Mensagem aos sacerdotes

    Quinta-feira Santa de 2017

    Ouçamos o Papa!

    Nesta Quinta-feira Santa, dirijo esta Mensagem Especial aos Bispos auxiliares, Sacerdotes, Diáconos e a todos quantos se preparam para o ministério sacerdotal nesta nossa querida Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.
    Nesta oportunidade, desejo fazê-lo tendo por base as sábias e oportunas palavras do Papa Francisco ao clero de Roma, em memorável e longo discurso proferido no dia 2 de março último, na Basílica de São João de Latrão, na Cidade Eterna, de um modo especial no ponto que toca a fé de Pedro, fraca por si mesma, mas forte em Deus, bem como a importância profunda do perdão.
    O pronunciamento de Francisco tem início, meus irmãos, com a recordação do pedido dos Apóstolos: “Senhor, aumenta a nossa fé” (Lc 17,5). Afinal, tinham eles ouvido tantas coisas grandiosas dos lábios do Mestre, que só com uma fé maior e realmente sobrenatural poderiam entender e colocar em prática aquilo que Cristo lhes ensinava: se alguém pecar contra ti até sete vezes e em todas elas lhe pedir perdão, este deve ser concedido ao errante arrependido.
    O Papa vai além e recorda a passagem paralela de Mt 18,21-22, na qual Pedro pergunta se deve perdoar “até sete vezes”, e Jesus lhe responde que não é até sete vezes, mas, sim, até setenta vezes sete, ou seja, infinitamente e de modo perfeito. O número sete significa, naquele contexto, a perfeição. Quem perdoa de verdade esquece a ofensa feita.
    No ministério ordenado ou que se prepara para a doação de suas vidas a Deus como participante do único e verdadeiro sacerdócio da Nova Aliança, que é o de Cristo Jesus (cf. Hb 5,10; 6,20), é preciso uma fé grandiosa para bem vivenciarmos, no dia a dia, esse nobre apelo do Evangelho, dado que somos criaturas frágeis, concebidas no pecado original, mas também homens novos tornados filhos no Filho pelo Batismo (cf. Gl 4,5) e chamados à perfeição (cf. Mt 5,48). Daí o paradoxo a que somos chamados a enfrentar: ser santos… apesar das nossas não poucas nem pequenas fraquezas.
    Quero, portanto, dentro dessa longa explanação do Papa, a ser lida e meditada na íntegra por todos nós, ater-me ao ponto da fé do Apóstolo Pedro, que oscila, como já mencionei, entre a santidade e a pequenez humana sujeita a muitas limitações. Diz, com efeito, o Santo Padre: “Para concretizar esta reflexão relativa a uma fé que cresce com o discernimento do momento, contemplemos o ícone de Simão Pedro ‘passado no crivo’ (cf. Lc 22, 31), que o Senhor preparou de maneira paradigmática, a fim de que com a sua fé provada confirmasse todos nós que ‘amamos Cristo sem o ter visto’ (cf. 1 Pd 1, 8)”.
    Sim, parece muito estranho que o pescador escolhido pelo Senhor para estar à frente da Sua Igreja quando Ele partisse possa ser censurado pela pouca fé que tem (cf. Mt 14,310), ao passo que outras pessoas do povo ou mesmo de fora do povo eleito – Israel – mereçam elogios devido à grande fé que possuem, como é o caso do centurião (cf. Lc 7,9) e da mulher sírio-fenícia (cf. Mt 15,28). E disso tudo decorre um ponto interessante: momentos antes da Paixão, enquanto os discípulos discutem entre si quem é o maior e quem haverá de trair o Mestre, Jesus, Nosso Senhor, centra-se na fé de Pedro, ao dizer: “Simão, Simão, olha que Satanás vos reclamou para vos joeirar como o trigo. Mas Eu rezei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos” (Lc 22, 31-31).
    A partir daqui, o Papa faz uma bela exegese deste trecho e que, por isso, vale a pena acompanhar com atenção: “Esclareçamos os termos, porque as preces do Senhor ao Pai são para conservar como tesouros no coração. Consideremos que o Senhor ‘reza’ por Simão, mas pensando em nós”.
    “‘Desfalecer     é a tradução de ekleipo – ‘eclipsar-se’ – e é muito plástica a imagem de uma fé eclipsada pelo escândalo da paixão. É a experiência à qual chamamos desolação: algo encobre a luz. Voltar para trás (epistrepsas) exprime aqui o sentido de ‘converter-se’, de retornar à consolação anterior depois de uma experiência de desolação e de ser passado no crivo por parte do demônio”.
    “‘Confirmar’ (sterizon) diz-se no sentido de ‘consolidar’ (histemi) a fé a fim de que a partir daquele momento seja ‘determinada’ (cf. Lc 9, 51). Uma fé que nenhum vento de doutrina pode demover (cf. Ef 4, 14). […] Podemos reler as palavras do Senhor da seguinte maneira: ‘Simão, Simão, […] pedi ao Pai por ti, para que a tua fé não permaneça eclipsada (pelo meu rosto desfigurado, em ti que o viu transfigurado); e tu, quando saíres desta sensação de desolação da qual o demônio se aproveitou para te passar no crivo, confirmas (com esta tua fé provada) a fé dos teus irmãos’”.
    “Vemos assim que a fé de Simão Pedro tem um caráter especial: é uma fé provada, e, com ela, tem a missão de confirmar e consolidar a fé dos seus irmãos, a nossa fé. A fé de Simão Pedro é menor do que a de tantos pequeninos do povo fiel de Deus. Até pagãos, como o centurião, têm uma fé maior no momento de implorar a cura de um doente da sua família. A fé de Simão é mais lenta do que a de Maria Madalena e de João, que só crê ao ver o sinal do sudário, e reconhece o Senhor às margens do lago só ao escutar as Suas palavras. A fé de Simão Pedro tem momentos de grandeza, como quando confessa que Jesus é o Messias, mas depois seguem quase imediatamente outros momentos de grave erro, de extrema fragilidade e de total desconcerto, como quando quer afastar o Senhor da cruz, ou quando afunda sem remédio no lago ou deseja defender o Senhor com a espada. Para não falar do momento vergonhoso das três negações diante dos servos”.
    Dois pontos me vêm à memória e gostaria de compartilhar com os senhores: o primeiro é ainda sobre Pedro, que não se deixa vencer pelo mal (o pecado), mas, com a graça de Deus para a qual ele se abre, vence o mal com o bem (cf. Rm 12,21). Ele se reconhece frágil e necessitado da grandiosa misericórdia de Deus que a todos é oferecida, basta que a peçamos com as palavras do cego (cf. Mc 10,47), e que muitos santos monges a usaram como jaculatória diária contínua: “Jesus, Filho de Davi, tende piedade de mim”!
    Sim, logo após trair o Mestre, este lhe dirige o olhar e o cura, levando-o a chorar amargamente (cf. Lc 22,62). É o arrependimento pelo erro que o próprio Cristo já previra. No entanto, a verdadeira amizade com Jesus é reforçada ou totalmente restaurada diante da Igreja, logo adiante, no interrogatório da tríplice pergunta e da tríplice resposta, conforme aponta ainda o Papa: “Neste interrogatório podemos ver um modo de proceder do Senhor, ou seja, começar a partir de algo bom, que todos reconheciam e com o qual Simão Pedro podia estar contente: ‘Amas-me mais do que estes’? (v. 15); confirmá-lo, simplificando-o, com um simples ‘amas-me’? (v. 16), que tira da alma de Simão qualquer desejo de grandeza e rivalidade; para acabar naquele ‘amas-me como amigo’? (v. 17), que é o que Simão Pedro mais deseja e, evidentemente, é o que mais está a peito de Jesus. Se é verdadeiramente amor de amizade, este amor nada tem a ver com algum tipo de repreensão ou correção: a amizade é amizade e é o valor mais alto que corrige e melhora tudo o resto, sem necessidade de falar sobre o motivo”.
    “Talvez a maior tentação do diabo fosse esta: insinuar em Simão Pedro a ideia de não se julgar digno de ser amigo de Jesus, porque O tinha atraiçoado. Mas o Senhor é fiel. Sempre. E de tempos em tempos renova a Sua fidelidade. ‘Se somos infiéis Ele continua fiel, pois não pode renegar-se a si mesmo’ (2 Tm 2, 13), como diz Paulo a Timóteo, seu filho na fé. A amizade possui esta graça: um amigo que é mais fiel pode, com a sua fidelidade, tornar fiel o outro que não o é tanto. E se se trata de Jesus, Ele mais do que ninguém tem o poder de tornar fiéis os seus amigos. É nesta fé – a fé num Jesus amigo fiel – que Simão Pedro é confirmado e enviado a confirmar-nos a todos. É neste sentido específico que se pode ler a tríplice missão de apascentar as ovelhas e os cordeiros. Considerando tudo o que exige o cuidado pastoral, é essencial o elemento de fortalecer os outros na fé em Jesus, que nos ama como amigos. É a este amor que se refere Pedro na sua Primeira Carta: trata-se da fé em Jesus Cristo que – diz – ‘amais, sem o terdes visto; e ainda, credes nele, sem o verdes’, e esta fé leva-nos a exultar ‘de alegria inefável e gloriosa’, convictos de alcançar ‘a meta da (nossa) fé: a salvação das almas’ (cf. 1 Pd 1, 7-9)”.
    Outro ponto que gostaria de tratar é o da tentação, obra diabólica à qual todos estamos sujeitos. Por isso pedimos diariamente, e bem mais de uma vez, no Pai-Nosso, que o Senhor não nos deixe cair em tentação. E Ele não deixa, pois jamais permite que sejamos tentados acima de nossas forças, (cf. 1Cor 10,13) e assim como rezou por Pedro, continua a orar por nós de onde está, ou seja, à direita do Pai (cf. Rm 8,34). Sejamos confiantes, pois não obstante todas as provações, Deus caminha conosco e não nos deixa sucumbir na provação, se n’Ele confiarmos inteiramente (cf. Mt 14,31).
    Daí, ser preciso ter presente que a vida é um grande embate, especialmente contra o Maligno, embora também o mundo – entendido como mundanismo – e a nossa própria carne, sejam poderosas fontes de tentações. O Senhor a todos se faz presente com Sua graça, conforme explana o Papa: “Se nas provações que têm origem na nossa carne o Senhor nos encoraja e fortalece, realizando muitos milagres de cura, nestas tentações que vêm diretamente do demônio, o Senhor usa uma estratégia mais complexa. Vemos que há alguns demônios que expulsa diretamente, sem rodeios; outros neutraliza-os, silenciando-os; outros faz com que falem, pergunta o seu nome, como o que era ‘Legião’; a outros responde amplamente com a Escritura, suportando um longo procedimento, como no caso das tentações no deserto. Este demônio, que tenta o seu amigo no início da Sua paixão, derrota-o rezando, não porque o deixe em paz, mas para que o seu joeirar se torne motivo de força em benefício dos outros”.
    O Santo Padre não deixa de lembrar ainda que a provação é algo contínuo e não apenas momentâneo, uma vez que terminada a dúvida crucial de Pedro, se Cristo é ou não seu amigo, lhe advém outra tentação – talvez a dos ciúmes ou da insegurança pessoal – que nada menos é do que ter dúvidas se o Senhor ama mais a João, tido, aliás, como o discípulo amado, ou a ele (Pedro)? – A resposta do Mestre é enfática e demonstra ser perda de tempo tentar sondar os desígnios divinos, importa segui-Lo, ao responder-lhe: “Que te importa? Segue-Me”! (Jo 21,22).
    Como somos frágeis e necessitados da divina misericórdia, meus amados irmãos! Aprendamos, portanto, a nos reconhecer pecadores e a pedir a graça divina, hoje e sempre.
    Da grandeza e da fragilidade paradoxal de Pedro tiremos, com o Papa, uma lição para nosso ministério ordenado, pois o “que ajuda no crescimento da fé é manter unidos o próprio pecado, o desejo de bem do próximo, a ajuda que recebemos e o apoio que nós devemos oferecer. É inútil separá-los: não podemos sentir-nos perfeitos quando desempenhamos o ministério e, quando pecamos, justificar-nos porque somos como todos os outros. É necessário unir tudo: se fortalecemos a fé dos outros, façamo-lo como pecadores. E quando pecamos, confessemo-nos por aquilo que somos, sacerdotes, frisando que temos uma responsabilidade em relação às pessoas, não somos como todos. Estas duas realidades amalgamam-se bem quando levamos em frente o povo, as nossas ovelhas, especialmente os mais pobres. É o que faz Jesus quando pergunta a Simão Pedro se O ama, sem nada lhe dizer a respeito da dor ou da alegria que este amor lhe causa, levando-o a considerar os seus irmãos deste modo: apascenta as minhas ovelhas, confirma a fé dos teus irmãos.” […] “‘Dá graças se sentes que tens pouca fé’, porque quer dizer que amas os teus irmãos. ‘Dá graças se te sentes pecador e indigno no ministério’, pois significa que entendes que se fazes algo é porque Jesus ora por ti, e sem Ele nada podemos”. (Cf. Jo 15, 5)
    “Diziam os nossos antepassados que a fé aumenta quando realizamos gestos de fé. Simão Pedro é o ícone do homem que em todos os momentos o Senhor Jesus leva a cumprir atos de fé. Quando Simão Pedro entende esta ‘dinâmica’ do Senhor, esta sua pedagogia, não perde a ocasião para discernir, a cada momento, qual gesto de fé pode fazer no seu Senhor. E nisto não se engana. Quando Jesus age como seu Senhor, atribuindo-lhe o nome de Pedro, Simão deixa-O agir. O seu ‘assim seja’ é silencioso, como aquele de São José, demonstrando-se real ao longo da sua vida. Quando o Senhor o exalta e humilha, Simão Pedro não olha para si mesmo, mas presta atenção para aprender a lição do que vem do Pai ou daquilo que provém do diabo. Quando o Senhor o repreende, porque se tinha engrandecido, deixa-se corrigir. Quando o Senhor lhe mostra, de modo divertido, que não se deve disfarçar diante dos cobradores de impostos, vai pescar peixes com a moeda. Quando o Senhor o humilha, prenunciando que O havia de renegar, é sincero e diz o que sente, como o será quando chorar amargamente, deixando-se perdoar. Houve numerosos momentos muito diferentes na sua vida, e no entanto há uma única lição: a do Senhor que confirma a sua fé, a fim de que ele possa corroborar a fé do seu povo. Peçamos, também nós, a Pedro que nos confirme na fé, a fim de que nós, por nossa vez, possamos confirmar a fé dos nossos irmãos”, conclui o Papa.
    Alguns pontos práticos, portanto, vêm ao caso, a título de conclusão desta longa Mensagem: 1) um bom exame de consciência diário, especialmente na Oração de Completas há um momento apropriado para isso; 2) a Confissão sacramental frequente mesmo dos pecados leves, a fim de que cada vez mais nos aproximemos de Cristo por Sua graça, e tenhamos, desse modo, força para resistir às tentações, mesmo a quem se sente tentado, a Confissão é o melhor exorcismo; 3) a Oração pessoal, especialmente diante do Sacrário, bem como a oração por excelência da Igreja, que temos o dever de rezar, que é a Liturgia das Horas, ao menos em suas Horas maiores; 4) celebrar a Santa Missa com profunda piedade, como se ela fosse a única da sua vida de sacerdote. Afinal, quem nos garante que poderemos presidir ou concelebrar outras?; 5) dedicar-se a boas leituras que nos enriquecem muito, espiritual e intelectualmente, a fim de que possamos melhor servir o Povo de Deus; 6) participar de retiros espirituais ao menos uma vez ao ano (e a participação no retiro é obrigatória, pois ninguém estará dispensado); 7) viver a comunhão presbiteral com o Bispo Diocesano e com os demais sacerdotes, especialmente os mais necessitados; 8) dar atenção aos seminaristas a precisarem do nosso bom exemplo e a nos entusiasmarem com o fulgor da sua juventude; 9) não perder a ocasião de praticar a caridade para com todos. Entre outros tópicos que cada um poderá acrescentar por conta próprio.
    Feliz Dia do Sacerdócio a todos! Estejam certos de que, não obstante as limitações como as de Pedro, o Bispo Diocesano, como primeiro responsável pela unidade diocesana, reza e acompanha cada um dos senhores em sua vocação, e conta também com a preciosa oração de todos por ele e por seu ministério de presidir, na caridade, esta parcela do Povo de Deus a ele confiada.

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