Noite escura da alma

    Confesso que gostaria de compreender melhor o poema, A noite escura da alma, de autoria de São João da Cruz, escritor espanhol e místico cristão do século XVI, em que descreve a jornada da alma, desde a sua morada terrestre até a íntima e beatífica união com Deus. Tal poema quer mostrar-nos as dificuldades das pessoas, na convivência com o mundo, numa vida leve e despojada, buscando atingir a luz que não se extingue, na perfeita harmonia com Deus. Ao buscar o crescimento espiritual em união com Deus, São João da Cruz quer colocar os seguidores de Jesus de Nazaré diante da dolorosa e angustiante experiência, a que são chamados a suportar (cf. Jo 17), assegurando-nos que “no entardecer da vida seremos julgados pelo amor”.
    Dentro do contexto da aventura dos eleitos de Deus, pensei na noite escura enquanto dolorosa e angustiante experiência pela qual passa a Igreja Católica, não só pelo caso Vatileaks II, que, depois de oito meses de andamento no processo, saiu o julgamento pelo presidente do Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano, Giuseppe Dalla Torre (07/07/2016), com a sentença contra os cinco acusados de divulgar documentos reservados da Santa Sé. É lamentável e mesmo pecaminoso não saber guardar o sigilo que a função exige e também a respeito do dinheiro, nesse referido processo, que, segundo sabemos, foi usado não a partir dos critérios do Evangelho.
    Também noites escuras e dolorosas vive a Igreja Católica do Brasil, concretamente, quando bispos e arcebispos são convidados, depois de denúncias, dossiês e auditorias, a apresentar pedido de renúncia à Santa Sé, causando enorme prejuízo, com interrogações e surpresas, acompanhadas de sofrimentos, às comunidades dos que abraçam a fé. Que São João da Cruz ajude-nos a perceber prováveis ou reais sombras, infidelidades ou ausência de Deus, como um aparente abandono ou colapso, que  possam se transformar em providencial bênção e não em tempestade, na mais absoluta convicção de que nada tem a ver com o abandono de Deus.
    Sombras, erros e pecados, sim, mas temos consciência nítida e esperançosa de que a bondade de Deus é maior. Convençamos-nos, pois, que crises e conflitos devem entrar sempre no plano salvífico de Deus;  na compaixão do nosso bom Deus que é infinitamente maior do que os conflitos internos e estruturais da Igreja, e também de todos os seus membros, do maior ao menor. Na certeza de que Jesus ressuscitado cumpre a promessa de reconciliar o mundo consigo, querendo fazer novas todas as coisas (cf. Cl 1, 20).
    Fixemos na mente e no coração a expressão litúrgica da celebração da luz, na noite de Páscoa: “Por suas santas chagas, suas chagas gloriosas, o Cristo Senhor, nos proteja e nos guarde”. Jesus, ao passar da morte para a vida, nunca mais se afastará de seu povo, oferecendo-nos pelo seu Espírito de misericórdia e perdão, no que o Papa Francisco nos assevera: “Assepcia da alma, a faxina da mente e alforria do coração”. Assim seja!

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