No dia 09 de julho de 2012, depois de uma vida dedicada a um apostolado inesquecível nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, na Arquidiocese e na Igreja no Brasil e no mundo, entregou a sua alma ao Senhor, o meu venerando predecessor, Cardeal Eugênio Araújo Sales.
Criado Cardeal pelo Beato Paulo VI em 1969, Dom Eugenio de Aráujo Sales foi por 30 anos Arcebispo do Rio de Janeiro. Nascido em Acari (RN), em 11 de novembro de 1920, dom Eugenio Sales foi sagrado bispo aos 33 anos, em Natal (RN), com apenas 11 de sacerdócio. Em 1968, tornou-se arcebispo de Salvador e, em 1971, arcebispo do Rio de Janeiro, com a morte repentina do Cardeal Jaime de Barros Câmara. Ficou à frente da arquidiocese até 2001, onde se tornou referência na defesa de perseguidos políticos. Em 2008, soube-se que ele abrigou mais de 4.000 pessoas perseguidas pelos regimes militares do Cone Sul entre 1976 e 1982.
Como não agradecer a Deus este seu fecundo ministério episcopal, plasmado na preocupação pastoral e social, desde quando fora Administrador Apostólico de Natal, com a intuição e instituição da Campanha da Fraternidade, posteriormente assumida nacionalmente pela CNBB; passando pelo seu ministério como Administrador Apostólico de São Salvador da Bahia, até ser nomeado, pelo Beato Paulo VI, como Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Padre conciliar, por isso, sempre preocupado pelo ensino e pelo testemunho da letra conciliar, era um apaixonado pela renovação conciliar. Dom Eugênio viveu profundamente a Carta Apostólica que o Beato Paulo VI dirigiu a todos os bispos, cinco anos após o encerramento do Concílio Ecumênico Vaticano II, intitulada a Quinque jam anni, de 8 de dezembro de 1970. Naquela Carta Apostólica o Papa Paulo VI pedia aos bispos que considerássem o grave e urgente dever de anunciar a Palavra de Deus ao povo para que este crescesse na fé e no entendimento da mensagem cristã e testemunhasse, com toda a sua vida, a salvação em Jesus Cristo. O Papa Paulo VI pedia aos bispos sermos “resolutos para que nenhum impedimento detivesse a onda abundante de graças celestes que hoje alegra a Cidade de Deus”. O que os homens esperam – assim dizia Paulo VI – “não é tanto uma superabundância de palavras, quanto uma palavra em consonância com uma vida mais evangélica”.
Uma das dimensões do fecundo e longo episcopado de Dom Eugênio Araújo Sales como Arcebispo do Rio de Janeiro foi a sua solicitude para com os irmãos bispos. O seu Curso Anual de Atualização e de trocas de experiência pastoral demonstrou a sua preocupação de que o bispo se torna um bispo entrando na comunhão dos bispos. Não posso exercer meu ministério episcopal senão em um “Nós”, que é o único que dá significado ao “Eu” individual. Mas como manter vivo esse vínculo recíproco e comunitário? Tratava-se de um “affectus collegialis”, segundo a definição de Lumen gentium.
Dom Eugênio preocupou-se com a falta de tempo dedicado à reflexão doutrinal, a uma reflexão amadurecida a ponto de perceber tudo a partir de uma vida incessantemente inspirada pelo sopro do Espírito. O magistério do bispo deve garantir que o testemunho da Igreja sobre Jesus Cristo continue a ser o testemunho dos Apóstolos. Não há enunciado da fé que não seja inteligência da fé em uma dada cultura. Dom Eugênio testemunhou a unidade com o bispo de Roma que é o que dá a cada bispo uma dimensão católica e ao mesmo tempo uma garantia, porque a fé do sucessor de Pedro conforta a nossa. É do magistério do Papa que todas as Igrejas locais precisam, pois com frequência se fragilizam por inumeráveis pressões.
Dom Eugênio gostava muito de reafirmar que como sucessor dos apóstolos deveria contemplar o Cristo como o “pastor com grandes olhos que veem por tudo”. É desse modo que o “epíscopo” exerce a sua missão de discernimento espiritual. Foi desta maneira que Dom Eugênio olhou sempre e velou para sua amada Igreja do Rio de Janeiro e por nossa cidade.
O Papa Bento XVI, na ocasião da páscoa do Cardeal Sales, assim se dirigiu a nós: “Quero manifestar meus pêsames aos bispos, seus auxiliares, ao clero, às comunidades religiosas e aos fiéis da arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, que tiveram por três décadas um intrépido pastor”. “Foi um autêntico testemunho do Evangelho em meio a seu povo. Dou graças ao Senhor por ter dado à Igreja pastor tão generoso”, completa a nota do Sumo Pontífice. “Em 70 anos de sacerdócio e 58 de no episcopado, sempre quis indicar o caminho da verdade, na caridade e servir à comunidade, prestando particular atenção aos mais desfavorecidos, fiel a seu lema episcopal ‘impendam et superimpendar'”, recorda a nota, em uma referência à Carta de São Paulo aos Coríntios: “De muita boa vontade darei o que é meu, e me darei a mim mesmo pelas vossas almas, ainda que, amando-vos mais, seja menos amado por vós”.
Lembrando nosso “intrépido pastor”, como seu sucessor posso dar testemunho do carinho, do respeito e da gratidão do clero e do povo do Rio de Janeiro pelo ministério episcopal de Dom Eugênio Sales totalmente voltado em gastar a sua vida, de boa vontade, para a salvação das almas e para a acolhida dos mais perseguidos e marginalizados. Agradecidos a Deus pelo “intrépido pastor”, pedimos a sua intercessão junto do Senhor da Messe e Pastor do Rebanho, para que a nossa Arquidiocese, cidade e Estado possam continuar, na construção da paz, testemunhar o Redentor. Descanse em paz, Dom Eugênio Sales, magno pastor desta Igreja, que testemunhou e viveu o Evangelho e que nos anima a levar o Evangelho da Vida, da Esperança e da Paz nesta complexa e diversificada cidade que, do alto do Corcovado, o Cristo abre os braços para que corramos ao seu encontro!