Jackson Erpen – Cidade do Vaticano
Discursos, homilias, tweets, encontros com autoridades. Em um mundo cada vez mais envolvido por conflitos em nível internacional, local e individual, o Papa Francisco não perde oportunidade para insistir na urgência da paz. Muitas vezes, no entanto, parece que a voz do Pontífice é uma voz que ecoa no deserto, sem uma resposta à altura da comunidade internacional. O que poderia ser feito a mais, mesmo pela Igreja para responder a estes apelos?
Para o teólogo padre Erico Hammes (docente na PUC-RS), a voz do Papa Francisco tem uma grande força moral e o tema da paz deveria fazer parte do cotidiano, de todas as instâncias da Igreja, e ao mesmo tempo de uma conversão em nível pessoal:
“O que eu observo, digamos mesmo no contato com pessoas de fora de Igreja, observadores, pessoal de mídia, e assim por diante, o que eu observo é uma grande admiração pela figura do Papa e por este momento que a Igreja Católica vive. Então este é um primeiro aspecto positivo e a voz dele tem uma força moral muito grande. É claro, que nós temos um outro lado que são as barreiras muito fortes que se opõe e quando ele recebe dignitários internacionais, como recentemente Erdogan, ou então um pouco mais tempo atrás Donald Trump, então nós observamos que as pessoas acabam tendo que fazer as contas com uma autoridade moral decidida em favor da paz como é o Papa Francisco.
Na Igreja
Internamente na Igreja Católica, eu acho que o que nós precisamos de fato, é insistir muito para que os nossos conteúdo de fé e também os nossos rituais, as nossas liturgias, valorizem atitudes positivas de construção de paz e que, na nossa prática paroquial, comunitária e vivência…, homilética, etc, cursos que nós temos, a própria teologia, que nós tenhamos uma posição mais consequente e uma leitura mais consequente da nossa fé a partir do critério da paz.
Universidades católicas
Que nós facilmente lemos o Evangelho como se ele fosse completamente voltado só para questões que são anímicas, isto é, questões de alma que não se refletem na existência correta do ser humano. Então quando nós falamos na liturgia “a paz esteja convosco”, isto precisa ser transformado em imperativo prático também, e de forma semelhante nas nossas preparações, em cursos que nós fazemos para a recepção dos Sacramentos. E ensaiar de fato gestos concretos. Por exemplo, aquele grandíssimo número de escolas católicas, de universidades católicas, pelo mundo afora. E no caso brasileiro, por exemplo, eu estou agora numa outra universidade, hoje, de passagem, que é uma grande universidade. São milhares e milhares de estudantes. E aqui nós temos obviamente a possibilidade de trazer esta temática para a reflexão e também a pesquisa.
Conversão interior
Para as relações internacionais, nossos cursos de relações internacionais, a diplomacia do Vaticano, tem sempre se esmerado neste sentido. Que isto seja algo que faça parte do cotidiano, de todas as instâncias da Igreja. Então, é claro que exige um processo interior de conversão. Poder ser ou ser uma pessoa de paz, exige uma conversão muito grande de si mesmo, para não corresponder ou não reagir de forma agressiva e violenta, sobretudo não violenta, quando nós somos agredidos ou quando somos ameaçados.
Jesus, salvador também da violência
E neste sentido o martírio, apesar de ser algo que não se pode impor aos demais, é aquilo que Jesus nos dá com o seu próprio exemplo…. Então, uma compreensão de uma Cristologia, por exemplo, na Cristologia não se pode só falar de Jesus salvador da humanidade, mas é necessário compreender Jesus como salvador também da violência, e da violência pessoal, a superação da violência pessoal. E o apelo permanente de conversão. Quando nós escutamos na entrada da Quaresma: “Convertei-vos e crede no Reino de Deus”, ou no Evangelho, então nós estamos dizendo que precisamos sim mudar permanentemente, para não matarmos.
Mudar a forma de pensar
Por exemplo, nós temos muitos cristãos que continuam pensando que matar é uma forma de eliminar por exemplo, o mal, o bandido, ou então o agressor, ou aquele que nos ameaça. Isso nós precisamos tirar de nossas formas de pensar e substituir isto por aquilo que o Evangelho nos coloca, o amor aos inimigos. Isso não significa que nós não ignoremos o mal. Nós temos que ter consciência sim do mal, ser realistas com o mal, como uma parte sempre presente na nossa existência, mas que não pode nos derrotar e não pode nos perverter também, e arrastar-nos dentro da sua própria dinâmica. Nós precisamos buscar educar-nos para as boas relações.
Investir na formação para a paz
E isto exige também investimento. Não se faz educação para a paz, não se faz formação para a paz, não se faz o Evangelho da paz, se não houver um investimento sério no âmbito da pesquisa. Então nós precisamos incentivar a pesquisa em favor da paz no âmbito interno da teologia, e promovendo nas nossas instituições, buscando a realizar pesquisas e estratégias de construção e de melhora das relações e de superação daquilo que são os gatilhos, digamos, que desencadeiam a violência.
Contratestemunho
Então, a indústria armamentista funciona como um poderoso atrativo econômico e científico. Então nós teríamos que repensar estas formas de investimento. A gente sabe quer existe também pesquisa de armamento em universidades católicas, e pesquisas que levam para a guerra, também em universidades católicas. Isto obviamente é um contratestemunho muito sério em relação ao Evangelho. Será necessário afastar-se decididamente deste tipo de compreensão investir os nossos recursos em favor de uma pesquisa pela paz”.
* Padre Erico Hammes é docente na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com Doutorado em Cristologia e Pós-Doutorado em Cristologia da Paz na Eberhard Karls Universität Tübingen.