O mito da serpente

    Eurínome é o nome da mais importante deusa dos Peslagos, civilização que ocupava a Grécia antes das invasões dórica e jônica. Eurínome tinha um templo em Arcádia de difícil acesso que era aberto apenas uma vez por ano. Se peregrinos penetrassem no santuário, iria encontrar a imagem da Deusa como uma mulher com um rabo de serpente, presa com correntes de ouro. Nesta forma, Eurínome do Mar era considerada a mãe de todos os prazeres.
    A lenda de Eurínome retrata bem a humanidade no período Paleolítico, quando o ato sexual ainda não era associado à gravidez e as culturas humanas não tinham conhecimento sobre o papel reprodutor do macho. A humanidade acreditava que as mulheres geravam os bebês por si próprios: eram engravidadas ao ser picada por alguns insetos, comer determinado alimento ou se expor ao vento norte ou ao orvalho. Em seu mito, Eurínome é o reflexo dessa crença, pois a partir do vento criou tudo o que existe no planeta.
    A mais famosa serpente da Bíblia Hebraica é aquela que conversa no Jardim do Éden e que seduz Eva a comer o fruto da Árvore da Ciência do Bem e do Mal e nega que ela morrerá disso. A serpente tem a habilidade de falar e demonstrar razão, e é identificada com a Sabedoria: “A serpente é a mais astuta de todos os animais que o Senhor Deus tinha criado” (Gn 3,1). Em Gênesis, a serpente é retratada como uma criatura enganadora ou trapaceira, que promove como bom àquilo que Deus proibiu, e demonstra perspicácia ao fazê-lo (Gn 3,4–5, 22). Segunda a arqueologia, a serpente é um objeto de culto extremamente difundido entre todas as civilizações pagãs.
    Vaidade no hebraico advém de duas palavras: Habel, shav, que significa vazio e oco. Seu uso no Antigo Testamento estava relacionado ao abandono do único Deus verdadeiro e à busca de ídolos que não podiam satisfazer as necessidades da nação de Israel pelo simples fato de não existirem. A adoração a ídolos, então, tornou-se sinônimo de vaidade, pois era como se o povo israelita estivesse buscando ajuda no vazio.
    No grego, vaidade é representada pelo substantivo mataiotes e também significa vazio. Vaidade no grego: mataiotes, também podia denotar as palavras impressionantes, mas vazia, de falsos mestres que muito falam, mas não possuem conteúdo nenhum. São palavras, ensinos e condutas jogadas ao vento, ou seja, pela ventania das vaidades. O vazio, o seco, o sertão da alma, promessas mentirosas, crença sem sentido e tantas vantagens sem nada, tanto sacrifício sem resultados, tudo isso são os encantos e o veneno do Mito da Serpente.
    O Mito da Serpente é a arte do engano, o teatro da hipocrisia, os ídolos das vaidades e o ofício de profissionais hipócritas e seus prazeres, principalmente no sistema religioso.
    Quantos enganos da Serpente na política, na economia, nas redes sociais, na educação, no carnaval, nos esportes, nas novelas, nos shows, na indústria farmacológica, na pseudociência, na espetacularização do religioso, nos romances e nas declarações amorosas.
    O Mito da Serpente é promotor da força da palavra agressiva e indelicada para obter resultados demolidores, ou seja, enquanto pior melhor.
    O Mito da Serpente é atuante nas crises existenciais, na ignorância dos conflitos mentais, no materialismo, nos prazeres carnais e na boçalidade dos acontecimentos mundiais. A sua ação é fulminante na desconstrução do verdadeiro sentido da vida. Um dos maiores triunfos do Mito da Serpente é a falsificação, a imitação e o seu maior triunfo é desfiguração da personalidade humana.
    Jamais podemos ceder ao encanto do Mito da Serpente e as suas sedutoras promessas de poder, luxúria e a ideologia de sermos deuses.

    Dr. A. Inácio José do Vale
    Psicanalista Clínico
    Professor e Conferencista
    Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise Contemporânea/RJ. E da Ordem Nacional dos Psicanalistas/RJ.
    E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com
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