Até bem pouco tempo, as formas de tratamento pessoal eram valorizadas e praticadas como questão de civilidade. Ai de quem ousasse se dirigir a uma autoridade sem antes conhecer sua profissão ou título honorífico que usasse. Assim, do ilustríssimo ao digníssimo, da excelência reverendíssima ao excelentíssimo doutor, da vossa alteza ao nobre cidadão ou no mínimo egrégio munícipe, todos, respeitosamente, agregavam um título ao próprio nome. Todos, indistintamente, tinham uma fórmula de tratamento pessoal que lhes impunham dignidade, cidadania.
Aos poucos, vemos tal prática cair no desuso. Quando muito, um doutor generalizado agrada a todos. Até aos que nunca o foram. Isso sem falar das formas militarizadas de tratamento, cujo uso abusivo tornou-se popular na definição dos coronéis, com ou sem patentes. Haja vista a tradição nordestina de nomear seus coronéis por força do poder econômico ou seus capitães por força de suas lideranças litigiosas ou mesmo de guerrilhas e contravenções sociais.
Dentre esses usos e costumes, o que nos salta aos olhos é a questão do merecimento, a dignidade do título que se usa. Seja qual deles, todos surgem por mérito, nunca gratuitamente. O problema reside muito mais na aplicação pejorativa de certos títulos e no mérito artificial, usurpado, comprado a peso do sangue ou do ouro com que muitos agregam seus nomes a certos pronomes de tratamento. Quantos doutores, coronéis, juízes e sacerdotes apenas de título! Quantos fazem questão de serem lembrados primeiramente pelo cargo que ocupam – ou dizem ocupar – sem merecimento algum sobre eles! Quantos de nós nos achamos acima da grande maioria apenas e tão-somente por termos na parede um diplomazinho qualquer! Aqui é que são elas: há dignidade num simples canudo ou fizemos por merecê-lo?
Esqueçamos as honrarias que pensamos merecer. Antes de qualquer título, diante da pequenez e fragilidade que revestem nossa existência, vale lembrar que nada somos além de simples mortais. Um oficial romano, ao se deparar com graves problemas de saúde em sua casa, quase se desesperou com a impotência para resolver aquela questão. De que lhe valeriam títulos e posições sociais, quando em sua casa havia dor e sofrimento… Deixou de lado sua graduação, sua autoridade e munido da maior humildade possível, interpelou o pobre nazareno, que perambulava por suas terras pregando uma nova filosofia de vida. Disse-lhe: “Também sou um subordinado e tenho soldados às minhas ordens. Eu digo a um: Vai, e ele vai; a outro: Vem e ele vem; e a meu servo: Faze isto, e ele o faz”… Isso tudo para justificar sua fé na ação de Jesus: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e minha casa será salva!”
De nada valem títulos e honrarias sem dignidade. Principalmente, sem o reconhecimento de nossa indignidade diante de Deus. Quando deixarmos de lado essa petulância de nos acharmos os maiorais no meio em que vivemos, ignorando a fragilidade que constitui nossa vida, uma única palavra de Jesus nos porá a salvo: “Vai, seja-te feito conforme a tua fé”. A morada da cidadania plena não é o lar terreno, a sociedade que nos acolhe, o mundo que nos reverencia, mas o coração que se abre à Palavra, os mistérios da revelação celeste. Nesse coração Jesus faz sua morada e se revela com toda sua autoridade. Esta, sim, merece respeito. Esta faz valer todo e qualquer título que pensamos possuir, mas que nos são concedidos única e exclusivamente por honra e mérito das graças de Deus. Em especial o título mais eloquente que um ser humano já mereceu: somos Filhos de Deus. E, com este codinome, somos merecedores, dignos de sua graça, sua misericórdia. Pois há muito a dignidade em pessoa, Jesus Cristo, faz sua morada entre nós.