O encontro face a face de dois mendicantes

Enquanto atravessava o distrito financeiro em direção à Estátua da Liberdade, passei por um morador de rua que lia um livro. Pensei: “Ele também gosta de ler, exatamente como eu”. Continuei o caminho meio distraído, imerso nesse pensamento, e decidi voltar. Deitado sobre um cobertor me falou qual livro estava lendo, dizendo que não era o seu preferido. Então, me inclinei e perguntei como se chamava. “Maximus”, respondeu. Ainda não tinha percebido meu colarinho e ficou atônito quando eu disse: “Sou padre John”. Aquele homem vinha de uma família católica muito devota, inclinou a cabeça e me pediu para rezar. Ajoelhei-me na calçada, e algo mudou improvisamente. Ele desatou a chorar convulsivamente e começou a perguntar: “Porquê? Por que me acontece isso?”. Não parecia estar falando comigo ou esperar uma resposta. O que era bom, porque eu me sentia impotente como ele. Cada pensamento moralista que eu tinha me deixava vazio e pobre. Sabia que aquele não era o lugar nem o momento para fazer catequese, para frases religiosas ou respostas simplistas, porque estava diante de uma necessidade muito profunda. Ele me falou de muitas coisas, insistindo sobretudo naquilo que tinha feito de errado na vida. Estava cheio de dor pelos seus pecados. Ele os contava a mim chorando, pedindo misericórdia. No fim, do fundo da sua alma, gritou: “Pai, me perdoa!”. Não se dirigia a mim, mas eu sentia que o Pai tinha me enviado naquele momento. Por isso, estendi as mãos e continuei a obra de Cristo. “Deus, pai de misericórdia…”. Ali, entre seus cobertores, suas tralhas e aquele livro, sua alma tinha se unido a Deus. Sua surpresa ao ouvir a fórmula “…eu lhe absolvo dos seus pecados” podia ser comparada somente à minha, uma hora depois, durante a missa, quando, proclamando o Evangelho, li as palavras de Jesus ao paralítico; “Teus pecados te são perdoados”. Alguns dias depois, padre Carrón encerrou o New York Encounter citando o Evangelho do paralítico, e padre Peter John Cameron perguntou retoricamente: “Tudo isso aconteceu no passado. Agora não pode acontecer mais, ou pode?’: Vieram-me lágrimas aos olhos. Levantei os olhos e disse: “Sim, pode!”. Aconteceu em Wall Street. No fim das contas, não consegui ver a Estátua da Liberdade, mas fiz experiência de uma liberdade maior: um encontro entre dois mendicantes que trouxe liberdade a ambos. Padre John, Yankton (USA)
de ânimo era completamente diferente. No final da aula, ele me agradeceu pelo trabalho. E eu pensei comigo: “Aí está, este sou eu. Francisco, em ação”. No dia seguinte, tinha três alunos em uma escola, e as aulas começavam às duas e meia da tarde, hora em que é melhor começar a voltar para casa para não correr o risco de se ver envolvido nas manifestações. Tinha certeza de que ninguém viria. Mas fui do mesmo jeito, porque tenho um contrato com a escola. Quando cheguei, por volta das duas e vinte, o primeiro aluno já estava lá. Estava sentado e se exercitando. Este fato me desarmou completamente. Fizemos a aula inteira. O aluno seguinte (que vinha da região que estava mais agitada naquele dia) não podia vir porque tinha sofrido um acidente de carro. Mas sua mãe ligou para a escola para avisar.. Isso também me impressionou muito: nunca teria esperado que, em uma situação assim, se preocupariam em avisar. A última aluna a quem eu devia dar aula era uma menina (estes alunos têm todos entre 11 e 16 anos) que vem de uma região fora de Caracas. Pensava que naturalmente ela não enfrentaria a viagem naquelas circunstâncias para fazer uma aula de violão. Quando chegou a hora, de fato, ela não apareceu. Mas, logo depois, ligou para a escola para avisar que estava atrasada por causa do trânsito. Estava
chegando. Perguntou se eu poderia esperá-la. Estava de novo desarmado. Eu a esperei. Fizemos a aula inteira. No fim, para mim, foi impossível não me perguntar: o que levou esses jovens a virem à aula? Será que precisaram discutir com os pais para que os deixassem vir, em uma situação tão incerta e perigosa? Pensei em muitas coisas. Mas, depois dessas aulas, não tive mais dúvidas de que, em meio a esse caos que circunda a cidade, valia a pena sair de casa e ser eu mesmo, e dar aquilo que sou. Claro que vale a pena. Porque tenho certeza de quem eu sou e a quem pertenço. José Francisco, Caracas (Venezuela).

 

Fonte: Revista Passos
Local: São Paulo