A Igreja tem os tribunais para julgar as causas que lhe são apresentadas pelos fiéis. Isso acontece tanto nas Dioceses como na Santa Sé, em Roma. Anualmente, o Papa abre o ano judiciário recebendo a “Rota Romana” e proferindo um discurso programático. Foi o que aconteceu no final de janeiro último. E o assunto é o do ano: a questão do matrimônio.
O Papa Francisco recebeu no dia 22 de janeiro, em audiência, o Decano, os Prelados Auditores, os oficiais e os colaboradores do Tribunal Apostólico da Rota Romana por ocasião da inauguração do ano judiciário de 2015. Em seu discurso, o Pontífice focou o contexto humano e cultural no qual se forma a intenção do matrimônio. Ele ressaltou que a crise de valores na sociedade não é um fenômeno recente, e lembrou que há quarenta anos o Beato Paulo VI já apontava as doenças do homem moderno.
O Santo Padre mostrou que o Beato Papa Paulo VI assinalava que essas doenças faziam com que o homem ficasse “às vezes vulnerável por um relativismo sistemático, que o inclina para as escolhas mais fáceis da situação, da demagogia, da moda, da paixão, do hedonismo, do egoísmo, de modo que busca impugnar ‘a majestade da lei’ e, exteriormente, quase sem se dar conta, substituiu o império da consciência moral pelo capricho da consciência psicológica”.
O Papa destacou o papel do juiz chamado a realizar uma análise judicial quando existem dúvidas sobre a validade do casamento “para determinar – disse – se existe um defeito de origem do consentimento, seja diretamente por falta de válida intenção, ou por um sério déficit na compreensão do próprio matrimônio que determine a vontade. A crise do casamento, de fato – continuou –, é realmente a crise do conhecimento iluminado pela fé, ou seja, pela adesão a Deus e ao seu plano de amor realizado em Jesus Cristo”.
“A experiência pastoral nos ensina que agora existe um grande número de fiéis em uma situação irregular, cuja história foi fortemente influenciada pela mentalidade mundana generalizada”. De fato, existe uma espécie de mundanismo espiritual, escondendo-se por trás das aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja, e que conduz a busca, no lugar da glória do Senhor, bem-estar pessoal. Um dos frutos dessa atitude é uma fé fechada no subjetivismo, quando apenas interessa uma experiência particular ou uma série de argumentos e conhecimentos que creem que podem consolar e iluminar, porém, onde o sujeito permanece fechado, bloqueado na imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos. Por isso, o juiz, ao ponderar a validade do consentimento expresso, deve considerar o contexto de valores e de fé – ou da sua carência ou ausência –, no qual a intenção matrimonial se formou. Na verdade, o não conhecimento dos conteúdos da fé poderia levar àquilo que o Código chama erro determinante da vontade (cf. cân. 1099).
Francisco exortou os juízes a um maior empenho e paixão em seu ministério, “que sirva para salvaguardar a unidade da jurisprudência na Igreja, como trabalho pastoral para o bem de muitos casais e muitos filhos, muitas vezes vítimas desses eventos. Mais uma vez, precisamos de uma conversão de estruturas eclesiásticas pastorais para fornecer a “opus iustitiae” a todos os que procuram a Igreja, para que esta ilumine sua situação conjugal. Esta é a vossa missão difícil: Não fechar a salvação das pessoas dentro dos limites do legalismo”.
Neste contexto, o Papa insistiu, antes de concluir a necessidade da presença de pessoas competentes em cada Tribunal Eclesiástico para prestar assistência e aconselhamento sobre a possibilidade de introduzir uma causa de nulidade do matrimônio. “Esperando que em todos os tribunais estejam presentes estas figuras para facilitar o acesso efetivo de todos os fiéis à justiça da Igreja, gostaria de observar – finalizou – o número significativo de causas na Rota Romana com patrocínio gratuito, em favor das partes que, por más condições econômicas, não são capazes de obter um advogado”.
Em nossa Arquidiocese funcionam os tribunais de primeira e segunda instância regionais e, atendendo ao apelo do Papa, pensamos em propor para que nos vicariatos episcopais mais distantes da sede do tribunal tenhamos um ou outro consultor gratuito e voluntário para aconselhar e encaminhar as solicitações que aparecem em nossas paróquias. Dessa forma, poderemos agilizar melhor a justiça em nossa circunscrição.
Hoje no Brasil temos 43 Tribunais Eclesiásticos de Primeira Instância e 15 de Segunda Instância. É um trabalho sério e importante, o qual agradecemos àqueles que a ele se dedicam.