De volta ao Vaticano, após concluir a décima viagem apostólica internacional, o papa levou flores à Nossa Senhora, na basílica de Santa Maria Maior
Milhares de peregrinos reuniram-se, no domingo, 27, na avenida Benjamin Franklin Parkway para acompanhar o último discurso do papa Francisco. Após cinco dias de visita aos Estados Unidos, o pontífice encerrou a jornada pastoral no VIII Encontro Mundial das Famílias, na Filadélfia.
O papa foi recebido por crianças, jovens e adultos que o aguardavam no local da celebração. Francisco percorreu as ruas do Parkway, a bordo do papamóvel, saudando os peregrinos. A missa marcou o encerramento de um dos maiores encontros promovidos pelo Vaticano, a cada três anos. Em 2018, a cidade de Dublin, na Irlanda, sediará o IX Encontro Mundial das Famílias.
Na homilia, Francisco dirigiu-se, especialmente, às famílias que sofrem. Recordou que gestão simples faz a diferença na vida em família, como o abraço após um dia de trabalho.
“São gestos mínimos, que uma pessoa aprende em casa; gestos de família que se perdem no anonimato da vida diária, mas que fazem cada dia diferente do outro. São gestos de mãe, avó, pai, avô, filho. São gestos de ternura, de afeto, de compaixão. Gestos como o prato quente de quem espera para jantar, como o café da manhã de quem sabe acompanhar o levantar na alvorada. São gestos familiares. É a bênção antes de dormir e o abraço ao regressar de uma jornada de trabalho”, disse o papa.
Hoje, 28, o papa Francisco já está no Vaticano, após concluir a décima viagem apostólica internacional. Na basílica de Santa Maria Maior, esteve diante da imagem de Nossa Senhora para agradecer (Salus Populi Romani) a visita a Cuba e aos Estados Unidos.
Confira, na íntegra, a homilia feita durante o VIII Encontro Mundial das Famílias:
Homilia Santa Missa no B.Franklin Parkway
Filadélfia
27 de setembro de 2015
Hoje, a Palavra de Deus surpreende-nos com uma linguagem alegórica forte, que nos faz pensar; imagens vigorosas, que questionam as nossas reflexões. Uma linguagem alegórica que nos interpela, mas que anima o nosso entusiasmo.
Na primeira Leitura, Josué diz a Moisés que dois membros do povo estão a profetizar, anunciando a palavra de Deus sem qualquer mandato. No Evangelho, João diz a Jesus que os discípulos impediram uma pessoa de expulsar os espíritos malignos em nome d’Ele. E aqui aparece a surpresa: Moisés e Jesus censuram estes colaboradores por serem de mente tão fechada. Oxalá fossem todos profetas da Palavra de Deus! Oxalá cada um fosse capaz de fazer milagres em nome do Senhor!
Por sua vez, Jesus encontra hostilidade nas pessoas que não aceitaram aquilo que fazia e dizia. Para elas, a abertura de Jesus à fé honesta e sincera de muitas pessoas, que não faziam parte do povo eleito de Deus, parecia intolerável. Entretanto os discípulos estavam a agir em boa-fé; mas a tentação de serem escandalizados pela liberdade de Deus, que faz chover tanto sobre os justos como sobre os injustos (cf. Mt 5, 45), ultrapassando a burocracia, o oficial e os círculos restritos, ameaça a autenticidade da fé e, por isso, deve ser vigorosamente rejeitada.
Quando nos damos conta disto, podemos entender por que motivo as palavras de Jesus sobre o escândalo são tão duras. Para Jesus, o escândalo intolerável consiste em tudo aquilo que destrói e corrompe a nossa confiança no modo de agir do Espírito.
Deus, nosso Pai, não Se deixa vencer em generosidade, e semeia. Semeia a sua presença no nosso mundo, porque «é nisto que está o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou» primeiro (1 Jo 4, 10). Aquele amor dá-nos uma certeza profunda: somos procurados por Ele, Ele está à nossa espera. É esta confiança que leva o discípulo a estimular, acompanhar e fazer crescer todas as boas iniciativas que existem ao seu redor. Deus quer que todos os seus filhos tomem parte na festa do Evangelho. Não ponhais obstáculo ao que é bom – diz Jesus –, antes pelo contrário, ajudai-o a crescer. Pôr em dúvida a obra do Espírito, dar a impressão de que a mesma não tem nada a ver com aqueles que não são «do nosso grupo», que não são «como nós», é uma tentação perigosa. Não só bloqueia a conversão à fé, mas constitui uma perversão da fé.
A fé abre a «janela» à presença operante do Espírito e demonstra-nos que a santidade, tal como a felicidade, está sempre ligada aos pequenos gestos. «Seja quem for que vos der a beber um copo de água por serdes de Cristo, (…) não perderá a sua recompensa», diz Jesus (Mc 9, 41). São gestos mínimos, que uma pessoa aprende em casa; gestos de família que se perdem no anonimato da vida diária, mas que fazem cada dia diferente do outro. São gestos de mãe, de avó, de pai, de avô, de filho. São gestos de ternura, de afeto, de compaixão. Gestos como o prato quente de quem espera para jantar, como o café da manhã de quem sabe acompanhar o levantar na alvorada. São gestos familiares. É a bênção antes de dormir, e o abraço ao regressar duma jornada de trabalho. O amor exprime-se em pequenas coisas, na atenção aos detalhes de cada dia que fazem com que a vida tenha sempre sabor de casa. A fé cresce, quando é vivida e plasmada pelo amor. Por isso, as nossas famílias, as nossas casas são autênticas igrejas domésticas: são o lugar ideal onde a fé se torna vida e a vida se torna fé.
Jesus convida-nos a não obstaculizar estes pequenos gestos miraculosos; antes, quer que os provoquemos, que os façamos crescer, que acompanhemos a vida como ela se nos apresenta, ajudando a suscitar todos os pequenos gestos de amor, sinais da sua presença viva e operante no nosso mundo.
Este comportamento a que somos convidados leva-nos a perguntar: Como estamos a trabalhar para viver esta lógica nas nossas famílias e nas nossas sociedades? Que tipo de mundo queremos deixar aos nossos filhos (cf.Laudato si’, 160)? Não podemos responder, sozinhos, a estas perguntas. É o Espírito que nos chama e desafia a responder a elas com a grande família humana. A nossa casa comum não pode mais tolerar divisões estéreis. O desafio urgente de proteger a nossa casa inclui o esforço de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar (cf. ibid., 13). Que os nossos filhos encontrem em nós pontos de referência para a comunhão! Que os nossos filhos encontrem em nós pessoas capazes de se associarem com outras para fazer florir todo o bem que o Pai semeou.
Sem meias palavras mas com afeto, Jesus diz-nos: «Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que lho pedem?» (Lc 11, 13). Quanta sabedoria há nestas palavras! De fato nós, seres humanos, quanto a bondade e pureza de coração não temos muito de que nos vangloriarmos; mas Jesus sabe que, relativamente aos filhos, somos capazes de uma generosidade sem limites. Por isso nos encoraja: se tivermos fé, o Pai dar-nos-á o seu Espírito.
Nós cristãos, discípulos do Senhor, pedimos às famílias do mundo que nos ajudem. Somos tantos a participar nesta celebração e isto, em si mesmo, já é algo de profético, uma espécie de milagre no mundo de hoje. Quem dera que fôssemos todos profetas! Quem dera que cada um de nós se abrisse aos milagres do amor a bem de todas as famílias do mundo, para assim podermos superar o escândalo de um amor mesquinho e desconfiado, fechado em si mesmo, sem paciência com os outros!
Como seria bom se por todo o lado, mesmo para além das nossas fronteiras, pudéssemos encorajar e apreciar esta profecia e este milagre! Renovemos a nossa fé na palavra do Senhor, que convida as nossas famílias para esta abertura; que convida todos a participarem na profecia da aliança entre um homem e uma mulher, que gera vida e revela Deus.
Toda a pessoa que desejar formar, neste mundo, uma família que ensine os filhos a alegrar-se com cada ação que se proponha vencer o mal – uma família que mostre que o Espírito está vivo e operante –, encontrará a nossa gratidão e a nossa estima, independentemente do povo, região ou religião a que pertença.
Que Deus nos conceda a todos, como discípulos do Senhor, a graça de ser dignos desta pureza de coração que não se escandaliza do Evangelho.
Fonte: CNBB