Heróis ou vilões?

“Antes que o homem existisse, e assim foi durante milhões de anos, e já um mundo desabrochara em todo o seu esplendor. As mesmas leis naturais regiam o seu equilíbrio e distribuíam montanhas e geleiras, estepes e florestas por todos os continentes. O homem apareceu como um verme numa fruta, como uma traça numa bola de lã e roeu o seu habitat, secretando teorias para justificar a sua ação” (J. Dorst).

A dura expressão que abre a matéria é do naturalista francês Jean Dorst (1924-2001). Ela está no livro “Antes que a natureza morra’; e foi escrita há cinquenta anos, mas ganha potentes lentes de aumento na atualidade. É uma grave denúncia para a qual, desde então, viraram as costas os mais variados interesses humanos.
Segundo o naturalista francês, o homem nem bem chegou e já começou a domesticar o espaço, a flora e a fauna. Em seguida, criou e destruiu civilizações, fatos históricos marcantes, mitos, Conquistas e derrotas. Animais e plantas foram eliminados, alguns para sempre. Outros agonizam.

Ação e reação

O ser humano nivela montanhas, aterra vales, assoreia rios e polui ares e mares, desmata a torto e a direito. A natureza é forçada a se revoltar, até porque não perdoa mesmo: secas, inundações, tempestades de neve e de areia, furacões.
Quando o tema é a tragédia pelo desmatamento galopante, as gritas emergem de todo lado: “A culpa é do sistema”; “é das multinacionais”; “é dos ruralistas e latifundiários”; “é dos posseiros”; “é dos políticos com suas leis predatórias”; “é dos nativos que desmatam e queimam, abatem animais, aves e peixes’: Mas a natureza precisa ser preservada, não apenas porque é a tábua da salvação econômica da humanidade, mas porque é bela. Um paraíso onde Deus viu que “tudo era muito bom’.

Casa vazia?

World Wide Fund For Nature, Greenpeace, United for Wildlife,
são organizações internacionais que agem em favor da conservação da diversidade biológica mundial, da sustentabilidade dos recursos naturais renováveis, da redução da poluição e do desperdício, de mudanças de atitudes que garantam um futuro mais verde e limpo. Mas a proteção ambiental não deve violar direitos humanos.
As entidades preservacionistas se preocupam com a casa, mas nem todas voltam o olhar para os habitantes ancestrais do planeta azul. Algumas organizações são acusadas de expulsar os povos indígenas e tribais, taxados de serem predadores, caçadores sem licença ambiental e, portanto, merecedores de detenções, espancamentos, torturas e morte.
Em nosso país, no ano 2000 o governo instituiu o Sistema Nacional de Conservação da Natureza, através do qual protege as áreas naturais por meio de Unidades de Conservação (UC). Entretanto, este Sistema não tem autonomia para proteger os nativos que querem habitar naquele que é considerado patrimônio nacional. Este patrimônio fica, portanto, cada vez mais nas garras do agronegócio, das mineradoras, dos financiadores de hidrelétricas e ferrovias.

Survival International

Mas há uma entidade mundial, além de outras em âmbitos regionais, que se debruça sobre os dramas dos grupos humanos que teimam em resistir nas florestas. Merece destaque a organização de direitos humanos Survival International (Sobrevivência Internacional), surgida em 1969 e com escritórios em vários países, cujo trabalho é prevenir a aniquilação dos povos indígenas. A Survival mostra que as florestas são o lar ancestral de indígenas. Povos que dependem dessas terras, e que delas retiram muitos alimentos básicos e medicamentos que têm salvado milhões de vidas nas sociedades industrializadas. As mesmas sociedades que os expulsam ou os submeteni através da violência genocida, escravidão e racismo para roubar suas terras, seus recursos e sua mão de obra em nome do “progresso” e da “civilização”.

A Survival denuncia

Marcela Belchior, no seu texto “Povos tradicionais são proibidos de utilizarem recursos naturais por leis de proteção ambiental”, em Aditai, registra: “Citando casos recentes de expulsão de povos aborígenes, a Survival aponta o caso dos Bayaka, pertencentes às tribos pigmeias que vivem em selvas da região sul oriental da República de Camarões, da zona aldeã da República do Congo, da República Centro–Africana e do Gabão. Outros povos que estariam sofrendo com os despejos seriam os caçadores bosquímanos, de Botsuana, que enfrentam restrições em suas terras ancestrais, na Reserva de Caça do Kalahari Central do país. Eles dependem da caça de subsistência para alimentarem suas famílias e a prática foi proibida sem qualquer tipo de política de compensação”. E prossegue: “Na índia, integrantes de uma tribo que vive dentro de uma reserva de tigres foram forçados a abandonar, em 2013, sua terra ancestral em nome da “conservação” dos animais, ainda que não haja nenhuma evidência que eles causem qualquer tipo de dano à fauna da região. Hoje, eles vivem em condições miseráveis, abrigados em refúgios improvisados com plástico”.

O circulo se fecha

No Brasil, a situação dos indígenas das UC vai de mal a pior. Por exemplo, os indígenas que habitam na Ilha do Bananal, em Tocantins, estão proibidos de caçar, pescar, retirar palhas de coqueiro para cobrir suas taperas. São também proibidos de realizar rituais tradicionais. Está na lei sobre as UC (Lei 9.985-2000): “É proibido qualquer tipo de uso direto da fauna, flora e outros recursos naturais’: O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), através da coordenadora da regional Goiás/Tocantis, Sara Sanchez, afirma que alguns órgãos oficiais têm proibido as atividades tradicionais nas aldeias, especialmente no Parque Nacional do Araguaia, no norte da ilha. Ela diz que os nativos sofrem a condição de não poderem garantir simples atividades de subsistência. Sanchez argumenta: “O Cimi defende que é uma terra indígena, que se relaciona com o meio ambiente, faz a proteção da floresta, dos rios, das matas e dos lagos. Tudo o que eles (os nativos) fazem é por meio do manejo sustentável, sem depredar o meio ambiente”. Acrescenta: “O argumento das organizações é a proteção ambiental. Ora, a proteção ambiental já é feita pelos próprios indígenas, que cuidam da terra’: E pergunta: “Esses impasses devem ter interesses políticos; se não os têm, por que a perseguição?”.

 

Fonte: Revista Missões