Mestre, estamos afundando.

                No mês de maio o Rio Grande do Sul experimentou a força da água quando sai dos seus limites habituais, causando morte, destruição, medo, desespero e angústia. A liturgia situa-se num ambiente de mar agitado. (Jo 38,1.8-11, Salmo 106, 2 Coríntios 5,14-17 e Marcos 4,35-41). Em ambas as situações, surge a mesma pergunta: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?”

                As enchentes acontecidas e o texto bíblico oferecem a oportunidade para refletirmos sobre a água, tanto no sentido natural, quanto simbólico e religioso. A água está na origem da vida dos seres vivos e sempre gera vida ou morte. Na natureza encontramos a água aprisionada em mares, lagos, piscinas, caixas e recipientes. A água que cai livre das nuvens rapidamente penetra na terra ou se direciona para os leitos dos rios, tornando-se semilivre. Os primeiros efeitos que observamos da água é que ela faz viver, ela dissolve produtos, dissolve sujeira, apaga o fogo e também faz morrer.

                A água impressiona a nossa imaginação. O corpo humano precisa de água, mas o corpo também é água. Os oceanos, mares, rios e geleiras cobrem a maior parte do planeta. A água exerce uma atração irresistível. As cidades foram construídas a beira de rios, oceanos e mares e se orgulham em criar ambientes atrativos às suas margens. Os roteiros turísticos envolvendo água são abundantes e chamativos.

                A água está na origem conforme o texto bíblico do Gênesis e também em outras cosmogonias. “A terra era sem forma e vazia, e sobre o abismo havia trevas, e o espírito de Deus pairava sobre as águas”. […] “Juntem-se num único lugar as águas […] e apareça o elemento seco”. Para passar do caos para o cosmos foi necessário ordenar o lugar da água e da terra seca. Quando se mantem equilíbrio a vida é preservada, mas quando a água sai do seu lugar, vira caos e causa a morte.

                A bíblia fala da água natural e em sentido simbólico. Grandes acontecimentos acontecem com a presença da água, por exemplo: a criação, o dilúvio, a passagem do Mar Vermelho e do Rio Jordão. Muitos relatos situam Jesus junto a água, eis algumas citações: é batizado no Rio Jordão, nas Bodas de Caná transforma água em vinho, dialoga com a samaritana junto ao poço; um copo de água dado com amor fica sem recompensa, ensina nas margens do mar da Galileia, navega, caminha sobre as águas, Pilatos lava as mãos, morto na cruz de seu coração aberto pela lança saem sangue e água. No mundo bíblico o mar representa um lugar perigoso, abitado por seres gigantes e perigoso para viajar. Somente Deus tem poder sobre mares. Deus ordena a Moisés erguer a vara e o mar se divide; Jesus caminha sobre as águas e ordena ao vento e ao mar que se acalmem. “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem”.

                As grandes enchentes revelam a força vital e destruidora da água. Dois aspectos inseparáveis que se chamam continuamente. Cada pessoa e toda sociedade devem desenvolver um relacionamento harmonioso e respeitoso com a água. Sem água não há vida, desrespeitando-a é causa morte.

    A força natural da água ilumina e faz compreender o sentido simbólico e religioso. Para os cristãos tudo começa na água do batismo. Tertuliano (155-220) escreveu: “Nós, peixinhos, que temos nosso nome de nosso peixe (ichthys) Jesus Cristo, nascemos na água e não temos outro meio de salvação a não ser permanecendo nesta água saudável”.

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