Nas leituras que a liturgia deste 23º Domingo do Tempo Comum nos propõe, sobressai a temática do “caminho”: a nossa vida é um caminho, nem sempre linear, nem sempre fácil, que nos leva até a meta final da nossa existência, a vida verdadeira e eterna. O que devemos fazer e que precauções devemos tomar para não nos desviarmos e falharmos o alvo? Quem nos conduzirá e nos apontará a direção certa?
Na primeira leitura (Sb 9,13-18), um “sábio” de Israel reflete sobre as limitações inerentes à nossa condição de seres humanos. O autor sagrado reconhece a fragilidade dos pensamentos e das reflexões dos mortais, o que revela a necessidade da sabedoria divina para conhecer e discernir os desígnios do Senhor. Ele acredita que a única forma de chegarmos à vida verdadeira é acolhermos a “sabedoria” de Deus e deixarmo-nos guiar por ela. Esse é o caminho que ele sugere a todos aqueles que se preocupam em construir uma vida plena de sentido. Iluminados pela sabedoria de Deus, saberemos o que Ele deseja de nós!
No Evangelho (Lc 14,25-33), Jesus traça as coordenadas do “caminho do discípulo”. O texto está inserido no contexto da “subida” de Jesus a Jerusalém. Vendo as grandes multidões, Jesus se dirige a todos — o convite ao discipulado é, portanto, universal. No centro desse convite — que é também um chamado — está o alerta do Mestre quanto à radicalidade da escolha, à perseverança diante das dificuldades, dos possíveis fracassos e das perseguições. Quem se dispõe a percorrer esse caminho deve caminhar com os olhos fixos em Jesus e no Reino de Deus. Não pode deixar-se distrair, nem pelas pessoas, nem pela preocupação com bens materiais, nem por projetos e interesses pessoais. Jesus repete três vezes: “não pode ser meu discípulo” e apresenta as exigências para ser seu fiel seguidor, mostrando a necessidade de renunciar a tudo o que dificulta o discipulado. O Mestre não pede o impossível, mas exige disponibilidade para tudo o que for possível. Quem embarca na aventura do Reino de Deus deve fazê-lo sem reticências, sem condições, com total empenho e compromisso.
As condições colocadas por Jesus para ser discípulo são radicais: desapegar-se dos vínculos sanguíneos, no sentido de “amar menos” a estes para amá-lo mais e entregar-se inteiramente aos propósitos do Reino de Deus, assim como Ele mesmo se entregará de modo livre e generoso na cruz. Jesus apresenta essas condições com palavras duras, a fim de demonstrar que a entrega de si ao Reino e à sua pessoa não é um ato descompromissado, fruto de um “sim” dado sem reflexão e sem honestidade de coração. O “sim” proferido só será firme se feito na liberdade diante de tudo, de todos e até de si mesmo.
As três condições de Jesus estão em pleno vigor:
- Liberdade em desapegar-se até mesmo dos afetos humanos mais preciosos, como os familiares;
- Disponibilidade para assumir a cruz, ao lado dos sofredores, percorrendo o mesmo caminho trilhado por Jesus;
- Renúncia a compactuar com tudo o que dificulta a instauração do Reino, promovendo os valores da partilha e da fraternidade entre as pessoas.
Na segunda leitura (Fm 9-10.12-17), a partir da história de Onésimo, o escravo fugitivo, São Paulo recorda que o amor é o foco fundamental que ilumina o caminho dos discípulos de Jesus na história. É um belo exemplo para a ação da Igreja, que tem o dever de denunciar e contestar todo tipo de escravidão. É o amor que nos permite descobrir a igualdade de todos os homens, filhos do mesmo Pai e irmãos em Cristo; é o amor que nos permite acolher e abraçar todos os “Onésimos” que encontramos pelo caminho.
A consistência em seguir a Jesus requer continuidade. O cristão deve desapegar-se de tudo e reencontrar tudo na lógica do amor e do serviço. O que se requer é disponibilidade e perseverança, especialmente nos tempos de grandes exigências e de necessidade de resiliência. Somos desafiados por Jesus a segui-lo, desapegando-nos de tudo o que possa ser obstáculo no caminho do discipulado. Decidir caminhar com Ele significa discernir e escolher, com sabedoria, os valores agradáveis a Deus que fazem nascer a nova sociedade. Deixemo-nos conduzir pela bondade do Senhor, nosso refúgio, celebrando neste mês a Bíblia, que orienta a nossa vida de cristãos.