Para pais cristãos é uma verdadeira dor ver que seus filhos se desviaram da prática religiosa ao se tornarem adultos. Como então acolhê-los e ajudá-los a voltar para Deus de forma que eles não queiram fugir?
Quando o seu filho mais velho completou 18 anos, ele devolveu sua Bíblia: “Mãe, não preciso mais disso tudo”. Alguns anos depois, sua filha mais nova cortou radicalmente os laços com a Igreja e suas acompanhadoras espirituais, sem nenhum motivo aparente. “Foi como uma punhalada, resume a mãe de 56 anos. Mas eu tenho que viver com isso”. “O que fizemos de errado? Se perguntam os pais cujos filhos foram criados na fé, mas distanciaram-se com o tempo. Como acreditar que Deus não significa mais nada aos olhos deles, quando na verdade ele é tudo? A culpa e as lágrimas aparecem por ter um filho afastado de Deus, como diz Louise, de 82 anos, com a voz trêmula: “Meu coração está partido. Meus quatro filhos pararam de praticar. Meus netos não ouvem mais falar de Deus”.
Além disso, os filhos que não querem mais seguir o Senhor geralmente pegam caminhos que preocupam seus pais. Alguns mergulham no materialismo e na busca por “sempre mais”. As duas filhas de Marie José, por exemplo, ambas de trinta e poucos anos, “vivem com seus namorados e não planejam ter um casamento religioso”, o oposto do que ela esperava para as filhas. “Como eles conseguem encontrar sentido para a vida? Sofro com isso, porque sei que não existe felicidade fora de Deus”, lamenta.
Essa situação se reflete nos momentos passados em família. Sem serem capazes de compartilhar sua fé, os pais regularmente se sentem em desacordo com seus próprios filhos. “Se falo de Cristo, eles se fecham e me mantêm à distância; se não digo nada, fico muito infeliz por não saber como compartilhar o único tesouro que poderia ajudá-los”, suspira Isabelle. Os pais começam a temer que seus filhos se afastem deles. “No Natal, eles sempre se organizam para ir para a casa dos sogros e assim evitar a missa da meia-noite conosco”, comenta Michel, aposentado de 64 anos.
Discuta a fé, mas evite cenários repetitivos com o filho afastado de Deus
Tantas histórias, quantas pessoas diferentes! Alguns não vão mais à missa aos domingos, mas não renunciaram sua fé no Senhor. Outros se perguntam sobre sua existência, mas ao mesmo tempo aceitam o olhar da Igreja; ter seus filhos batizados e catequizados não os incomoda. E então há aqueles que demonstram uma aversão violenta a Deus, à prática religiosa e à instituição.
Trazer esse assunto à tona em família não é nada fácil. Paradoxalmente, pode ser mais fácil abrir seu coração e falar sobre seu relacionamento com Cristo para estranhos, em vez de para aqueles próximos a você. Sob o mesmo teto, corremos o risco de repetir o mesmo cenário de oposição e discussão, onde cada um já sabe quais são os argumentos do outro. Será que os seus filhos estão realmente desejosos em saber e prontos para receber, ou fazem perguntas apenas para provocar? Nesse último caso, é melhor abreviar a conversa com um toque de humor, em vez de se envolver em uma retórica estéril. Invocar o Espírito Santo nos ajuda a nos conter e encontrar as palavras certas para que possamos nos posicionar, mesmo que seja para exigir respeito mútuo. De qualquer maneira, os não devem se omitir, como recomendado por Marie-Madeleine Martinie, autora de Comunicação em Família (em tradução livre). Mesmo que eles se sintam indignados com sua opinião, ela incentiva a banir qualquer sinal de desaprovação e no lugar adotar uma abordagem atenciosa e acolhedora.
Existem coisas que são difíceis de crer, de compreender com a razão. E existem ainda dificuldades existenciais, muitas vezes implícitas. Os jovens geralmente repetem as objeções veiculadas pela sociedade: o fato de o mal existir no mundo, a permissão do casamento para padres, a Igreja “homofóbica”, tudo isso passa pela cabeça deles. Por trás dessas críticas, muitas vezes se escondem razões que se relacionam com o sentido da vida. E a “pedra de tropeço” costuma ser a moral sexual defendida pela Igreja. Aos olhos deles, isso os impede de viver da maneira que desejam. Desse ponto até rejeitar totalmente a fé, basta um pulo.
Outros motivos os levam a questionar sua crença. Seja a morte que não conseguem aceitar, uma oração que acreditam não ter sido atendida, um sofrimento pelo qual responsabilizam Deus, testemunhos de outros católicos, dentre outros. A lista é longa para o filho afastado de Deus! Responder a essas objeções envolve reflexão real, até mesmo algumas pesquisas. Não entre em pânico se não conseguir responder assim que a pergunta for feita. Você pode dizer: “Você está fazendo uma pergunta interessante, outros já se perguntaram sobre isso. Vou pesquisar a respeito e podemos voltar a conversar”. Tenha cautela, pois seus filhos adultos não se contentarão com uma resposta como “a Igreja diz que é assim”. Daí a importância de desenvolver uma reflexão em nome do direito natural e da busca da felicidade. Nesse sentido, a filosofia realista – tomista ou aristotélica – nos fornece uma ajuda preciosa.
A primeira prioridade: acolher o filho afastado de Deus
Quando falar sobre religião e sobre as nossas convicções já não é mais possível “é difícil ficar calada!”, sorri Claire. “Cometi erros por perder oportunidades de ficar calada. Quanto mais velhos ficamos, mais percebemos isso. O cansaço e o medo são péssimos conselheiros”. Quando o tom da discussão aumenta, alguns pais se deparam com comentários amargos e críticas sobre a Igreja. Assim, precisam seguir um verdadeiro caminho de humildade e privação. Nessas condições, é importante manter o vínculo e mostrar o seu amor através de gestos, atenção, compaixão. Muitas vezes, uma rejeição violenta pela Igreja esconde uma ferida. Mesmo os pais não são capazes de conhecer tudo sobre o interior dos filhos. Claire recentemente teve a oportunidade de mostrar toda sua ternura maternal para com sua filha de trinta e poucos anos. Após um momento de depressão, ela me confessou que havia feito um aborto há dez anos. “A terra se abriu sob meus pés! Como ela conseguiu ter sofrido tanto sozinha?”
“Amor e verdade”: difícil manter estes dois princípios! Marie-Paule Mordefroid, formada em psicologia, lembra a importância de distinguir entre a pessoa e suas ações: “demonstrar amor incondicional por seu filho ou filha não impede que você discorde de algumas de suas escolhas. No passado, um filho em pecado (divorciado ou homossexual, por exemplo) era repudiado, o que o reduzia ao seu ato. Hoje, o problema é ir ao extremo oposto: por medo de perder o relacionamento com o filho ou filha, os pais não se deixam mais dar a sua opinião quanto aos atos dos filhos.
Como acolher seus próprios filhos, cujas escolhas de vida vão contra seus valores mais profundos? Para namorados que moram juntos, por exemplo, deveríamos preparar um quarto para os dois ou quartos separados? “Nesta área ainda estamos tateando! Exclama o Padre François Potez. “Tudo depende das tradições e personalidades de cada família. Não existe regra absoluta, exceto a regra da misericórdia, que anda junto à justiça. “Em vez de tomar uma decisão precipitada, na véspera de recebê-los, ele sugere que os pais estabeleçam um diálogo: “Quem é esta pessoa para você? Estamos felizes em recebê-lo e conhecê-lo. Mas como não o consideramos seu marido/mulher, não achamos que é bom que durmam juntos”.
Filho afastado de Deus: hierarquia na caridade
Há uma hierarquia na caridade que consiste, em primeiro lugar, em proteger aquele que está em construção. Sobrinhos e sobrinhas, especialmente aqueles que tem em torno de 10-14 anos, precisam de referências sólidas. Portanto, tratar da mesma forma casais que moram juntos, noivos ou casados equivale a apresentá-los a uma situação de relativismo absoluto. Quando a situação surgiu, Michel, pai de quatro filhos na casa dos trinta, preferiu expressá-la claramente ao casal, antes de oferecer um quarto para os dois. “Mostramos a nossa opinião de que aquela situação não era normal para nós. E aproveitamos para testemunhar a felicidade que é se casar”. Por fim, os jovens agradeceram pela acolhida. Morar juntos, casamentos de segunda união… Em cada realidade os pais devem levar em conta a estabilidade do casal; por exemplo, quando um bebê está a caminho, isso demonstra que eles tem vontade que o relacionamento dure.
“Não é porque seu filho se afastou da Igreja que ele perdeu os seus valores”, insiste Marie-Paule Mordefroid, que incentiva os pais a “valorizar seus valores”. Michel concorda: “Meu irmão mais novo, talvez o mais categórico em sua recusa à Igreja, decidiu não batizar a sua filha. Por outro lado, ele é uma pessoa muito altruísta e se dedica à Cruz Vermelha”. Da mesma forma, o padre Claude Courtois nos convida a distinguir entre fé e prática religiosa: “Conheço um jovem casal que se apresentava como não crente. Ambos foram criados por pais cristãos. Quando foram ter o terceiro filho, recusaram o aborto médico aconselhado por seu médico e optaram por ter o bebê. Não devemos rotular as pessoas”. Só Deus sonda os corações.
Reconhecer-se imperfeito, sem desespero
Cuidado com a “overdose religiosa” perante aquele filho afastado de Deus, quando toda a programação gira em torno de coral, aconselhamento pastoral e reuniões paroquiais. “Coloque Deus no centro da sua vida, sem descuidar dos outros círculos de relacionamentos!”, Recomenda o padre Ludovic Lécuru, autor de Transmitir a fé na família (em tradução livre). Não ignore a importância das atividades comuns, construa outros centros de interesse, e busque se interessar por aquilo que seus filhos gostam de fazer. Na mesma linha, é melhor evitar dar um ícone ou um terço em comemoração ao aniversário de um neto. “O Senhor é muito mais convincente do que todos esses estratagemas!”, acrescenta.
Mesmo que aqueles que rejeitam a Igreja apontem facilmente as falhas dos cristãos, não entre neste jogo do perfeccionismo. “Quando pensamos que devemos ser exemplos, tendemos a nos colocar em uma luz favorável e esconder nossas sombras. Porém, para transmitir a fé, é preciso ser absolutamente honesto”, garante o beneditino Odilo Lechner em seu livro Avós, transmitam a sua fé (em tradução livre). Para os pais, isso significa saber reconhecer seus erros e pedir perdão por eles. Simplesmente diga que ainda não alcançaram a santidade que aspiram. Quão longo é ainda o caminho da coerência e da humildade, para silenciar as críticas ao pároco, à missa, aos nosso próximo! Michel sublinha esta necessidade permanente de conversão: “Apesar da nossa vontade de ler, de pensar, de rezar, vivemos como aqueles que não conhecem a Deus: preocupados com o dia seguinte, com o carro, com os pequenos estresses do quotidiano”. No entanto, não espere até se considerar “perfeito” para começar a dizer o que é certo e o que faz um homem feliz – corremos o risco de ficar em silêncio por muito tempo! A graça do Senhor alcança as nossas fraquezas.
Amar, mas também testemunhar com delicadeza
O Irmão Roger de Taizé exortou “a falar de Deus apenas quando nos for pedido, mas a viver da forma como nos é pedido”. Longe de uma moral estreita, viver como um cristão amoroso e alegre torna o testemunho de fé verdadeiro. Assim, pais cujos três filhos, de 17 a 21 anos, rejeitaram a prática religiosa, passaram a dar uma atenção especial a voltarem da missa felizes, apaixonados. Depois de dois anos de perseverança, os filhos voltaram à Igreja. Através da paz, da alegria, da bondade que irradiam, os pais mostram o amor de Deus. “Vamos encarnar a nossa fé”, continua o Padre Lécuru. O testemunho vem por meio de palavras e exemplos”.
Cabe aos pais decidir quando calar e quando falar perante o filho afastado de Deus. Aos quatro filhos casados, Michel não hesita em enviar alguns sinais, como um provérbio ou versículo bíblico colocado em cada prato na Páscoa. Com os netos, é mais fácil testemunhar de sua fé. Quando os recebem nas férias, recitam com eles a oração da noite, contam as “histórias de Jesus” que eles sempre pedem antes de irem dormir. Respondem às suas perguntas, especialmente sobre a morte e a vida após a morte, quando os pais respondem evasivamente. Esta evangelização só é possível com uma condição: com o consentimento dos pais. Não deixe os avós tomarem seu lugar e, claro, não menospreze suas escolhas. Assim, Yvette propôs a sua filha, que está criando seu filho sozinha, que o conduzisse no despertar para a fé. “Ela aceitou. Se ela tivesse recusado, eu teria respeitado a sua escolha. Mesmo que isso signifique voltar ao assunto mais tarde!” Da mesma forma, quando a pequena pediu o batismo aos 6 anos, ela explicou à filha: “Eu poderia te responder, mas essa é uma decisão sua”.
Apegue-se à oração, aja pela confiança e conversão
“Meu drama é que, mesmo que eu tenha tentado transmiti-los a fé, eles não conseguiram encontrar a Deus”, lamenta Patrick, divorciado, pai de dois filhos e catequista há trinta anos. “Parece que meus filhos mantiveram da fé apenas os rituais”. Mas Deus se revela de todas as formas. No devido tempo, ele soube tocar Maria Madalena pecadora, Paulo perseguidor ou mesmo o rebelde Agostinho. Existem mil maneiras de se manifestar, e uma certeza: ele escolhe a maneira mais adequada para cada pessoa! E a deixa livre para responder.
Os pais não podem interferir neste ato de amor pessoal com Cristo. Apenas reze sem cessar pelo filho afastado de Deus, como Louise, cuja oração se eleva constantemente: “Noite, dia, rogo a Nossa Senhora. Peço a seus anjos da guarda que os visitem, que os acompanhem. Eu os coloco no coração de Deus”. Outros oram para que seus filhos encontrem pessoas de fé em seu caminho. “Eu gostaria de ser uma testemunha, mas não consigo. Não cabe mais a mim, admite Maria José. Oro para que ele encontre amigos de fé. “O Senhor sempre dá apoio nos momentos de prova, não nos deixa seguir em frente sozinhos”, consolou Claire, que renova suas energias no grupo de oração de mães e conta com o apoio da cunhada.
“Compartilhar o seu sofrimento é uma graça e nos alivia”, confirma gentilmente a octogenária Luísa, que reza o terço toda semana na companhia de alguns aposentados de sua cidade. Como Claire percebeu, é sua própria relação com Deus que deve crescer, por meio da adoração, da missa, dos sacramentos. “Viver em intimidade com o Senhor ajuda a suportar essa grande provação”, diz Louise. “Também me faz perceber o sofrimento de Cristo, que vê seu amor recusado por muitos”. E os leva a colocar o olhar de Deus sobre seus filhos, entrando na paciência de Cristo. Quanto mais alguém recebe a misericórdia de Deus para consigo mesmo, menos tem dúvida de sua misericórdia para com seus filhos e filhas. “Cabe aos pais manter a fé no Espírito Santo”, conclui Marie-Paule Mordefroid. “Ele tem habitado seus corações desde o batismo. Só ele pode guiá-los a partir de seu interior, sem forçá-los. “
“Acima de tudo, mantenha a esperança!” encoraja o padre Claude Courtois. Deus vê melhor os corações do que nós. Ele não abandona seus filhos, eles nunca estão perdidos. Foi assim que Jesus cuidou da mulher samaritana, restaurando sua dignidade e sua fé. “Mesmo que Louise não esconda suas lágrimas, ela mantém sua confiança intacta: “As orações e lágrimas não são em vão, pois nada é impossível a Deus. Ele não nega a uma mãe a salvação de seus filhos, pois foi para isso que ele entregou o seu próprio Filho!” Maria José mostra a mesma opinião: “Tenho a impressão de que perdi tudo. Mas confio no Senhor. Plantei as sementes e peço-lhe que regue para que as minhas flores desabrochem”. Pois, se cabe aos pais semear, só Deus sabe o tempo da colheita.