O rato e a ratoeira

    Negligenciar perigos é próprio da sociedade individualista, sem a visão do todo. Muitos seriam os fatos que aqui poderia narrar, provando essa atitude tipicamente humana, onde os problemas de um não interessam à grande maioria. Estes, que resolvam quem os têm. A mim, bastam os meus. Essa insensibilidade com a vida do outro é fonte de muitas desgraças comunitárias. Diria até serem motivadoras dos grandes conflitos pelos quais a humanidade já passou, pois que a indiferença ao sofrimento de um único membro pode proporcionar o colapso do organismo humano do qual fazemos parte. A dor de um exige sempre a solidariedade do outro. A fome, idem. A ameaça contra a vida, também. Assim, sucessivamente, tudo o que afeta um corpo vivo, afeta a saúde do corpo.
    Linguagem rebuscada de ativistas sociais – pode concluir alguém. Conversa de comunistas, diz outro. Ou visão utópica de pregadores religiosos, dirão muitos. Isso não me demove da ideia de abordar esse assunto, aqui de maneira generalizada, posto que esse diga respeito ao mundo em que vivemos. Recentemente, vimos o dirigente de uma Nação evoluída quebrar o trato que, a longas penas, se estabeleceu entre grande número de nações desenvolvidas. O pacto era: administrar com maiores responsabilidades nossas explorações dos recursos naturais que temos, baixando ao máximo as emissões de gases poluidores. Mas a prepotência de um dá as costas à preocupação da maioria. Será este um mastodonte indiferente à fragilidade dos muitos ratinhos ao redor?
    Explico a questão. Um ratinho, observando tudo o que o fazendeiro trazia para casa, surpreendeu-se com um artefato diferente. Uma ratoeira. Logo percebeu o perigo que esta representava para sua vida. Assustado, correu pela fazenda a anunciar a existência daquela ameaça. Uma ratoeira! O fazendeiro havia adquirido uma armadilha que lhe poderia ser fatal. A galinha desdenhou a ameaça. Que mal isso lhe poderia causar? O porco deu de ombros, concluindo ser este um problema dos ratos, não dos suínos. A vaca ironizou, pois poderia destruir a pequena armadilha com uma simples patada.  Abatido, o rato voltou para seu buraco. Então, naquela noite, ouviu-se o desarmar da ratoeira. Acordada com o barulho, a dona da casa correu a ver se finalmente se livrara de uma das ratazanas da casa. Mas não. Era uma infeliz cobra aprisionada pelo rabo, que se defendeu picando a mulher do fazendeiro. Esta foi logo hospitalizada, mas voltou febril. Para ajudar na sua convalescência, o fazendeiro matou a galinha e lhe preparou uma canja. Os amigos da família, solidários, vieram para uma visita à enferma. Foi preciso matar o porco para alimentar os amigos. Mas o veneno continuou sua ação maléfica e a mulher não resistiu. Para o velório, ao qual grande número de pessoas e familiares compareceu, foi preciso matar a vaca…
    Eis a fábula dos dias atuais. Estamos ironizando as ameaças contra a vida dos mais fracos; estamos negligenciando a responsabilidade coletiva, onde cada elemento tem seu valor e cada armadilha pode provocar uma hecatombe; pomos em risco não só a vida de um, mas de todos. Quando uma ratoeira se arma, a harmonia de uma casa se rompe. Diria Jesus: “Até agora falei a vocês através de comparações. Está chegando a hora em que não falarei mais”… (Jo 16, 25).
    NOTA: Já está nas livrarias meu último livro: LIDERAR NÃO É SUBJUGAR. Pode ser adquirido também pelo site www.editoraapartilha.com.br. Agradeço

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