Anualmente a Igreja nos incentiva e convida à prática dos exercícios quaresmais, da oração, caridade (esmola), penitência (jejum), afim de nos preparar para melhor viver a celebração da Páscoa.
Deste modo devemos compreender o que significa cada uma dessas práticas quaresmais para que possamos bem vivê-las.
O jejum trata-se de uma antiga prática penitencial, isto é, demonstra uma disposição interior de arrependimento dos pecados e desejo de conversão e está tão ligado ao tempo da Quaresma que esta começa justamente com a celebração da quarta-feira de cinzas, dia jejum e abstinência de carne. Todas as sextas-feiras da Quaresma são, igualmente, dia de jejum e de abstinência de carne.
A própria Sagrada Escritura nos remete ao jejum quaresmal ao recordar os quarenta dias que nosso Senhor permaneceu no deserto: “O Espírito conduziu Jesus ao deserto a fim de ser tentado pelo demônio. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome.” (Mt 4, 1-2).
Deste modo somos levados a nos perguntar que valor e que sentido tem para nós, enquanto cristãos católicos, privar-nos de algum alimento algo que em si é bom e útil para o nosso sustento?
As Escrituras e a Tradição da Igreja nos ajudam nessa resposta, uma vez que ensinam que o jejum é de grande ajuda para evitar o pecado e nos manter fortes diante da concupiscência, isto é a tendência ao pecado.
Já no Antigo Testamento vemos que os habitantes de Nínive que, escutando e acolhendo o convite de Jonas ao arrependimento, proclamaram, um jejum, como sinal externo de seu verdadeiro arrependimento, dizendo: “Quem sabe se Deus não Se arrependerá, e acalmará o ardor da Sua ira, de modo que não pereçamos?” (Jn 3, 9). Segundo a passagem bíblica, Deus viu as suas atitudes e os poupou.
Não obstante, no Novo Testamento, Jesus ressalta a verdadeira razão do jejum, condenando a atitude dos fariseus, os quais observaram escrupulosamente as prescrições impostas pela lei, somente para cumprir os mandamentos religiosos, atitude que muitas vezes nós imitamos, enquanto nosso coração está distante de Deus. O verdadeiro jejum, segundo o próprio Jesus, é antes cumprir a vontade do Pai Celeste, que “vê no oculto, e te recompensará” (Mt 6, 18). Ele próprio dá o exemplo respondendo a satanás, no final dos 40 dias transcorridos no deserto, que “nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 4).
Nos nossos dias, a prática do jejum perdeu um pouco do seu valor espiritual, numa cultura marcada pela busca da satisfação material seu sentido se resume única e simplesmente numa medida terapêutica para a cura do próprio corpo. Obviamente que jejuar ajuda no bem-estar da saúde, mas para nós que cremos é em primeiro lugar uma “terapia espiritual” para curar tudo o que nos impede de se conformar com a vontade de Deus.
A Quaresma é sempre uma ocasião oportuna para retomar o significado autêntico e perene desta antiga prática penitencial, que pode ajudar-nos a mortificar o nosso egoísmo e a abrir o coração ao amor de Deus e do próximo, primeiro e máximo mandamento da nova Lei e compêndio de todo o Evangelho.
A prática fiel do jejum nos ajuda ainda à conservar um verdadeiro equilíbrio entre corpo e alma, de modo que o corpo que tende ao pecado o evite de modo que possamos o Senhor. Privar-se de algum alimento é um exercício de mortificação que facilita uma verdadeira disposição para ouvir Cristo e para se alimentar da sua palavra de salvação. Com o jejum e com a oração permitimos que Ele venha saciar a fome mais profunda que vivemos no nosso íntimo: a fome e a sede de Deus como diz o salmista: “Desde a aurora ansioso vos busco! A minh’alma tem sede de vós, minha carne também vos deseja” (Sl 62, 2)
Ao mesmo tempo, o jejum tem uma dimensão mais ampla e comunitária, ajuda-nos a tomar consciência da situação na qual vivem tantos irmãos nossos. Como nos são João em sua carta: “Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como estará nele o amor de Deus? (Jo 3, 17). Jejuar voluntariamente ajuda-nos a cultivar o estilo do Bom Samaritano, escolhendo livremente privar-nos de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em dificuldade não nos é indiferente.
Por fim, o jejum representa uma prática ascética importante, um instrumento espiritual para lutar contra qualquer eventual apego desordenado a nós mesmos e ao que é material. Privar-se voluntariamente do prazer dos alimentos como também de outros bens materiais, ajuda o discípulo de Cristo a controlar os apetites da natureza fragilizada pela culpa da origem, cujos efeitos negativos atingem toda a personalidade humana.
O jejum quaresmal deve ser de tal modo vivido em cada lar e comunidade que possa afastar tudo o que distrai o espírito e intensificar o que alimenta a alma abrindo-a ao amor de Deus e do próximo.
