Justiça nos trilhos. Cristãos contra os gigantes do ferro

Jovem, esbelto, magro, sorridente, bom. Padre Dario Bossi é um missionário comboniano que há 12 anos mora e trabalha no Brasil, na área de mineração do estado do Maranhão, a maior e mais rica do mundo, onde, no entanto, a exploração, a violência estão ameaçando a vida das pessoas e pilhando os recursos naturais. Coerentemente com a missão evangélica e com a Encíclica “Laudato Si”, o Pe. Dario, junto com os irmãos e outras comunidades cristãs no mundo, defende e apoia os últimos contra os gigantes do ferro. A humana fragilidade dos últimos contra a ganância e a arrogância das empresas de mineração. Na semana passada, o Papa Francisco encontrou-se com os delegados do Capítulo Geral da Congregação fundada por São Daniel Comboni. Entre estes estava também o Pe. Dario Bossi. ZENIT o entrevistou em Roma.

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ZENIT: Vocês acabaram de se encontrar com o Papa Francisco. O que foi que lhe disseram e o que ele lhes disse?

Pe. Dario Bossi: A coisa mais bonita que o Papa Francisco disse foi: “Eu sempre, sempre, tive uma grande admiração por vocês, pelo trabalho que fazem, pelos riscos que correm… sente senti essa grande admiração. Obrigação”. Há tempo esperávamos o encontro com Francisco, o preparamos durante o nosso Capítulo Geral com uma peregrinação ao outro Francisco, o de Assis, e discutimos por um mês no Capítulo sobre como traduzir na prática a Evangelium Gaudium na nossa missão comboniana. Dissemos muitas coisas ao papa, cada um nos trinta segundos que teve a disposição com ele! Acho que teve uma bela ideia da pluralidade da nossa família comboniana: intercultural e imersa em desafios bem diferentes nos quatro cantos do mundo. Houve quem lhe falou do drama da guerra na África Central, Sul, Sudão ou Eritreia; quem do diálogo com o Islã ou do compromisso missionário com os migrantes ou povos de descendência Africana; quem enfatizou a harmonia do nosso trabalho com a encíclica Laudato Si, especialmente na Amazônia e com os povos indígenas. Como disse Daniel Comboni, somos diferentes raios, mas que derivam do mesmo centro: o encontro com o Bom Pastor, que nos impulsiona para fora e nos faz sentir o gosto de ter o cheiro das ovelhas!

ZENIT: Você está particularmente envolvido em uma missão em Açailândia, às portas da Amazônia Brasileira, bem na fronteira com a maior mina de ferro do mundo. A mina e as ferrovias são obras humanas que se usadas corretamente para o trabalho e a sociedade trazem desenvolvimento e progresso. Porém, o que está acontecendo ali, destrói o ambiente, faz as pessoas viverem mal e existem muitas vítimas. As vezes a ganância de alguns é tão agressiva que resulta em violência e ameaças contra quem procura, como você, defender as pessoas e o ambiente. Pode falar-nos um pouco do que está acontecendo?

Pe. Dario Bossi: Estamos na região de Carajás, área de enormes jazidas de ferro que a empresa Vale (privatizada em 1997, tornando-se uma das maiores multinacionais de mineração) está explorando de forma frenética. Quando essas reservas foram descobertas, se falava que durariam cerca de 500 anos. Mas o ritmo de extração tornou-se frenético, muito além das necessidades reais do minério no mundo. E a Vale está dobrando todo o sistema, para conseguir extrair mais de 230 milhões de toneladas de ferro por ano. Vinte e quatro comboios ferroviários por dia. É claro, então, que já a próxima geração vai conhecer o fim de Carajás, um dos patrimônios minerais mais preciosos do mundo. A encíclica Laudato Si, que demonstra conhecer bem estes processos, traz essa passagem que parece o retrato da nossa região: “Geralmente, quando param as suas atividades e se retiram, deixam grandes danos humanos e ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida, esgotamento de algumas reservas naturais, desmatamento, empobrecimento da agricultura e da pecuária local, crateras, colinas devastadas, rios secos e alguma obra social que não consegue mais se sustentar” (LS 51). Este modelo de mineração é um emblema da loucura da economia de hoje. Réplica, em chave moderna, da prática colonial da pilhagem das matérias primas, mas em um nível exasperado de pilhagem sem limites. Ouçamos novamente a Laudato Si: “Daqui passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia. Isto supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a «espremê-lo» até ao limite e para além do mesmo. Trata-se do falso pressuposto de que «existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados, que a sua regeneração é possível de imediato e que os efeitos negativos das manipulações da ordem natural podem ser facilmente absorvidos». (LS 106). Nossa Mãe Terra é limitada e sua respiração está se tornando difícil. As populações locais o compreendem, o sentem na sua carne e procuram defender os territórios no qual vivem, preservando-os da agressão deste modelo de pilhagem ávida e extrativista. Quem se opõe, porém, corre sério perigo…

ZENIT: Que tipo de perigo que você está correndo?

Pe. Dario Bossi: No mês passado Raimundo dos Santos Rodrigues foi morto. Ele era um camponês, um pequeno proprietário de terra na reserva biológica de Gurupi e membro do sindicato dos trabalhores da terra. A reserva Gurupi, há tempo, é objeto dos apetites de alguns grandes fazendeiros e dos saqueadores de madeira nativa (madeireiros). A esposa estava ao seu lado na hora do ataque, ficou ferida e agora tem que viver escondida, fugindo daqueles que a ameaçam de morte. Mais de trinta famílias da mesma comunidade fugiram, porque temem terminar da mesma forma. Abandonaram, de uma hora pra outra, casas, campos e animais. Não sabemos como poderão reconstruir uma vida. Muitas das nossas energias como missionários e defensores dos direitos humanos estão sendo dedicadas à proteção dos líderes locais… Nós mesmos temos que agir com muita cautela. Não recebemos ameaças de morte, mas em 2013, foi descoberta uma rede de espionagem das nossas comunidades religiosas, entidades e movimentos sociais, da empresa Vale e do próprio Estado brasileiro, com acesso às nossas comunicações telefônicas e internet e infiltrando pessoas dentro dos nossos grupos para fazer vazar nossas estratégias e dar a conhecer os nomes das pessoas mais ativas e comprometidas. Imaginem o clima de desconfiança e insegurança que temos…

ZENIT: Vocês escreveram um livro sobre tudo isso “Il Prezzo del ferro” (EMI edição) e criaram uma rede de resistência. Pode contar-nos algo sobre?

Pe. Dario Bossi: Nós o chamamos de “Justiça nos Trilhos”, porque queremos que a ferrovia que atravessa 100 comunidades, em 27 municípios ao longo dos 900 km do seu percurso da mina até o porto no oceano se torne um corredor de efetivo desenvolvimento, no protagonismo daqueles que ali moram, nas iniciativas produtivas familiares e no respeito da cultura e do estilo de vida destas populações. É muito importante que estas comunidades (indígenas, afro-descendentes, agricultores, pescadores e moradores dos subúrbios) sintam que são vítimas de um mesmo sistema e que esse pode mudar no momento em que aqueles que são afetados organizem esperança e resistência. Estamos reforçando a cada dia também a aliança em rede com outros movimentos e grupos, para interagir as periferias com os centros deste mecanismo de mercado. Por exemplo, seguimos a cadeia de produção de aço e, com a ajuda do Centro Novo Modelo de Desenvolvimento, propomos dados e reflexões sobre “preço do ferro”, indicando os custos humanos, sociais e ambientais que não são computados pelos mecanismos de mercado. Nesta construção de alianças, nos aproximamos também da comunidade de Taranto que, da outra parte do oceano, se rebela contra a poluição e a morte causadas pela siderúrgica Ilva. O minério de ferro que cai nos altos-fornos da Ilva é extraída das entranhas de Carajás! Acompanhar a violência e a dor causadas por este modelo de produção e consumo nos leva a repensar o valor da vida, do futuro. Papa Francisco nos ensina que toda criatura tem um valor instrinseco, independente da sua utilização (cf. LS 140). Quando entendemos o valor da vida, recuperamos a capacidade de colocar-nos limites, para evitar o sofrimento ou a degradação do que nos rodeia (cf. LS 208).

ZENIT: Nas páginas de alguns meios de comunicação a sua ação é confundida com manifestação de caráter político, e o vosso espírito evangélico de defesa dos últimos e dos pobres é mostrado como extremista. Explique aos leitores qual é o fundamento do vosso agir.

Respeito os meios de comunicação e a influência que têm os vários comentaristas de plantão, faço minhas as palavras do Papa no n. 49 da Laudato Si: “Tantos profissionais, comentarias, meios de comunicação e centros de poder estão distantes deles, das áreas urbanas isoladas, sem contato direto com os seus problemas. Vivem e refletem a partir da comodidade de um desenvolvimento e de uma qualidade de vida que não está ao alcance da maior parte da população mundial. Esta falta de contato físico e de encontro, às vezes favorecida pela fragmentação das nossas cidades, ajuda a cauterizar a consciência e a ignorar parte da realidade em análise parcial”. Nós não precisamos nos justificar para ninguém porque estamos do lado dos pobres. Mas quero “dar-lhes razão”, ou seja, tento indicar o significado que tem para nós. Nos dá alegria e sentido. A nossa consciência, os nossos sentimentos e a nossa humanidade são profundamente provocadas e continuamente despertas ao estar do lado das pessoas mais simples, dos excluídos e das vítimas. Não é agradável estar entre os pobres porque também lá existe o egoísmo, conflito, raiva, desilusão. Mas, certamente é mais humano, e, portanto, mais divino. Deus se encarnou (e não o fez entre os ricos) justamente para que compreendêssemos isso. Para fazer-nos sentir a beleza do lutar juntos, do procurar a vida e defende-la até o extremo. A beleza para descobrir razões de esperança na dor mais profunda. Caminhar junto das vítimas faz você entender bem o que significa “esperar contra toda esperança”. Percebo que, neste caminho, a sede de justiça e a necessidade de misericórdia se aproximam até coincidir e dar o sentido mais profundo à vida.

Fonte: ZENIT

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