Mariangela Jaguraba – Vatican News
O segundo discurso do Papa Francisco em terras cipriotas foi dirigido às Autoridades, à Sociedade Civil e ao Corpo Diplomático no Salão Cerimonial do Palácio Presidencial, em Nicósia, na tarde desta quinta-feira (02/12).
“Chipre, encruzilhada de civilizações, traz em si a vocação inata ao encontro, favorecida pelo caráter acolhedor dos cipriotas”, disse Francisco no início de seu discurso, recordando que de Chipre, “onde se encontram Europa e Oriente, começou a primeira grande inculturação do Evangelho no continente”. “Com profunda emoção percorro os passos dos grandes missionários das origens, em particular de São Paulo, São Barnabé e São Marcos”, frisou o Papa, recordando que está entre os cipriotas como “peregrino” e que “os primeiros cristãos deram ao mundo, com a força suave do Espírito, uma mensagem de beleza sem precedentes”: “A surpreendente novidade da bem-aventurança ao alcance de todos que conquistou os corações e a liberdade de muitos. Este país possui uma herança particular em tal sentido, como mensageiro de beleza entre os continentes”.
Chipre, uma pérola de grande valor
Segundo Francisco, “Chipre refulge de beleza no seu território, que deve ser protegido e salvaguardado com oportunas políticas ambientais concordadas com os vizinhos”. “Uma pérola de grande valor no coração do Mediterrâneo”, disse ainda o Papa.
De igual modo a beleza desta terra deriva das culturas que se cruzaram e misturaram ao longo dos séculos. Mesmo hoje a luz de Chipre tem muitas tonalidades: muitos são os povos e as raças que, com cores diferentes, compõem a gama cromática desta população. Penso também na presença de muitos imigrantes, a percentagem mais significativa entre os países da União Europeia.
A pérola de Chipre obscurecida pela pandemia
“Uma pérola gera a sua beleza em circunstâncias difíceis. Nasce na obscuridade, quando a ostra «padece» depois de ter sofrido uma visita inesperada que mina a sua incolumidade, como, por exemplo, um grão de areia que a irrita. Para se proteger, reage assimilando aquilo que a feriu: envolve o que é perigoso e estranho para ela e transforma-o em beleza, numa pérola”, disse Francisco, acrescentando:
A pérola de Chipre viu-se obscurecida pela pandemia, que impediu muitos visitantes de entrar e ver a sua beleza, agravando – como noutros lugares – as consequências da crise econômico-financeira. Neste período de retoma, porém, não há de ser a ânsia de recuperar o perdido que pode garantir um desenvolvimento sólido e duradouro, mas o empenho em promover a sanidade da sociedade, particularmente através duma decidida luta à corrupção e às pragas que lesam a dignidade da pessoa; penso, por exemplo, no tráfico de seres humanos.
Alimentar a esperança com a força dos gestos
“Mas a ferida que mais faz sofrer esta terra, é causada pela terrível laceração que padeceu nas últimas décadas”, disse ainda o Papa, recordando o “sofrimento interior de quantos não podem voltar para as suas casas e locais de culto”.
Rezo pela vossa paz, pela paz de toda a ilha, e almejo-a com todas as forças. O caminho da paz, que sara os conflitos e regenera a beleza da fraternidade, está marcado por uma palavra: diálogo. Devemos ajudar-nos a crer na força paciente e serena do diálogo, haurindo-a das Bem-aventuranças. Sabemos que não é uma estrada fácil; é longa e tortuosa, mas não há alternativa para se chegar à reconciliação. Alimentemos a esperança com a força dos gestos, em vez de esperar em gestos de força.
A propósito de diálogo, o Pontífice manifestou apreço pelo Caminho Religioso do Processo de Paz de Chipre, promovido pela Embaixada da Suécia, a fim de cultivar o diálogo entre os líderes religiosos, e reiterou a não deixar prevalecer o ódio, não desistir de curar as feridas, não esquecer a situação das pessoas desaparecidas.
As gerações futuras desejam herdar um mundo pacificado
Segundo o Papa, “quando vier a tentação de desanimar”, é melhor pensar “nas gerações futuras, que desejam herdar um mundo pacificado, colaborador, coeso, não habitado por rivalidades perenes e poluído por disputas não resolvidas”. “Para isso serve o diálogo”, ressaltou Francisco, “sem o qual crescem a suspeita e o ressentimento”, e citou como exemplo o “Mediterrâneo, agora lugar infelizmente de conflitos e tragédias humanitárias; na sua beleza profunda, é o mare nostrum, o mar de todos os povos que se banham nele para estar ligados, não divididos. Chipre, encruzilhada geográfica, histórica, cultural e religiosa, tem esta posição para implementar uma ação de paz. Seja um estaleiro aberto de paz no Mediterrâneo”.
O Papa concluiu o seu discurso, ressaltando que “o continente europeu precisa de reconciliação e unidade”, e convidando a olhar para a história de Chipre e ver que “o encontro e o acolhimento deram frutos benéficos a longo prazo: não só no que se refere à história do cristianismo, para a qual Chipre foi «a rampa de lançamento» no continente, mas também para a construção duma sociedade que encontrou a sua riqueza na integração. Este espírito de alargamento, esta capacidade de olhar para além das próprias fronteiras rejuvenesce, permite reencontrar o brilho perdido”.