O domingo da misericórdia

    No dia 22 de fevereiro de 1931, Ir. Maria Faustina Kowalska, mensageira da Misericórdia Divina, recebeu este pedido de Jesus: “Pinta uma Imagem de acordo com o modelo que estás vendo, com a inscrição: Jesus, eu confio em vós”. Quero que essa Imagem […] seja benta solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa, e esse Domingo deve ser a Festa da Misericórdia.  O conteúdo desta Imagem está intimamente ligado à Liturgia do segundo Domingo da Páscoa. O Evangelho desse Domingo narra a aparição de Jesus ressuscitado no Cenáculo e a instituição do Sacramento da Reconciliação. Esta união está ainda sublinhada pela Novena, com o Terço da Misericórdia Divina, começando na Sexta-Feira Santa.  Com providencial solicitude pastoral o bem-aventurado papa João Paulo II estabeleceu que no Missal Romano, depois do título “Segundo Domingo da Páscoa”, fosse acrescentado “ou da Misericórdia Divina”. A misericórdia identifica-se com a compaixão e o perdão. É um dos temas principais da Bíblia por vários motivos. Em primeiro lugar porque Deus se mostra sempre misericordioso e, depois, porque ele se faz deste modo um protótipo para o homem, segundo a diretriz de Cristo: “Sede misericordiosos como o Pai celeste é misericordioso” ( Lc 6, 36). Isto de tal forma que a dileção do Todo-Poderoso  só permanece naqueles que têm esta atitude. Da parte do Ser Supremo é a miséria humana que lhe proporciona a ternura, a piedade, a clemência, a bondade, o perdão. Deus quer sempre a salvação do pecador e, por que sua comiseração  é eterna ( Sl 107,1) só aquele que se torna empedernido no erro não conhece os eflúvios da dileção divina. Há uma passagem no Livro do Êxodo realmente admirável: “Javé é um Deus de ternura e de graça, lento em irar-se e rico em misericórdia e fidelidade ( Ex 34,6) Tocantes os termos do salmista: “Javé é ternura e graça, lento para a ira e copioso em misericórdia; não contende eternamente, não guarda rancor para sempre; não nos trata conforme as nossas culpas … Como a ternura dum pai para com seu filho, terno é Javé para com que o teme; ele  sabe de que fomos plasmados, lembra-se de que pó nós somos’(Sl 103, 8 ss.13 s.)Isto não significa que Ele passe recibo nos erros humanos, mas, diante do arrependimento, que Ele inclusive proporciona com suas inspirações está sempre pronto a desculpar aquele que se afastou de um de seus preceitos. Assim sendo, a indulgência de Deus está intimamente conexa com a conversão. É o que patenteia o profeta Isaías: “ Que o mau se converta a Javé que terá piedade dele, ao nosso Deus, pois ele perdoa copiosamente”(Is 55,7). Só o empedernimento do pecador impede a volta ao Criador (Is 9,16; Jr 16,5.13). Vindo a este mundo, Jesus mostrou esta dupla face da misericórdia de Deus para com o homem e do homem arrependido que recebe os raios da piedade divina. Os pecadores eram os preferidos do Redentor, que os levava ao arrependimento. Entre tantos outros fatos a cena da pecadora contrita narrada por são Lucas (  7, 36 ss) é sumamente elucidativa. A mulher cheia de pecados que se pôs a lavar os pés de Jesus, que os osculou, que os perfumou conheceu de perto a benevolência do meigo Rabi da Galiléia que afirmou ao fariseu indelicado que as numerosas faltas daquele miserável eram perdoados porque ela muito amou, ou seja, dado que ela se arrependera. Depois, voltando-se para a pecadora Jesus proclama: “Teus pecados estão perdoados”( Lc 7, 48). Na parábola do filho pródigo ele retratou de maneira maravilhosa a indulgência do Pai celeste. O Apóstolo Paulo entendeu muito bem as palavras do Mestre, pois apresenta  Deus como “o Pai das misericórdias”( 2 Cor 1,3). Foi a compaixão divina que dele teve dó ( 1 Cor 7,25;  2 Cor 4, 1). Na carta aos Romanos Paulo mostra onde estava o grande erro dos judeus, ou seja, eles desconheciam a misericórdia de Deus, pensando que poderiam alcançar a remissão de suas culpas através da justiça alicerçada nas obras, na mera prática da Lei mosaica. O Apóstolo mostra então que eles também são pecadores e, portanto, necessitavam da piedade divina pela justiça da fé. Todos os homens, de fato, devem ser atraídos à órbita imensa da magnanimidade do Ser Supremo ( Rm 11, 32). Este Deus misericordioso, porém, exige, segundo o ensinamento de Cristo, que o homem O imite. Isto aliás como condição para a entrada no Reino do céu ( Mt 9,13). Todos serão julgados de acordo com a misericórdia que tiverem praticado ( Mt 25, 31-46). Eis por que São Paulo aconselhava aos filipenses  a se porem acordes “no mesmo sentimento, no mesmo amaor, numa só alma, num só pensamento, nada fazendo por competição e van-glória, mas com humildade, julgando cada um os outros superiores a si mesmo, nem cuidando cada um  só do que é seu, mas também do que é dos outros”. Conclui então num momento da mais profunda inspiração”: “Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus”( Fil 2 2- 5). Não menos incisivas as palavras de São Pedro: “Sede todos unânimes, compassivos, chieios de amor fraternal, misericordiosos e humildes de espírito. Não pagueis mal por mal, nem injúria por injúria; ao contrário, bendizei, porque para isto fostes chamados, isto é, para serdes herdeiros da bênção”( 1 Pd 3, 8-9). Daí a sentença de São João: “O amor de Deus só permanece naqueles que exercem a misericórdia ( 1 jo 3,17).

    * Professor no Seminário de Mariana durante 40  anos.