O Papa: uma Teologia apenas de homens é uma Teologia pela metade

Francisco recebeu em audiência os participantes do Congresso Internacional sobre o Futuro da Teologia, organizado pelo Dicastério para a Cultura e a Educação. Segundo o Papa, “há coisas que só as mulheres intuem e a Teologia precisa da sua contribuição”. Ele fez um apelo para que esta disciplina, “luz” que faz emergir o Evangelho, possa ser “acessível a todos” e ajude a “repensar o pensamento” num mundo complexo.

Mariangela Jaguraba – Vatican News

O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta segunda-feira (09/12), na Sala das Bênçãos, no Vaticano, os participantes do Congresso Internacional sobre o Futuro da Teologia organizado pelo Dicastério para a Cultura e a Educação.

O Pontífice manifestou satisfação por professores, pesquisadores e reitores, provenientes de várias partes do mundo, terem se reunido para refletir sobre “como herdar o grande patrimônio teológico das gerações passadas e imaginar o futuro”.

Francisco disse que quando pensa na Teologia, vem à sua mente a luz. “Graças à luz, as coisas emergem da escuridão, os rostos revelam os seus contornos, as formas e as cores do mundo aparecem finalmente. A luz é bela porque faz com que as coisas apareçam, mas sem se exibir”, disse ele.

Foto de grupo do Papa com alguns participantes do congresso sobre o futuro da Teologia
Foto de grupo do Papa com alguns participantes do congresso sobre o futuro da Teologia

A Teologia faz um trabalho escondido e humilde

“Agora, aqui, admiramos esta sala, vemos nossos rostos, mas não percebemos a luz, porque ela é discreta, é gentil, é humilde e, portanto, permanece invisível”, disse o Papa, acrescentando:

“Assim também é a Teologia: ela faz um trabalho escondido e humilde, de modo que a luz de Cristo e seu Evangelho possa emergir.”

A partir dessa observação, surge para vocês um caminho: buscar a graça e permanecer na graça da amizade com Cristo, a verdadeira luz que veio a este mundo. Toda Teologia nasce da amizade com Cristo e do amor por seus irmãos, suas irmãs, seu mundo; este mundo, dramático e magnífico ao mesmo tempo, cheio de dor, mas também de beleza comovente.

A Teologia precisa da contribuição das mulheres

O Papa convidou os participantes do Congresso Internacional sobre o Futuro da Teologia a se fazerem as seguintes perguntas: Teologia, onde você está? Com quem você está caminhando? O que está fazendo pela humanidade? “Esses dias serão importantes para abordar essas questões, para perguntar se a herança teológica do passado ainda pode dizer alguma coisa aos desafios de hoje e nos ajudar a imaginar o futuro. Este é um caminho que vocês são chamados a percorrer juntos, teólogos e teólogas”, disse ainda Francisco.

Um momento da audiência
Um momento da audiência

A seguir, o Papa recordou uma passagem do Segundo Livro dos Reis que diz que “durante a restauração do Templo de Jerusalém, foi encontrado um texto, talvez seja a primeira edição perdida de Deuteronômio. Um sacerdote e alguns estudiosos o leram; até o rei o estudou; eles intuem algo, mas não o entendem. Então o rei decide entregá-lo a uma mulher, Hulda, que imediatamente o entende e ajuda o grupo de estudiosos – todos homens – a entendê-lo”, sublinhou o Papa.

“Há coisas que só as mulheres intuem e a Teologia precisa da sua contribuição. Uma Teologia apenas de homens é uma Teologia pela metade. Ainda há um longo caminho a percorrer neste sentido.”

A seguir, o Papa entregou-lhes um desejo e um convite.

“O desejo é que a Teologia ajude a repensar o pensamento. O nosso modo de pensar, como sabemos, também molda nossos sentimentos, nossa vontade e nossas decisões. Um coração amplo corresponde a uma imaginação e um pensamento amplos, enquanto um pensamento retraído, fechado e medíocre dificilmente pode gerar criatividade e coragem”, disse Francisco.

O Papa recordou os livros didáticos de Teologia que eram usados para estudar. Disse que eram “todos fechados, todos parecidos com museus, com bibliotecas, mas não faziam pensar”.

Curar a simplificação

Segundo o Pontífice, “a primeira coisa a fazer, para repensar o pensamento, é curar a simplificação. De fato, a realidade é complexa, os desafios são variados, a história é habitada pela beleza e, ao mesmo tempo, ferida pelo mal, e quando não se consegue ou não se quer lidar com o drama dessa complexidade, facilmente se tende a simplificar”.

“Mas a simplificação, no entanto, quer mutilar a realidade, dá origem a pensamentos estéreis e, pensamentos unívocos, gera polarizações e fragmentações.”

Assim fazem, por exemplo, as ideologias. A ideologia é uma simplificação que mata: mata a realidade, mata o pensamento, mata a comunidade. As ideologias achatam tudo numa única ideia, e depois a repetem de forma obsessiva e instrumental, superficial e como papagaios.

De acordo com o Papa, “um antídoto contra a simplificação é indicado na Constituição Apostólica Veritatis gaudium: interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Trata-se de fazer “fermentar” a forma do pensamento teológico junto com a de outros conhecimentos: filosofia, literatura, artes, matemática, física, história, ciências jurídicas, políticas e econômicas. Deixar fermentar o conhecimento, porque são como os sentidos do corpo: cada um tem a sua especificidade, mas precisam um do outro, segundo também diz o apóstolo Paulo: «Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se tudo fosse ouvido, onde estaria o olfato?»”.

Papa Francisco durante audiência na Sala das Bênçãos
Papa Francisco durante audiência na Sala das Bênçãos

Francisco recordou que “este ano celebramos o 750º aniversário da morte de dois grandes teólogos: Santo Tomás de Aquino e São Boaventura. Tomás lembra que não temos apenas um sentido, mas múltiplos sentidos, e sentidos diferentes, para que a realidade não nos escape. E Boaventura afirma que, na medida em que alguém «acredita, espera e ama Jesus Cristo», «recupera a audição e a visão, o olfato, o paladar e o tato»”. “Ao ajudar a repensar o pensamento, a Teologia voltará a brilhar como merece, na Igreja e nas culturas, ajudando todos e cada um na busca da verdade”, disse ainda o Papa.

Uma Teologia acessível a todos

A seguir, Francisco fez um convite: que a Teologia seja acessível a todos. Segundo o Pontífice, “há alguns anos, em muitas partes do mundo, existe um interesse entre os adultos em retomar a sua formação, incluindo a formação acadêmica. Homens e mulheres, especialmente de meia-idade, talvez já formados, desejam aprofundar a sua fé, querem fazer um caminho, muitas vezes matriculam-se numa faculdade universitária. E este é um fenômeno de crescimento. É também um fenômeno em crescimento que merece o interesse da sociedade e da Igreja”.

“A meia-idade é uma época especial da vida. É uma época em que geralmente se goza de uma certa segurança profissional e solidez emocional, mas também é uma época em que os fracassos são sentidos com maior dor e novas questões surgem à medida que os sonhos juvenis desmoronam. Nesta fase é possível sentir uma sensação de abandono e, às vezes, a alma se bloqueia. É a crise da meia-idade. Sente-se a necessidade de retomar uma busca, talvez tateando, talvez sendo segurado pela mão, e a Teologia é esta companheira de viagem”, disse ainda o Papa, concluindo:

“Se alguma dessas pessoas bater à porta da Teologia, das escolas de Teologia, por favor, encontre-a aberta.”

Façam com que estas mulheres e homens encontrem na Teologia uma casa aberta, um lugar onde possam retomar o caminho, onde possam procurar, encontrar e procurar novamente. Preparem-se para isso. Imaginem coisas novas nos programas de estudo para que a Teologia seja acessível a todos.

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