Marco Guerra, Silvonei José – Cidade do Vaticano
Celebra-se nesta terça-feira, 06 de agosto, o quinto aniversário da expulsão das comunidades cristãs da planície de Nínive, no Iraque. As milícias do chamado Estado Islâmico obrigaram mais de 120.000 cristãos a abandonar as suas casas. O lento retorno começou no outono de 2017, depois da derrota do Califado, e atualmente mais de 46% das famílias desta região retornaram às suas casas, enquanto continuam os projetos de reconstrução dos vilarejos realizados pela Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre e financiados pelos governos ocidentais e doadores internacionais.
Em Mosul, a reconstrução ainda está longe
A situação em Mosul está mais complicada, onde retornaram apenas algumas dezenas de cristãos num total de 15.000 que haviam deixado a segunda cidade iraquiana. Em Mosul “o trabalho de reconstrução ainda não começou porque ainda não existe um governo local estável. As ONGs internacionais, e as próprias associações ligadas à Igreja, não podem iniciar os projetos por falta de segurança e fundos cada vez menores”, disse à agência AsiaNews o padre Samir Youssef, pároco da diocese de Amadiya, que nos últimos anos cuidou de milhares de cristãos, muçulmanos e yazidis que fugiram no verão de 2014 de Mosul e da planície de Nínive.
Card. Filoni: Garantir aos cristãos plenos direitos civis
Entrevistado pelo Vatican News, o cardeal Fernando Filoni, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos e ex-núncio no Iraque e Jordânia de 2001 a 2006, destaca a necessidade de oferecer maiores garantias legislativas, nacionais e internacionais, às minorias religiosas que têm o “direito” de continuar vivendo no Iraque:
R. – Parece-me que, neste momento, o Iraque está tentando, em primeiro lugar, encontrar uma solução política e, depois, naturalmente, também uma solução legislativa, especialmente no que diz respeito à questão da lei em si como inspiração e fonte do direito e, depois, no que diz respeito às minorias. Creio que o atual patriarca caldeu procura uma forma de garantir todos os direitos, mas não é fácil dada a cultura e a mentalidade do lugar, mas é correto este desejo de garantir a todos os cristãos os seus direitos para além do que pode ser considerado tolerância ou uma concessão. É correto em vez disso, que todos tenham o direito – as minorias e as maiorias, obviamente – de viver no seu próprio país e de ter garantida a sua liberdade civil, mas também religiosa.
Na sua homilia de 3 de agosto passado, o senhor disse que viu a fé, e não o ódio, nos olhos dos cristãos perseguidos no Iraque. Poderá esta capacidade de reconstruir o tecido social dos cristãos ser o sal daquela terra que permitirá uma pacificação?
R. – A pacificação é a esperança que todos nós temos. É uma pacificação que não diz respeito apenas à situação de hoje após a conquista e depois da derrota, pelo menos territorial, do Estado Islâmico; é uma questão que sempre se referiu às relações entre cristãos, muçulmanos e, em todo caso, maiorias e minorias. Nossos cristãos sempre foram considerados, seja quando eu era núncio, como em muitas outras ocasiões, como um elemento de moderação na sociedade iraquiana, porque representam uma alternativa que de outra forma seria uma “cópia carbono” de uma visão tipicamente islâmica. Os cristãos representam uma alternativa que deve ser levada em conta juntamente com todas as outras minorias. Isso não é um limite na sociedade iraquiana, pelo contrário, é um bem, porque também leva à defesa dos direitos de todos. Posso dizer que os nossos cristãos, além do fato de terem sido duramente perseguidos de várias maneiras e em vários momentos, sempre tiveram uma atitude muito aberta ao perdão, à reconciliação, à boa convivência. Eles praticam esta realidade há séculos e por isso nunca esqueço quando, às vezes, os próprios muçulmanos diziam aos cristãos: “Vocês são o nosso elemento de moderação. Não vão embora”. Mas infelizmente o êxodo ocorreu e continua ocorrendo.
Celebra-se hoje o quinto aniversário da expulsão dos cristãos da planície de Nínive pelas tropas do chamado Estado Islâmico. Em que ponto está o regresso e a reconstrução?
R. – O retorno é muito lento. Se não houver garantias legislativas, nacionais e internacionais, para as suas vidas dignas e livres, é difícil para aqueles que partiram regressar. As reconstruções estão ligadas aos compromissos de muitas organizações cristãs, católicas e internacionais para com eles, mas sabe-se que a reconstrução envolve muitos problemas. Reconstruir: como? Da mesma forma? Com novas maneiras? Você pode reconstruir uma casa, um edifício, uma praça, mas você pode reconstruir o tecido humano que existia nessa área até alguns anos atrás? Este continua a ser o grande problema, o grande desafio. Não podemos voltar ao passado, mas certamente algo pode ser recuperado porque, em geral, nossos cristãos estavam muito ligados à sua terra, mas dever existir condições – como eu disse – civis, internas e internacionais.
Portanto, é um desafio para toda a comunidade internacional o declínio demográfico dos cristãos no Oriente Médio …..
R. – Sim, é um declínio ligado em primeiro lugar ao êxodo, depois a outros fatores, mas antes de tudo ao êxodo. Nunca devemos esquecer ou baixar o nível de atenção. São realidades ricas em história cultural; muitos só se deram conta disso, infelizmente, depois de perderem tantas coisas. A pior coisa é esquecer. Gostei muito da história do atual bispo caldeu de Mosul, padre Najib, que disse: “Salvei muitos livros preciosos; livros que não têm valor comercial, mas que são de imensa importância do ponto de vista histórico, cultural e religioso. Então, eu não salvei os livros: salvei pessoas, salvei uma cultura, salvei comunidades”. Gosto muito disto porque significa que é aí que temos de recriar a atmosfera da vida das pessoas e depois a social, civil, arquitetônica, cultural…