Padre Denilson Geraldo, SAC, é professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP e membro da Cátedra André Franco Montoro de DIreito da Família da PUC-SP.
As Conferências do Episcopado Latino-Americano e do Caribe apresentam, de Medellín a Aparecida, a dimensão profética da Igreja doméstica que se exprime no anúncio do Evangelho e na denúncia das injustiças sofridas, principalmente contra as mulheres. O II Simpósio Internacional de Teologia da PUC-SP, na mesa temática apresentada no campus Santana, refletiu sobre a centralidade da mulher para a configuração da família e sua desconfiguração pela violência.
O fundamento da abordagem encontra-se no conceito de pessoa como imagem e semelhança de Deus e no reconhecimento de sua dignidade. As denúncias do CELAM se fazem diante das diversas formas de violência, principalmente contra a mulher pobre, ainda mais vulnerável. Estudos apontam que a violência não é um fenômeno somente da miséria material, mas se relaciona com os determinantes sociais ao qual a mulher pertence e onde a relação de dominação sobrepõe-se à de amar, ou seja, a violência doméstica encontra-se em todas as classes sociais. A família, que representa um lugar de refúgio e segurança torna-se, para muitas mulheres, o local da vulnerabilidade, destacando-se o problema do machismo. A família, como Igreja doméstica profética, não pode deixar de fazer a denúncia das situações de violência.
A prática de Jesus foi decisiva para ressaltar-se a dignidade da mulher e seu valor insubstituível. A figura de Maria, discípula por excelência entre os discípulos, é fundamental na recuperação da identidade da mulher e de seu valor na vida eclesial, familiar, cultural, social e econômica, criando espaços e estruturas que favoreçam sua participação. O anúncio dessa boa nova será sempre proclamado pela família.
De fato, é necessário superar a mentalidade que ignora a novidade do cristianismo, no qual se reconhece a identidade da mulher e torna-se urgente à Pastoral Familiar a necessidade de uma escuta qualificada do clamor, muitas vezes silenciado pela violência de mulheres submetidas a muitas formas de exclusão. A escuta qualificada significa a urgência em preparar pessoas para acolher as vítimas, especialmente aqueles que trabalham na secretaria paroquial e na Pastoral Familiar, proporcionando uma acolhida em situação de extrema vulnerabilidade.
Acolher é o primeiro passo para ajudar a vítima de violência a readquirir a autoestima e a coragem para falar sobre o que se passa na intimidade do lar, superando a vergonha familiar e social. O acolhimento na comunidade paroquial faz a pessoa retornar porque sabe que, se acontecer novamente a violência, não será julgada ou debochada. Do mesmo modo, o sacerdote no Sacramento da Penitência saberá acolher a pessoa enfraquecida pela situação doméstica e ajudará a própria vítima a adquirir forças para tomar decisões que coloquem fim à violência doméstica. A acolhida é sinal de uma Igreja paroquial em saída, de uma verdadeira opção pelos pobres. Oferecer uma formação qualificada de acolhimento às vítimas de violência pode ser uma excelente contribuição da Pastoral Familiar diocesana às comunidades.
O desejo de estar e viver em família faz parte da natureza humana, como uma verdadeira ecologia humana, abrindo espaço para um efetivo profetismo da Igreja doméstica. A família é o rosto visível e concreto do Mistério da Igreja, “Sacramento de salvação” no mundo. É a célula viva da sociedade e da Igreja, lugar privilegiado no qual os batizados têm a possibilidade de fazer uma experiência concreta do encontro com Cristo e da sua dimensão profética. A mulher tem uma centralidade para a configuração da família, mas a violência doméstica desconfigura essa comunidade de vida e amor.
Jornal “O São Paulo”, edição 3120, 21 a 27 de setembro de 2016.
Fonte: Núcleo da Fé e cultura