Jesus, após vencer os saduceus que haviam proposto uma questão sobre a ressurreição (Mt 22, 23-33), foi abordado pelos fariseus e um deles, capciosamente, indagou: “Mestre, qual é o maior mensamente da lei” (Mt,22 34-40). Entre os judeus esse assunto era de suma relevância, dada a multiplicidade dos preceitos da lei. Contavam-se no Torá ou Lei de Moisés seiscentos e treze numa complexidade que levava a mesclar normas principais com outras suplementares. Não havia desse modo no judaísmo uma visão objetiva sobre o princípio fundamental de toda a Lei. Tratava-se de elucidar o cerne mesmo da exigência moral e a razão última de sua motivação. No fundo era preciso estabelecer qual era o essencial de tudo que Deus havia preceituado. Conforme a resposta de Cristo, seus inimigos poderiam depois checar sua conduta, a veracidade de sua doutrina. Para evitar debates inúteis Jesus foi direto à elucidação da pergunta: “Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento”. Era o que constava no Deuteronômio, texto recitado duas vezes por dia pelos bons israelitas (Deut 6,4-5). Cristo, porém, sabiamente, une a este preceito o mandamento do amor ao próximo, inseparável do amor de Deus e que estava proclamado no Livro do Levítico (Lev 19,18). Com sua sabedoria de Mestre Ele ligava deste modo o amor ao semelhante e o amor de Deus, estabelecendo uma lógica hierarquia, pois o amor de Deus estava em primeiro lugar, estando o amor ao próximo em segundo lugar como norma semelhante à primeira. Ficava evidente que o inverso não era verídico. Havia, deste modo, uma relação profunda entre os dois mandamentos, certa equivalência, porque o amor devido ao Ser Supremo, infinitamente bom e misericordioso, devia ser estendido através da bondade e da clemência a todo o semelhante. São João dirá na sua primeira carta: “Em verdade, quem não ama o seu irmão, que vê, não pode amar a Deus que não vê e este mandamento recebemo-lo dele: quem ama a Deus ame também o seu irmão” (1 Jo 4). Os dois mandamentos são semelhantes, a saber, amar a Deus, o Criador e o Redentor, e amar o próximo, criado à imagem e semelhança de Deus, remido pelo mesmo sangue divino. Não há oposição entre estes dois preceitos que são integrantes. Acontece, porém, que na teoria logo são admitidas estas verdades, mas na prática é necessário sempre um autoexame para se verificar se não ocorre o desprezo de um deles. É que o verdadeiro seguidor de Cristo se abre a uma prática que visa as duas realidades, ou seja, um amor do próximo que seja prolongamento da intimidade pessoal com o Deus Altíssimo. O amor a este Deus estendido no encontro fraternal com os outros. Jesus condensou de uma maneira peremptória toda fé de Israel e de todos os seus discípulos conjugando o amor de Deus com o amor do irmão. Enunciou um princípio espiritual de ação, uma atitude que devia ajudar cada um a caminhar no sentido da verdadeira vida humana em toda e qualquer situação. Jesus mostrou que um amor a Deus que não se expande no amor sincero aos outros não atinge sua verdadeira dimensão. Por entre as tarefas importantes da existência de cada um, demandando atenção, tempo e energia, muitos ficam sem saber o que é realmente prioritário. Jesus oferece um critério supremo: É preciso sempre realizar aquilo que convém para provar amor a Deus e ao semelhante., não aquilo que a pessoa julga boa para si mesma de uma maneira egoística. Jesus deixou uma fórmula simples para discernir o que é verdadeiramente importante entre tantos valores que se apresentam ao ser humano, isto é, o duplo amor que necessita impregnar todas as obras. O ícone deste programa de vida é a cruz. Nela Ele deu a prova suprema do amor de Deus para com a criatura humana que O deve amar na mesma proporção. Ele foi também claro ao dizer: “Este é o meu mandamento que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que o daquele que dá a vida pelos amigos. Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos ordenei” (Jo 15,13-14). A Cruz indica tudo isto, a saber, a travessa vertical apontando. para o Alto, para o amor a Deus e a travessa horizontal, indicando o abraço fraternal envolvendo todos os irmãos num amor sem limites.