Leandro Martins Soares é leigo missionário da Fraternidade Pobre de Jesus, da diocese de Mogi das Cruzes e participa do Projeto de ajuda a Igreja na Diocese de Pemba, em Moçambique, na África, mantido pelo Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Testemunho Missionário:
Lembro-me do dia que cheguei na aldeia de Mwambula (cidade moçambicana) na manhã do dia 19/12/2018. O ar daquele lugar era diferente, tudo era calmo e pacífico. Me senti tão bem e algo me dizia que aquele lugar era especial. Naquela ocasião estávamos ali provisoriamente devido à proximidade da aldeia (que já havia missionários e uma casa livre) com Nangade.
Logo percebi que era comum a população da aldeia recorrer aos padres Saletinos que já estavam ali há um ano para se queixarem de problemas de saúde. O povo já havia associado a presença missionária com profissionais de saúde uma vez que, na história da aldeia, muitas irmãs eram enfermeiras e trabalhavam nessa área por aqui. Aos poucos os aldeões começaram também a bater em nossa porta pedindo medicamentos para febre, dores de cabeça, diarreia etc.
O dia 07 de janeiro de 2019 foi o marco da inciativa de criar um projeto. Uma mãe bateu a nossa porta com um filho (Cristóvão) enrolado em uma capulana, (nome que se dá, a um pano que, tradicionalmente, é usado pelas mulheres), quando destampei o menino percebi que a criança estava repleta de feridas. Aos poucos se ajuntaram inúmeras moscas. Não sabendo o que fazer, sem ter qualquer formação ou noção médica, limpei aquelas feridas com Água Oxigenada e Óleo de Rícino. Daquele dia em diante a mãe trouxe a criança todos os dias para a limpeza das feridas.
Fui me dando conta de que o processo de cicatrização estava lento e fui me sentindo responsável por aquela criança. Sem saber o que mais podia fazer, criei um grupo no Whatsapp denominado “SOS” com seis médicos de diversas áreas. Levando o caso para os médicos as hipóteses indicavam um tratamento muito mais complexo do que a limpeza das feridas. Seria herpes? Micose? Picada de algum bicho?
Foi quando decidi recorrer à Irmã Teresa, da Congregação das Filhas de Jesus, residente em Metoro. A irmã, que trabalha com Medicina Alternativa – sobretudo com Bioenergia – há anos, sugeriu que a criança tomasse água com Aloe Vera além da limpeza das feridas. O resultado foi surpreendente e logo a criança ficou curada.
Aos poucos a notícia da cura de Cristóvão se espalhou e aumentava cada dia mais o número de pessoas em nossa porta. Nos dias que se seguiram, juntamente com o pároco da missão Pe. Edegard, resolvemos dar um passo a mais na área da saúde da aldeia – que, até o momento, era bastante precária (conta com um Posto de Saúde que muitas vezes faltam medicamentos). A Pastoral da Saúde da missão que até então se resumia em visitas aos doentes nas sextas-feiras se transformou em uma sala para atender a população através Medicina Tradicional.

A primeira estrutura do projeto, que recebeu o nome de Farmácia Viva, foi a criação de um canteiro para o cultivo das plantas. Em seguida foi-se ajeitando a sala para que, aos poucos as pessoas pudessem ser atendidas. A ideia era muito boa, muito utópica, mas meu conhecimento ainda não era o suficiente para que a sala começasse a funcionar. Mesmo assim, nem por isso deixamos de prosseguir com a reforma da sala.
Correndo contra a corrente, neste mesmo tempo, fui adquirindo livros de outros missionários para me dedicar aos estudos. Descobri alguns paroquianos que eram conhecedores das plantas da região e das suas propriedades curativas e me juntei a eles. Em poucos dias a notícia se espalhou e, antes mesmo que a sala estivesse pronta, 20 a 30 pessoas chegavam à porta do local. Deus foi providenciando tudo.
Nessa altura eu já havia dado passos demais dentro paróquia e o meu desejo de permanecer em Mwambula para prosseguir com o projeto era mais do que certo. Eu me sentia em casa! Já havia criado laços com meus novos irmãos aldeãos! Conversando com a comunidade do qual faço parte (Fraternidade O Caminho), com os padres da missão, com nosso bispo e com a benção de Deus, Mwambula oficialmente se tornou meu novo destino de missão.
Foi assim que a sala da Farmácia Viva começou a funcionar por volta do dia 28 de fevereiro. Embora o objetivo principal seja alcançar a saúde de um modo geral, pela Pastoral da Saúde começamos também um projeto para crianças desnutridas (principalmente com as que tem HIV/SIDA) desenvolvendo o carro chefe da Pastoral da Criança a nível do Brasil: a farinha multimistura. Já são 7 crianças cadastradas que, mensalmente são pesadas e acompanhado o seu desenvolvimento como fruto da papinha. O número de pessoas atendidas já passa de 150 e aos poucos temos recebido pessoas de outras aldeias de nossa Paróquia. Através da Farmácia Viva também acompanhamos alguns idosos e pessoas feridas em suas casas que estão impossibilitados de andar.

A base da Pastoral ainda é o aprendizado pelos livros e pela partilha de conhecimentos com médicos, enfermeiros, missionários e pessoas locais conhecedoras da Medicina Tradicional. Aqui destaca-se o grande apoio sempre solícito da Irmã Teresa, da Irmã Inês (Irmãs de São José de Chambéry) e dos anciãos Atanásio e Elias que sempre se dispõem a partilhar seus conhecimentos. O projeto também conta com a colaboração do jovem Sérgio Capemba que, gratuitamente ajuda na tradução da língua local e produção dos medicamentos.
Aos poucos temos colhido os frutos da cura através da natureza. São vários os relatos de pessoas gratas pelo desenvolvimento das crianças amparadas pela Multimistura, dos medicamentos naturais que aliviaram suas dores, pela cura de suas feridas ou por ter-se resolvido algum problema que até então a Medicina Convencional não havia solucionado.
Dia após dia a Pastoral nos dá um novo passo de aprendizado. Muitos casos não fazemos nem ideia de como poder ajudar e reconhecemos que a saúde é um campo enorme e que, inclusive, vai muito além da natureza. Mas nesta terra dores a nossa pequena Farmácia Viva se tornou um sinal de consolo e alento à Jesus presente no enfermo.