O Tempo Comum que vai do Natal à Quaresma é relativamente curto, mas nos coloca diante do início da vida pública de Jesus e a apresentação de sua missão. Essa missão, que hoje é continuada na Igreja, nos desafia no tempo atual com suas dificuldades e sonhos. Por isso, a cada dia desse tempo somos interpelados. Qual o sentido da vida diante da dor, do sofrimento, e o que anunciar ao mundo de hoje?
O livro de Jó, na primeira leitura deste Quinto Domingo do Tempo Comum, de modo dramático, mostra a vida humana: “Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a Terra? Seus dias não são como dias de um mercenário”? E continua: “tive por ganho meses de decepção, e couberam-me noites de sofrimentos. Se me deito, penso: quando poderei levantar-me? E, ao amanhecer, espero novamente a tarde… Meus dias correm mais rápido do que a lançadeira do tear e se consomem sem esperança. Lembra-te de que minha vida é apenas um sopro e meus olhos não voltarão a ver a felicidade”.
Parecem palavras negativas, desesperadas estas de Jó, porém, na realidade, são uma reflexão realista sobre o mistério da vida humana, uma reflexão cheia de esperança, porque feita à luz de Deus. Uma coisa é pensar nas realidades negativas de nossa existência simplesmente contando com nossas forças. Que desespero, que desilusão, que vazio de sentido! Outra, bem diferente, é encarar a vida também com suas trevas, à luz de Deus, o amor eterno e onipotente! Que esperança que não decepciona, que paz que invade o coração, mesmo na dor!
Neste tempo em que se cultua o corpo, o físico sarado, a saúde e o vigor físico, e se presta tão pouca atenção ao sofrimento, à dor, ao fracasso… Neste mundo que tem medo de pensar na morte e de assumir que todos morreremos, que não sabe o que fazer com o sofrimento, com a doença, com a decadência física, com a deformidade do corpo, estas palavras de Jó convidam-nos a colocar os pés no chão. Por isso, não são palavras pessimistas porque aquele que chora e busca o sentido da existência, fá-lo diante de Deus. A leitura conclui em forma de oração: “Lembra-te de que minha vida é apenas um sopro e meus olhos não voltarão a ver a felicidade”. O triste na vida não é sofrer, não é chorar, não é morrer… Triste e miserável é sofrer e chorar e morrer sem Deus, que dá sentido à nossa existência.
A resposta plena, porém, vem no Evangelho (Mc 1, 29-39), onde apresenta Jesus rodeado de uma multidão marcada pelo sofrimento: “Curou muitos enfermos atormentados por diversos males e expulsou muitos demônios” (Mc 1, 34). Mas se, por um lado, Ele se dedica a curar, por outro se retira para um lugar deserto. E ali orava durante a noite. Ação apostólica e oração se completam. Pedro e seus companheiros O procuram. Quando O encontram, dizem-lhe: “Todos te procuram”. A verdadeira luz deve ser procurada em Deus, sobretudo através da oração.
Quando os apóstolos disseram: “Todos andam à Tua procura”; o Senhor respondeu-lhes: “Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim” (Mc 1, 38). A missão de Cristo é evangelizar, levar a Boa Nova até o último recanto da Terra através dos Apóstolos e dos cristãos de todos os tempos. Esta é a missão da Igreja, que assim cumpre o que o Senhor lhe ordenou: “Ide e pregai a todos os povos…, ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei” (Mt 28, 19-20).
Os Atos dos Apóstolos narram muitos pormenores da primeira evangelização; no próprio dia de Pentecostes, São Pedro prega a divindade de Jesus Cristo, a sua Morte redentora e a sua Ressurreição gloriosa. São Paulo, citando o profeta Isaías, exclama com entusiasmo: “Como são formosos os pés dos que anunciam a Boa Nova”! E a segunda leitura da Missa fala-nos da responsabilidade deste anúncio alegre da verdade salvadora: “Porque evangelizar não é glória para mim, mas necessidade. Ai de mim se não evangelizar”.
Com estas mesmas palavras de São Paulo, a Igreja tem recordado, com frequência aos fiéis, o chamado que o Senhor lhes dirige para levarem a doutrina de Cristo a todos os cantos do mundo, aproveitando qualquer ocasião. A dedicação à tarefa apostólica nasce da convicção de se possuir a Verdade e o Amor, a verdade salvadora e o único amor que preenche as ânsias do coração. Quando se perde essa certeza, não se encontra sentido na difusão da fé. Chega-se a pensar, por exemplo, mesmo em ambientes cristãos, que não se pode fazer nada para que apoiem uma lei reta, de acordo com o querer divino. Deixa também de ter sentido levar a doutrina de Cristo a regiões onde ela ainda não chegou, ou onde a fé não está profundamente arraigada; quanto muito, a missão apostólica converte-se numa mera ação social em favor da promoção desses povos, esquecendo o maior tesouro que lhes pode dar: a fé em Jesus Cristo, a vida da graça.
No próximo dia 11, na celebração de Nossa Senhora de Lourdes, iremos comemorar o Dia do Enfermo. Ver a vida em toda a sua realidade à luz da fé faz a diferença. E com a Palavra de hoje, somos chamados a ser testemunhas alegres de Cristo, anunciando a boa notícia a este mundo que procura, “às apalpadelas”, o sentido da vida diante de tantas situações pelas quais passa no dia a dia.
Eis a nossa missão a que hoje o Evangelho nos chama, e que tanto o Papa Francisco tem insistido: uma igreja em saída, samaritana, próxima que testemunha a “alegria do evangelho”.