“O povo da Síria vive sem dignidade nem confiança”, diz Arcebispo de Homs

Apesar das condições muito difíceis na Síria no momento, e do medo do futuro, o Arcebispo Jacques Mourad acredita que o levantamento das sanções trará uma nova esperança

A situação na Síria continua a ser de extrema pobreza e incerteza, com muitas famílias cristãs ainda tentando deixar o país, diz o Arcebispo sírio-católico de Homs, Jacques Mourad. De acordo com o Arcebispo, a recente substituição do regime de Bashar al-Assad por um com raízes muçulmanas fundamentalistas gerou suspeitas entre os diferentes grupos étnicos e religiosos do país. 

“O povo da Síria vive sem dignidade e sem confiança uns nos outros, no governo e na comunidade internacional. Isso se tornou um grande peso sobre os ombros do povo”, disse o Arcebispo Jacques Mourad, durante a coletiva de imprensa online organizada pela Fundação Pontifícia ACN – Ajuda à Igreja que Sofre, nesta semana. 

Falando da Síria, o prelado explicou que, embora o governo tenha feito muitos gestos conciliatórios em relação à comunidade cristã e outras minorias religiosas, a presença nas ruas de milícias salafistas fortemente armadas ainda gera muita inquietação. 

“Para o povo sírio é estranho, é estranho para eles e para suas tradições, eles nunca foram confrontados por uma forma tão rígida de Islã, é estranho para eles, e há um certo desconforto social.” 

De acordo com o Arcebispo Mourad, até mesmo muitos sunitas – a religião majoritária na Síria – suspeitam dos militantes que vagam pelas ruas. “Na história da Síria nunca houve apenas uma religião, sempre houve diversidade. Este é um lugar de encontros, onde todas as civilizações e religiões se encontram. Nossos vizinhos sunitas nos dizem que não estão felizes com este novo regime, e dizem isso aos outros, mas entre eles há medo, porque para os salafistas, se os sunitas não estão na mesma página, eles são considerados blasfemadores e a consequência da blasfêmia é a morte. 

Apesar da atmosfera pesada, o Arcebispo explica que não se pode dizer que os cristãos estão sendo perseguidos no momento na Síria. Em vez disso, diz ele, o fato de a aplicação regional das regras fundamentalistas diferir leva a um sentimento de insegurança. 

“O país está um caos, porque não há normas comuns. Por exemplo, no verão costumamos levar nossos jovens para acampamentos de verão perto da costa, mas este ano não vamos fazê-lo, porque estamos preocupados com a reação das novas autoridades nessas áreas, porque para eles a convivência entre rapazes e moças não é considerado normal, embora para nós seja. Mas, por outro lado, em maio, tivemos nossas tradicionais procissões de rua em honra de Nossa Senhora, sem problemas”. 

Êxodo e esperança

Diante dessa realidade, muitos cristãos continuam tentando deixar o país. Enquanto antes eram principalmente jovens que tentavam fugir para o exterior, para evitar o serviço militar, o Arcebispo Mourad diz que agora são as famílias que não querem que seus filhos cresçam em um país onde as ruas são patrulhadas por milícias salafistas. No entanto, ele diz que há esperança no horizonte, em um momento em que se fala em suspender as sanções que paralisam a economia síria há mais de uma década. 

“As sanções tiveram um efeito terrível sobre o povo da Síria. Após a mudança de regime, a maioria das pessoas perdeu seus empregos e agora não tem meios de sobrevivência. Todos os dias as pessoas vêm até mim em busca de dinheiro para comprar pão. Este é o nível que atingimos. A maioria das pessoas não tem o suficiente para pagar pelo aquecimento. Tornou-se muito caro.” 

“Se a decisão de remover as sanções for adiante, haverá trabalho, possibilidade de mudar e melhorar os meios de subsistência e oportunidades, e esperamos que as pessoas recebam salários novamente”, diz o Arcebispo, que acredita que, com melhores oportunidades econômicas, a inclinação para a violência e a vingança diminuirá, levando a um futuro melhor para todos. 

Enquanto isso, explica ele, a Igreja continua a ser uma das únicas fontes de esperança para muitos cristãos e outros sírios que se beneficiam da ajuda. “Em nome de todos os sírios, e especialmente dos cristãos, somos extremamente gratos à ACN e seus benfeitores, por nos ajudarem a ajudar os sírios a sobreviver a este tempo de fome, sede e falta de tudo”. 

Agora, diz ele, é hora de olhar para o futuro, e sua visão inclui uma Igreja trabalhando para melhorar o país. “Sentimos a responsabilidade de construir um futuro para o nosso país. Queremos participar e compartilhar isso.” 

Em relação às necessidades específicas dos cristãos, ele aponta para a construção de casas, hospitais e escolas. “Penso que a Igreja deve participar disso, e a melhor maneira é organizar e apoiar grandes projetos que possam dar aos cristãos empregos, trabalho e coragem. Ajudar os jovens cristãos que querem se casar, sustentar e encorajar as famílias, apoiar hospitais e escolas para as comunidades cristãs, e encorajar aqueles que partiram a voltar, porque se virem oportunidades de trabalho, isso pode encorajá-los a voltar”. 

O otimismo do Arcebispo diante de desafios assustadores está, explica ele, enraizado em sua própria história pessoal. Em 2015, ainda monge, ele foi sequestrado e mantido em cativeiro pelo grupo Estado Islâmico por vários meses, antes de recuperar sua liberdade. Com essa experiência, ele diz que não teme o que o futuro reserva na Síria. “Para alguém como eu, que experimentou a liberdade interior por causa do meu cativeiro, não há nada agora que me aprisione. Nada me coloca em um estado de vulnerabilidade. Contemplo minha vida e vejo que ela está nas mãos de Deus, e tenho certeza de que Ele está me guiando. Aquele que fez esse milagre por mim e me deu o milagre de me devolver à liberdade permanece ao meu lado. Vejo isso por mim e por todos, inclusive pela presença dos cristãos e da Igreja na Síria”.

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