Leigos e leigas que foram sal e luz

    Ao aprofundar a missão do cristão leigo na Igreja e na Sociedade, creio que seria interessante aprofundar, ou pelo menos nomear e recordar, alguns deles que na história da Igreja se destacaram. São exemplos importantes a considerar nestes tempos complexos que vivemos.  São leigos e leigas que souberam corresponder ao seu Batismo e ser sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-14) nas mais diversas épocas e contextos históricos e socioculturais. Para isso me sirvo de livros e sites que tratam da vida desses homens e mulheres de Deus. São histórias que já estão no domínio publico, mas que sempre é importante recordar.
    1) Catarina de Sena nasceu em 25 de março de 1347, em Sena (Itália), de pais muito pobres e com vinte e cinco filhos. Teve uma infância conturbada, não pôde aprender nem o básico da escrita (era completamente analfabeta), cresceu franzina, fraca e adoentada.
    Aos sete anos, consagrou sua virgindade a Deus e, logo que pôde, ingressou na Ordem Terceira Dominicana (hoje, Fraternidade Leiga Dominicana) com o desejo de ser santa no seu dia a dia, dentro da realidade social e eclesial conturbada da época. Em uma vida verdadeiramente mística, ou seja, unida a Deus, tinha inspiração para ditar as famosas “Cartas” aos que sabiam escrever, a fim de que consignassem por escrito seus belos pensamentos. São verdadeiros tratados teológicos que trazem, entre outros pontos, temas como a Santíssima Trindade e o amor ao Papa: o “doce Cristo na Terra”. Também é sua a obra “Diálogo sobre a Divina Providência”.
    Conseguiu ser ouvida por reis, príncipes, cardeais e papas, fazendo, por exemplo, o Papa Urbano VI, exilado em Avinhão (França), voltar para Roma, onde era seu lugar. Cabe lembrar que há 70 anos os Sumos Pontífices se sucediam naquela cidade francesa devido a cismas e perseguições à Igreja. Além disso, pela graça de Deus, converteu a muitos, curou doentes e lutou por seu lugar ao sol em um mundo no qual a mulher não era respeitada.
    Ela entregou sua alma a Deus no dia 29 de abril de 1380, após sofrer um derrame, aos 33 de idade. Trazia em seu corpo os estigmas da Paixão de Cristo. Foi declarada, de modo inédito, a primeira mulher “doutora da Igreja” pelo Papa Paulo VI, em 1970, ensinando-nos o valor da mulher, leiga, e mesmo sem estudos formais, mas cheia de Deus na fidelidade à Mãe Igreja que a gerou para a vida divina pelo Batismo (site: http://www.franciscanos.org.br/?p=59857). 
    2) Isabel da Hungria nasceu em 1207 e aos 4 anos já se interessava por rezar na capela e levar outras crianças para lá. Quando não podia entrar, beijava a porta e dizia: “Deus repousa aí dentro”. Ainda nova, perdeu a mãe, a Rainha Gertrudes, e também o seu grande protetor, o duque Herman, pai de seu futuro esposo, o Duque Luiz de Turíngia, com quem se casou aos 13 anos, como era, então, costume.
    Mesmo contra a vontade de seus familiares nobres, distribuía muitos bens aos pobres. Mais: certa vez, desceu até a portaria do castelo, tomou um leproso em seus braços e o levou para a sua cama de casal, deixando-o em repouso coberto por um lençol. O Duque Luiz foi ver, maravilhado (era muito piedoso) o feito da esposa, e, ao puxar o lençol, viu não um leproso qualquer, mas Nosso Senhor. Concretizara em sua retina a passagem de Mateus 25, a dizer que tudo o que é feito aos pequenos deste mundo é ao próprio Cristo que se faz.
    Na grande fome do ano de 1226 que assolou a região, Isabel abriu mão dos tesouros que tinha, bem como as portas do castelo e dos celeiros para acolher necessitados e alimentar a faminta multidão. Fundou três hospitais: um para mulheres, outro para crianças e o terceiro para o povo em geral. Nas mortes de indigentes, ela mesma fazia o sepultamento, ou se o falecido tinha família, após o enterro, socorria a viúva, o viúvo e os órfãos, dando-lhes roupas, calçados e alimentos a fim de não perecerem no frio, na chuva ou em quaisquer intempéries do tempo. Era caridosa ao extremo, desapegada de tudo, esposa e mãe exemplar. Ficou viúva por volta de 1227 (seu marido fora para a Cruzada naquele ano e lá morrera).
    Aproveitando-se da viuvez de Isabel, seus cunhados a expulsaram do palácio com os quatro filhos, em uma noite fria, com a ordem de que ninguém a recebesse em sua casa. Ela foi parar em um abrigo improvisado, que servia de chiqueiro aos porcos. Longe de reclamar, certo dia visitou um convento de frades franciscanos, a fim de pedir-lhes que cantassem o Te Deum louvando a Deus por dar-lhe a honra de participar dos sofrimentos de Cristo.
    Recusou muitas propostas de casamento com nobres, dado seu desapego às coisas da Terra. Devido às censuras de cruzados amigos de seu marido, seus cunhados lhe pediram perdão, em prantos, e lhes devolveram os bens a que tinha direito. Ela viveu, porém, em uma casa modesta ao lado do convento dos frades, em vida de Clarissa, ajudando os necessitados. Faleceu em 19 de novembro de 1231, com fisionomia extática (de quem teve êxtase). Seu corpo ficou na igreja, exposto por quatro dias. Foi solenemente canonizada em 1235, pelo Papa Gregório IX (cf. Antônio Queiroz. Revista Arautos do Evangelho, nov/2004, n. 35, p. 22-25)
    3) Tomas Moro nasceu em Londres, na Inglaterra, em 7 de fevereiro de 1478. Casou-se com Ana Colt em 1505 e teve quatro filhos. Ficou, porém, viúvo, em 1511, casando-se, então, com Alice Middleton, viúva e mãe de uma criança, mas não tiveram filhos.
    Advogado, professor universitário, parlamentar, estudioso, escritor, Moro chegou a ser presidente do Parlamento e, com o rei Henrique VIII, tornou-se chanceler da Inglaterra.
    Sua firme obediência a Deus antes que aos homens foi sentida a partir do ano de 1529, época em que começaram os rumores de que o rei desejava separar-se de Catarina de Aragão, sua verdadeira esposa, para se casar novamente. Não obtendo para isso o consentimento do Papa, optou por desligar-se da Igreja de Roma para declarar-se o chefe supremo da Igreja na Inglaterra, atribuindo a si mesmo o poder de legitimar o casamento pretendido, que ele de fato realizou. Desse modo, Henrique VIII, com apoio de parte da Corte e dos clérigos, desrespeitava o sacramento do Matrimônio instituído por Deus.
    Tomás Moro, porém, mantendo-se fiel ao Rei dos reis e à própria consciência, deixou seu cargo em silêncio, no dia 16 de maio de 1532, provocando a desconfiança do rei. Desconfiança que se agravou quando o ex-chanceler do Reino se recusou a concordar, em documento, com a supremacia do rei em matéria religiosa – menosprezando o Papa – e com o seu segundo casamento com Ana Bolena. Foi, então, preso, em 1534, e condenado à morte por decapitação em 6 de julho de 1535, tendo a cabeça exposta na Ponte de Londres por um mês, até ser recolhida pela filha, que lhe deu sepultura.
    É, por essas razões, considerado um modelo de fidelidade a Deus em sua Igreja e à própria consciência. Representa a luta pela liberdade individual ante os poderes arbitrários deste mundo, que desejam sufocar a presença de Deus entre os homens. Reconhecidas as suas virtudes heróicas, Tomás Moro foi beatificado em 29 de dezembro de 1886, pelo Papa Leão XIII, e canonizado em 19 de maio de 1935, pelo Papa Pio XI. São João Paulo II o declarou patrono dos estadistas e políticos, em 2000. (V. de Lima. Obedecer antes a Deus que aos homens. 2ª ed. São Paulo: Ixtlan, 2016, p. 63-64).
    4) Frederico Ozanam nasceu no dia 23 de abril de 1813, em Milão (Itália). Era filho de Jean-Antoine, médico de renome, mas cuja fama não era empecilho para que tratasse igualmente pobres e ricos a dependerem de seus serviços, e de Marie Ozanam, também muito caridosa para com todos os necessitados. Ora, isso levou o menino a crescer em um ambiente permeado pela misericórdia.
    Foi grande estudioso, quase um gênio, pois aos 17 anos já dominava o grego, latim, italiano e alemão, além de estudar também o hebraico e o sânscrito, e dedicar-se ainda à Filosofia e à Espiritualidade. Ao estudar em Sorbone (Paris), apesar do seu estilo tímido, passou a frequentar ambientes intelectuais e a escrever artigos de conteúdo profundo e atualizado à imprensa da França, jamais deixando em segundo plano seu ser profundamente católico e contrário ao socialismo.
    Para, talvez, reviver o espírito misericordioso de sua família e colocar em prática os princípios da Doutrina Social da Igreja, que começava a tomar corpo também nos documentos eclesiásticos, em maio de 1833, com apenas 20 anos de idade, fundou a rede de Conferências São Vicente de Paulo, cujo alcance nem ele ou seus colegas de primeira hora poderiam prever. São os nossos leigos e leigas “vicentinos” de hoje.
    Tornou-se doutor em Direito e em Letras, tendo profunda vocação para o magistério. Era professor respeitado. De modo que sobre ele pôde escrever o Papa João Paulo II: “O seu caminho espiritual, sempre atormentado, conhece altos e baixos: Frederico julga não fazer o suficiente, e pede ao Senhor que o ajude a ser melhor, luta contra o orgulho até se esquecer do próprio valor”.
    Totalmente entregue a Deus, mesmo na aguda doença longa e dolorosa, dirige-se ao Pai celeste com as seguintes palavras: “Senhor, quero o que Tu queres, quero como o queres e por todo o tempo que o quiseres, quero-o porque Tu o queres”. Frederico morreu na noite de 8 de setembro de 1853, em Marselha, rodeado dos seus familiares e amigos.
    Como grande modelo aos leigos no campo intelectual e caridoso, o Papa João Paulo II o beatificou, em Paris, em 22 de agosto de 1997, tendo o milagre para a beatificação sido a cura de uma criança brasileira afetada por difteria, em 1926, em Nova Friburgo (RJ), e reconhecido pela Santa Sé em 1995 (www.vatican.va).
    5) Odetinha é uma menina, evidentemente leiga, da nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. que nasceu em Madureira e morreu de meningite aos 9 aninhos de idade. Era de fé viva e inabalável, rezando o terço diariamente e assistindo à Missa (era em Latim).
    Dizem testemunhas que “Odetinha vestia seu aventalzinho e ia com a mãe dela, Alice, para a porta de casa para dar comida aos pobres, todo sábado”. De família de classe média alta, a menina sempre escondeu isso dos colegas para não parecer mais do que eles em nada. Assim dava seu testemunho de humildade no mundo laical e, às vezes, soberbo, de então.
    Odetinha morreu em 25 de novembro de 1939, tendo entregue serenamente a sua alma a Deus. Após receber a sagrada comunhão, dizia “Meu Jesus, meu amor, minha vida, meu tudo”. Duas propriedades da família se tornaram obras de caridade: o Lar São José, em Laranjeiras, que dá apoio a meninas carentes, e o ambulatório médico que leva o nome da menina, em Nova Iguaçu, o que bem testemunha quem foi Odetinha. Uma criança que, na sua inocência, nos ensinou a amar ao próximo por amor de Deus, e a Ele se entregar sem reservas, nas alegrias e nos sofrimentos. Exemplo de vida. Não querendo nos adiantar ao julgamento da Igreja, que acolheu o processo de beatificação em Roma para ser examinado. (Extrato dos textos do processo de beatificação em poder da Arquidiocese do Rio de Janeiro).
    Como se vê, a pequena lista de exemplos aqui apresentada já demonstra que cada um(a), irmão e irmã, é chamado(a) a ser santo(a) onde está. Temos mulher pobre, mulher rica, ministro de rei, acadêmico e até uma criança servindo ao Senhor sem serem clérigos ou religiosos(as), mas, sim, leigos.
    Possam tais exemplos falar alto a cada um de nós neste tempo em que debatemos, na 54ª. Assembleia Geral da CNBB, a vocação dos leigos e leigas como “sal da terra e luz do mundo”. Vocação a ser urgentemente valorizada, em nossos dias, com a graça de Deus, sob a intercessão da Senhora Aparecida!

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