Cada batizado é membro do Corpo de Cristo e contribui com seus dons para o bem comum. Quando vivida na caridade, a vida eclesial anuncia o Evangelho antes das palavras.
    2. O nosso Sínodo reconhece feridas de falta de acolhimento e unidade. Propõe, por isso, conversão missionária que torne a Igreja mais próxima e aberta. “A Igreja deve ser a casa paterna onde há lugar para todos, com a sua vida difícil” (EG 47). Acolher é o primeiro gesto evangelizador: nele a pessoa se reconhece filho amado de Deus. Em uma metrópole plural como o Rio, somos chamados a comunidades fraternas, onde todos se sintam pertencentes e corresponsáveis. A comunhão constrói-se com escuta, perdão e partilha; as diferenças enriquecem quando vividas na unidade da fé.
    3. O II Sínodo incentiva paróquias como casas e escolas de comunhão, com atenção especial a quem mais sofre isolamento: idosos, enfermos, migrantes, famílias em crise, jovens desanimados, pessoas com deficiência ou em situação de rua. Pequenas comunidades e círculos bíblicos têm papel decisivo: espaços simples de oração, partilha e missão, células vivas de evangelização. Também a colaboração entre pastorais, movimentos e serviços é essencial: a pastoral de conjunto exprime a unidade arquidiocesana e evita dispersões. Onde há comunhão, o Evangelho floresce; onde há divisão, a missão se enfraquece. Sejamos Igreja que cura feridas com o óleo da misericórdia e reflete o Deus que é comunhão e amor.

    8.4 Sinodalidade e corresponsabilidade missionária

    1. A sinodalidade é o caminho da Igreja hoje: caminhar juntos, discernindo no Espírito o que o Senhor pede. É viver comunhão, participação e missão de modo orgânico, reconhecendo todos os batizados como protagonistas da evangelização. Não é apenas método de governo, mas estilo de ser Igreja, nascido do mistério trinitário e expresso na escuta recíproca. “Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta” (Francisco, 2021).
    2. Da sinodalidade brota a corresponsabilidade: leigos, consagrados e ministros ordenados cooperam na missão segundo os dons recebidos. “A comunhão e a participação caracterizam o estilo de vida e de ação da Igreja” (DAp 163). O Sínodo propõe reforçar conselhos pastorais e missionários paroquiais e vicariais como espaços permanentes de escuta, discernimento e decisões partilhadas, valorizando a voz dos leigos, especialmente das periferias e das pastorais sociais. A autoridade é serviço de comunhão; o clericalismo e o personalismo cedem lugar à colaboração.
    3. A diversidade de carismas deve ser harmonizada pelo Espírito para o serviço comum. Processos estáveis de escuta e discernimento nas paróquias e vicariatos tornam a sinodalidade prática cotidiana. Ser uma Igreja sinodal é ser Igreja em saída: quem caminha unido torna-se testemunha credível da unidade e do amor de Deus.

     

    8.5 Formação missionária e ministérios dos leigos

    1. Formar discípulos maduros e conscientes de sua vocação evangelizadora é condição para o novo impulso missionário. A formação não é simples curso, mas caminho de discipulado que integra fé, oração, vida comunitária e missão. O Sínodo convoca paróquias, vicariatos, movimentos e organismos a promover itinerários integrados, articulando espiritualidade, doutrina, Bíblia, liturgia e ação social, com momentos de oração, partilha e prática pastoral.
    2. Atenção especial deve ser dada aos que exercem ministérios e serviços eclesiais. Recomenda-se formação sólida e contínua para leitores, acólitos, ministros extraordinários, catequistas, animadores de comunidades e responsáveis pela animação missionária, centrada na Palavra e no amor à Igreja. Formar ministros é formar testemunhas: servidores humildes e anunciadores alegres.
    3. A formação missionária é também educação para a corresponsabilidade: os leigos não são meros auxiliares, mas protagonistas nos ambientes onde vivem e trabalham. “Os leigos são a imensa maioria do Povo de Deus, e seu serviço é insubstituível” (EG 102). O Sínodo propõe a criação de uma escola arquidiocesana de formação missionária, em parceria com vicariatos e universidades católicas, integrando estudo, vida espiritual e engajamento social. Investir em novas lideranças e renovar equipes é necessidade vital: uma Igreja sem formação perde o rumo. A melhor escola, porém, é a própria vida comunitária: na Palavra, na caridade e na oração compartilhada, o discípulo se faz missionário.

    8.6 Presença junto aos pobres e compromisso social

    1. A opção preferencial pelos pobres é constitutiva da missão, nascida do coração de Deus e do exemplo de Cristo “que, sendo rico, se fez pobre” (2Cor 8,9). A exortação Dilexit Te recorda que a evangelização tem rosto de pobre: “Não podemos anunciar a Boa-Nova sem anunciar a libertação integral de toda opressão” (DT 47). A missão envolve solidariedade concreta e promoção humana: o amor que evangeliza é o mesmo que se compadece, defende e transforma.
    2. Os pobres são destinatários e, ao mesmo tempo, protagonistas e mestres da fé. Suas lutas e esperanças, muitas vezes expressas na piedade popular, revelam sabedoria evangélica. “Os pobres evangelizam-nos” (DT 52). A presença missionária nas periferias territoriais e existenciais é urgente: a cidade exibe contrastes dolorosos, e a Igreja deve ser sinal de esperança e casa aberta. Tantas comunidades, consagrados e leigos perseveram nesses lugares, testemunhando fidelidade ao Senhor.
    3. Dilexit Te insiste em traduzir o amor preferencial em estruturas e iniciativas concretas: “A missão evangelizadora, quando inspirada pelo Evangelho, transforma-se em serviço que liberta e compromisso que constrói” (DT 58). A Arquidiocese é chamada a fortalecer pastorais sociais e redes de solidariedade, articulando paróquias, vicariatos, movimentos e obras religiosas para responder às novas pobrezas — materiais, morais, espirituais e ambientais. Evangelizar os pobres implica compartilhar dores e esperanças, estar próximo e escutar. “O pior que pode acontecer à Igreja é perder a sua proximidade com o povo” (DT 63). A presença junto aos pobres é critério de autenticidade missionária: uma evangelização sem compromisso com a dignidade humana torna-se incompleta. “A Igreja evangeliza verdadeiramente quando se faz companheira dos pobres, serva dos últimos e voz dos que não têm voz” (DT 69).

     

    8.7 Evangelização dos jovens e cultura vocacional

    1. A juventude é dom para a Igreja e para o mundo. Os jovens trazem novidade, busca de sentido, alegria e desejo de transformar a realidade. Evangelizá-los é prioridade e oportunidade de renovação. Puebla já lembrava que “os jovens não são apenas o futuro, mas o presente dinâmico” (DP 1183). A pastoral juvenil precisa ser missionária, criativa e presente nos espaços dos jovens: escolas, universidades, ambientes digitais e ruas.
    2. Muitos participam ativamente da vida eclesial — crisma, coroinhas, cerimoniários, encontros, retiros, movimentos —, mas grande parte permanece distante. É necessário ir ao encontro nos contextos concretos, inclusive nas redes e nas periferias urbanas e laborais. A missão entre os jovens nasce do diálogo e da escuta: “escutar com o coração” (ChV 292), reconhecendo histórias singulares e imenso potencial de amor e serviço. A proximidade e a amizade evangelizadora conduzem ao encontro pessoal com Cristo.
    3. Toda pastoral juvenil é vocacional: ajuda o jovem a descobrir que sua vida é dom e missão. “A vocação é um chamado de amor que nos move ao serviço” (ChV 253). O Sínodo propõe fortalecer uma cultura vocacional integrada, para que cada jovem se saiba chamado à santidade, ao serviço e à missão. É preciso criar espaços de protagonismo juvenil: participação nas decisões, animação litúrgica, ações solidárias e missão nas periferias. Também urge formar animadores capazes de dialogar com a cultura contemporânea e acompanhar com ternura e firmeza. Evangelizar a juventude é evangelizar a esperança: a Igreja no Rio deseja ser mãe e amiga dos jovens, presença acolhedora e missionária. Jovens sendo evangelizadores de outros jovens nessa nossa grande cidade.

     

    8.8 Sinodalidade e corresponsabilidade missionária

    1. A Igreja é comunhão e missão. Sua vitalidade nasce do encontro com Cristo e se expressa na participação corresponsável de todos. “O caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio” (Francisco, Discurso na comemoração do 50º aniversário da criação do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015). O Sínodo reafirma: a sinodalidade é dimensão constitutiva da missão, não mero método. “A diversidade deve ser sempre harmonizada pelo Espírito; Ele é a harmonia” (EG 117). Quando a Igreja caminha unida, carismas e ministérios manifestam o único Corpo de Cristo e a missão ganha fecundidade.
    2. A corresponsabilidade brota do Batismo e da Confirmação e se alimenta da Eucaristia. “Todos têm o direito e o dever de participar na vida e na missão da Igreja” (Episcopalis Communio, 5). A Arquidiocese é convidada a uma cultura de participação, na qual decisões nasçam de discernimento comunitário e escuta recíproca. Isso se concretiza nos conselhos, assembleias e organismos de comunhão entre movimentos e novas comunidades. Superar clericalismo, personalismo e divisões internas é conversão necessária. Reuniões tornam-se encontros de fé; estruturas, espaços de serviço; divergências, ocasiões de discernimento. Uma Igreja sinodal e corresponsável é mais missionária. O estilo de reuniões inaugurado no Sínodo dos Bispos pelo Papa Francisco pode tornar nossas decisões abertas à escuta do Espírito Santo e não apenas uma simples votação.

    8.9 Espiritualidade missionária e piedade popular

    1. A missão brota da oração. O Espírito Santo faz da oração a alma da evangelização; o missionário evangeliza de joelhos, sustentado pela Palavra e pela intimidade com Deus. “Sem momentos prolongados de adoração […] as tarefas esvaziam-se de sentido” (EG 262). Essa espiritualidade impregna toda a vida eclesial, gerando alegria, gratidão e coragem.
    2. No Rio, a fé se expressa vigorosamente na piedade popular: novenas, procissões, promessas e festas dos padroeiros são momentos de intensa evangelização. Entre as manifestações mais significativas está a festa de São Sebastião, padroeiro da cidade e da Arquidiocese, com a sua Trezena e procissão, outras procissões e peregrinações que educam o povo para a coragem e a fidelidade. As muitas devoções marianas – o Santuário de Nossa Senhora da Penha e a peregrinação anual ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, realizada desde 1900– revelam a comunhão do povo do Rio sob o olhar da Mãe. A devoção a São Jorge, marcada pela alegria popular, bem como a tantas outras, mostra a riqueza espiritual da cidade. Longe de competir com a liturgia, tais expressões, bem acompanhadas, tornam-se caminhos de encontro com Deus e de caridade. Isso notamos pelo número de Santuários que existem e que crescem a cada época. Que sejam locais de evangelização e missão.
    3. A espiritualidade missionária, alimentada por essas expressões, leva a viver a fé com proximidade e ternura. Cabe às comunidades cuidar desses espaços, integrando-os à pastoral e valorizando seu potencial evangelizador: festas e romarias devem unir celebração, Palavra e compromisso solidário. O Sínodo propõe investir na formação espiritual de agentes e missionários para que sua ação seja prolongamento da oração. A piedade popular é tesouro e fonte de renovação missionária: o Espírito continua a agir no coração do povo, e a fé vivida com simplicidade é linguagem eloquente da evangelização.

     

    8.10 Uso evangelizador dos meios de comunicação e das redes sociais

    1. A missão da Igreja no mundo contemporâneo passa, de modo inevitável, pelos meios de comunicação. As novas tecnologias da informação transformaram profundamente as formas de relacionamento humano e criaram um novo espaço de convivência: o ambiente digital. Nele, milhões de pessoas – especialmente os jovens – buscam sentido, partilham experiências e constroem identidades. A Igreja, fiel ao mandato de Cristo, é chamada a estar presente também ali, com criatividade, sabedoria e espírito missionário.
    2. O Papa Francisco recorda que “as redes sociais podem favorecer as relações e a promoção do bem comum, se forem usadas com responsabilidade” (Mensagem para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2019: “Somos membros uns dos outros” [Ef 4,25]. Das comunidades de redes sociais à comunidade humana). Evangelizar nesse ambiente significa habitar as redes com a atitude de quem testemunha, dialoga e semeia o Evangelho com respeito e ternura. O ambiente digital não é apenas um meio, mas um novo continente missionário, onde a fé é chamada a encarnar-se e a dialogar com os desafios da cultura contemporânea.
    3. O Papa São Paulo VI, já na Evangelii Nuntiandi, afirmava que “a Igreja se sentiria culpada diante do seu Senhor se não utilizasse estes poderosos meios para anunciar o Evangelho” (EN 45). Desde então, o Magistério reconhece claramente o papel decisivo dos comunicadores e dos profissionais da mídia na missão evangelizadora. São João Paulo II reforçou essa ideia ao afirmar que “os primeiros areópagos do tempo moderno são o mundo da comunicação” (RM 37). É grande riqueza para a Arquidiocese a missão desempenhada pela Rádio Catedral, pelo jornal Testemunho de Fé, pela WebTv Redentor e pelos perfis na internet e nas redes sociais. Também o folheto litúrgico A Missa é importante expressão da comunhão, integrando na oração todas as nossas comunidades. Agradeço a todos que tornam possível tudo isso com sua unidade e partilha.
    4. A presença cristã no mundo digital deve ser luz e fermento, orientada por critérios evangélicos de verdade, caridade e respeito. O Papa Francisco adverte que “a comunicação autêntica não é apenas transmitir informações, mas criar vínculos” (Mensagem para o 57º Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2023: “Falar com o coração. A verdade na caridade” [Ef 4,15]). A evangelização nas redes, portanto, deve promover comunhão e esperança, evitando toda forma de agressividade, manipulação ou fake news.
    5. A missão digital não substitui o encontro pessoal, mas o prepara e o prolonga. Ela é um modo de aproximar corações e de testemunhar o Evangelho em um mundo interconectado. “Também na rede somos chamados a ser próximos, a partilhar, a escutar e a acompanhar” (ChV 87). Os meios de comunicação tornam-se, assim, instrumentos de evangelização quando colocados a serviço da verdade, da solidariedade e da construção do Reino de Deus.
    6. O Sínodo reconhece a importância de formar comunicadores missionários, que unam competência técnica, sensibilidade pastoral e maturidade espiritual. É necessário preparar agentes capazes de utilizar as mídias sociais, rádios, sites e canais digitais com linguagem acessível e inspiradora, transmitindo a fé de modo criativo e fiel ao Evangelho.
    7. A Arquidiocese do Rio de Janeiro é chamada a fortalecer e integrar cada vez mais suas iniciativas de comunicação – paróquias, vicariatos, pastorais, comunidades e movimentos – para que expressem, em unidade, o rosto missionário da Igreja. A missão digital deve refletir a comunhão e a alegria do Evangelho, com mensagens que irradiem fé, esperança e amor.
    8. O Papa Leão XIV recorda que a missão da Igreja é anunciar ao mundo a paz do Cristo Ressuscitado, levando esperança aos corações e aos lugares feridos pela guerra e pela indiferença. Ele exorta os discípulos missionários a estarem presentes também nos ambientes digitais, tornando-os espaços de encontro humano e testemunho do Evangelho. Diante da cultura tecnológica e do avanço da inteligência artificial, convida a promover um humanismo cristão, onde a tecnologia esteja a serviço da pessoa e da fraternidade. Pede ainda que se “consertem as redes”, transformando os meios digitais em laços de amor, solidariedade e verdade, capazes de curar feridas e aproximar os corações. Enfim, chama todos a enfrentar o desafio da comunicação responsável, vencendo o individualismo, as divisões e as fake news com a força unificadora e luminosa do Evangelho. Jesus “pede-nos hoje, que construamos outras redes: redes de relações, redes de amor, redes de intercâmbio gratuito, nas quais a amizade seja autêntica e seja profunda. […] Assim, cada história de bem compartilhada será o nó de uma única e imensa rede: a rede das redes, a rede de Deus” (Saudação aos influenciadores católicos e missionários digitais, 29 de julho de 2025). A missão comunicacional da Igreja é, portanto, mais que uma tarefa: é expressão da caridade missionária, que busca alcançar cada pessoa, também nas fronteiras da tecnologia e das novas linguagens.
    9. Conclusão
    10. Concluo estes compromissos com a oração do Papa Leão XIV na conclusão de sua carta pastoral “na unidade da fé”, que nos confirma no tema de nosso ano jubilar arquidiocesano que irá até novembro de 2026, “No Cristo, somos um para que todos sejam um” que é iluminado pelo lema, “Alegres na esperança, fortes na tribulação, perseverantes na oração e enviados em missão”:

    Santo Espírito de Deus, Vós guiais os fiéis no caminho da história.

    Nós vos agradecemos por terdes inspirado os Símbolos da fé e por suscitardes no coração a alegria de professar a nossa salvação em Jesus Cristo, Filho de Deus, consubstancial ao Pai. Sem Ele, nada podemos.

    Vós, Espírito eterno de Deus, de época em época rejuvenesceis a fé da Igreja. Ajudai-nos a aprofundá-la e a voltar sempre ao essencial para a anunciar.

    Para que o nosso testemunho no mundo não seja inerte, vinde, Espírito Santo, com o teu fogo de graça, para reavivar a nossa fé, para nos inflamar de esperança, para nos inflamar de caridade.

    Vinde, divino Consolador, Vós que sois a harmonia, para unir os corações e as mentes dos crentes. Vinde e dai-nos o prazer da beleza da comunhão.

    Vinde, Amor do Pai e do Filho, para nos reunir no único rebanho de Cristo.

    Mostrai-nos os caminhos a seguir, para que, com a vossa sabedoria, voltemos a ser o que somos em Cristo: uma só coisa, para que o mundo acredite. Amém.

     

     

    ORAÇÃO PELO II SÍNODO ARQUIDIOCESANO

     

    1. Senhor Jesus Cristo, nós vos agradecemos

    porque nos concedestes o imenso dom de vos conhecer

    e nos chamastes a ser vossos amigos.

     

    Com corações ardentes e transformados por vos encontrar na Palavra,

    na Santa Eucaristia e na comunhão fraterna,

    somos enviados por vós a todas as pessoas e nossos pés estão a caminho

    para testemunhar o amor que de vós recebemos

    e anunciar que estais próximo de todos os que vos procuram.

     

    Enche-nos de santa inquietação saber que há tantos irmãos e irmãs nossos

    que não têm a alegria de vos conhecer verdadeiramente,

    que não têm o consolo de pertencer a uma comunidade de fé

    e que caminham sem esperança.

     

    Queremos sair em missão,

    para testemunhar o amor misericordioso do Pai,

    anunciar vossa presença salvadora, de Filho amado,

    e o dom do vosso Espírito que a todos restaura e renova.

     

    Queremos viver em missão,

    para acolher a todos os que necessitam experimentar o vosso amor,

    descobrir o sentido da vida

    e experimentar o acolhimento fraterno.

    Assim, nossa experiência de fé poderá transbordar,

    para colaborar na renovação da sociedade a partir do vosso Evangelho.

     

    Abençoai, Senhor, nosso Segundo Sínodo Arquidiocesano!

    Renovai em nós o entusiasmo missionário!

    Fazei que sejamos comunidades fraternas e acolhedoras!

    Ajudai-nos a oferecer a todas as pessoas espaços atraentes

    para o encontro convosco e para a vivência da comunhão.

     

     

     

     

     

    PEREGRINOS DE ESPERANÇA

     

    1. Ao findar o ano do Jubileu da Esperança e publicando hoje as conclusões do nosso II Sínodo Arquidiocesano, depois de uma reflexão sobre a missão na igreja, os nossos olhos se voltam para o presente e o futuro.
    2. Com coração agradecido nesta Festa da Unidade louvamos a Deus por tantos dons e tantas graças recebidas nestes séculos de nossa caminhada eclesial nestas terras. De modo especial neste quinquênio que estamos por findar no próximo ano.
    3. Concluído o ano do jubileu em âmbito arquidiocesano continuamos com o jubileu de nossa arquidiocese que caminha dos 450 anos da prelazia para os 350 anos da Diocese, incluindo os 50 anos da transferência da atual Catedral para o espaço que ela ocupa hoje. Um sonho que se concretizou e que nos enche de alegria.
    4. Os textos acima, porém, nos incitam a olhar para frente. No próximo ano serão aprovadas, depois de muitos adiamentos, as novas Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE) que sempre nos serviram como base para a elaboração em Assembleia de nosso Plano de Pastoral.
    5. Nestes anos, depois do último Plano de Pastoral continuamos com várias programações que o nosso Vicariato para a Pastoral foi atualizando e não nos faltou direcionamento para a realização de nossos trabalhos. Temos uma direção, porém, com a valorização de todos os carismas e ministérios que ocorrem nessa nossa bela caminhada eclesial.
    6. Agora iremos nos preparar para, depois da publicação das novas diretrizes da CNBB começarmos o trabalho para a elaboração do nosso próximo Plano de Pastoral que deverá contar também com as conclusões do nosso II Sínodo Arquidiocesano, que com esta carta promulgamos e que já estão válidos para o direcionamento atual de nossa caminhada pastoral.
    7. São muitas frentes a serem trabalhadas e também a continuidade de muitos serviços que vemos ocorrer em nossa Arquidiocese. Sem dúvida, somos uma igreja dinâmica e que enfrentamos os desafios próprios de uma metrópole histórica como a nossa.
    8. Temos certeza de que o Espírito Santo que nos conduziu até aqui continuará a nos iluminar para o presente e futuro e fazendo de nossa vida um instrumento da paz nesta cidade, nesse belo e empenhativo trabalho de evangelização.
    9. Agradeço a todos os agentes de pastoral, bispos, padres, diáconos, leigos, ministros pelo empenho e pela unidade nessa árdua caminhada. Tenho certeza de que o Senhor nos conduz por esses caminhos complexos de uma realidade plural e difícil para a qual somos enviados em missão.
    10. Depois de um trabalho grande de um quinquênio que iremos concluir no próximo ano, da conclusão do II Sínodo Arquidiocesano e de um ano jubilar de esperança, o Senhor nos impulsiona para olhar a bela cidade e seus desafios e nos ilumina na missão.
    11. Com esperança renovada em Jesus Cristo, a esperança que não decepciona, convido a todos para estarmos unidos para os próximos desafios e caminharmos juntos nos caminhos do Senhor.
    12. Que Maria, a Senhora da Penha e o nosso padroeiro São Sebastião intercedam por todos nós e nos ajudem a servir com alegria ao querido povo desta cidade.

     

    São Sebastião do Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 2025

    Festa da Sagrada Família,

    conclusão diocesana do ano jubilar da esperança e

    13ª Festa da Unidade Arquidiocesana

     

    Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

    Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro

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