O juízo final

    Nenhum ser humano foi capaz de descrever os horrores do Inferno com fidelidade. Mesmo porque ninguém de lá voltou para nos contar como é. Quem chegou mais próximo em sua narrativa imaginária foi o florentino Dante Alighieri (1265), em sua obra Divina Comédia. Assombrou o mundo com descrições pormenorizadas do que poderia ser o sofrimento eterno das almas distantes de Deus. Tão horripilantes e cheias de detalhes além da imaginação, que de sua obra nasceu o vocábulo “dantesco”, para designar tudo de mais exacerbado na imaginação humana.
    A visão desse inferno me surge diante do noticiário de minha pátria, minha pobre e expurgada pátria! Sem mais como denominar os sucessivos escândalos políticos contra o pobre erário do país, eis que chegamos agora à operação Juízo Final… Fim dos tempos ou fim de uma Era de gatunice e corrupção sem limites? A cada linha que percorro cresce minha indignação e revolta contra aqueles que foram com tamanha sede ao… aos cofres do tesouro público. Nomes bem conhecidos de todos nós (peixes grandes – cobras criadas) que deixam estarrecidos e boquiabertos os pobres cidadãos de bem dessa pátria à qual bradamos nosso “salve, salve”. Nem Dante seria capaz de imaginar tamanha audácia – cara de pau mesmo – para executar com riqueza de detalhes a mais dantesca ação de rapina que esse país já presenciou. Isso tudo contra sua maior fonte de recursos na atualidade. Isso tudo à sombra – e até com a conivência – de grupelhos políticos que se acham senhores na arte do mando e desmando.
    Mas a visão do Inferno está sempre associada ao Juízo Final. Desse ninguém escapará. Nem a pobre nordestina que aceitou uma prótese dentária – um sorriso falso – pela conivência eleitoral, nem o mais alto dirigente empresarial que subornou políticos com as moedas enegrecidas do fundo dos infernos, donde se dizia que o petróleo era nosso. Muito menos os senhores feudais com um mandato político transitório, portanto finito, cuja prestação de contas um dia será apresentada e publicada sob a criteriosa transparência da Verdade – essa que sempre triunfa. Cada qual terá o quinhão que bem merecer. Aos justos, a bênção. Aos maus, a maldição. “Eu vos digo: fazei-vos amigos com a riqueza injusta, para que, no dia em que ela vos faltar, eles vos recebam nos tabernáculos eternos” (Lc 16,9). Ou seja: a condenação final colocará num mesmo lugar e para todo o sempre todos os que constituíram em vida seus “clubes” de gatunagem, para que possam usufruir, ao menos, da companhia de iguais na dor e na angústia do infernal arrependimento. Tarde será!
    Na visão de Dante, o portal do inferno não possui portas, grades ou cadeados. Apenas uma frase lembra aos que ali chegam: “Deixem para traz qualquer esperança”. Aos injustos e assaltantes está reservado um rio de sangue fervente, onde apenas seus peitos e sobrancelhas ficam de fora. Isso para lembrar que a usurpação do alheio custou-lhe sangue e suor. De nada valeu ao usurpador o peito inflado pela arrogância, pela autoridade que lhe confiaram, pelo respeito que acreditaram merecer, se não pestanejaram na ação do uso e abuso da confiança neles depositada. Tristes estes que tiraram do povo um voto de respeito, esperança, fé em dias melhores. Merecem mesmo o fogo eterno, que arde por dentro, mas nunca consome.
    Seja esse o Juízo Final! “Presta conta da tua administração, pois já não poderás administrar meus bens” (Lc 16). O povo já se cansou dessa cantilena sem fim. Chega! A ira divina não é piada de caserna, nem crença que se despreze. Talvez sejamos nós uma divina comédia, um amontoado de incrédulos que se esqueceram da própria dignidade. “Caí sobre nós, e escondei-nos da face dAquele que está sentado no trono…” (Ap 6,16). O julgamento virá sobre todos. “Quanto ao servo inútil, jogai-o lá fora, na escuridão. Aí haverá choro e ranger de dentes!” (Mt  25, 30) O Juízo Final está chegando!