Mais uma Semana da Família do século XXI. Mais um Dia dos Pais. Pais e famílias que pensam dez vezes mais antes de optar pela geração de filhos. Pais e famílias que preferem a adoção de pets à responsabilidade de gerar ou criar uma criança, mesmo que esta já esteja disponível nas gôndolas de creches ou orfanatos. As baias e raias do mundo animal são mais atraentes e menos trabalhosas do que dar escola, vestimentas, alimentação e teto a um semelhante sem certificado de conduta, respeito, gratidão futura. O cão ladra, o gato arranha, mas não reclamam direitos. Nem possuem deveres.
Mesmo assim, me preocupo. O que será das gerações futuras, quando o que hoje temos são pais e mães constituindo famílias que ladram e miam, que dispensam preocupações morais, psicológicas, culturais, que só reclamam com o olhar carente de cuidados, mas não proclamam seus ais e gemidos recalcados? O que será desses herdeiros sem herança, sem continuidade genética? Ou já existem testamentos que legitimem a sucessão de bens e patrimônios para nossos animais de estimação? Já pensou no absurdo de uma situação empresarial gerida por um CEO legitimamente empossado pelo direito de herança que sua condição de “filho ou filha” transfere a um simples pet. Ou pela possibilidade de algum louco “registrar” seus animais com o sobrenome da família? Exageros à parte, voltemos à realidade.
A dignidade humana não se iguala à vida animal. Apesar disso, o vazio que se observa na constituição familiar de nossos dias está invertendo muitos valores. Muitos de nossos estimados companheiros de jornada existencial, destituídos de suas condições racionais, estão sendo tratados e alimentados com mais dignidade que grande maioria dos nossos semelhantes. Conhecemos bem essa situação. Refletir sobre ela é quase um suicídio social, pois serão muitas as vozes contrárias a qualquer argumentação mais moderada. Pais e famílias do século XXI expandem suas afetividades com uma grave distorção paterno-maternal totalmente fora do conceito familiar. Até onde irá essa nova geração multirracial? Ou multirracional? Ou irracional mesmo?
Precisamos dosar nossos impulsos afetivos. Criar e adotar animais sempre foi e sempre será uma virtude civilizatória e até digna de louvores. Mas fazer destes os substitutos de filhos e filhas apenas por questões de conforto, conveniência patrimonial ou mesmo incerteza quanto às frustrações na responsabilidade de educar e ou manter certa linhagem moral, intelectual, religiosa… convenhamos! – é o cúmulo das nossas cegueiras e vaidades pessoais. Chamar um cão de filho é pior que ignorar uma criança abandonada nesse mundo cão. Pagaremos caro por essa inversão de parâmetros familiares. Um igual não pode ser diferente na sua dignidade, inferior no trato de respeito a seus direitos que chamamos acertadamente como humanos. Um igual é sangue nosso, herdeiro que clama e merece prioritariamente seus afetos, seu carinho, seu amor…
Falei mais do que devia. Alguém já foi bem mais corajoso e objetivo. “Não vim trazer a paz, mas a divisão”, disse Jesus. A geração dos nossos dias já não se reconhece como família. A doutrina coloca as relações familiares no seu devido eixo, mas constata: “Pois, daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três” (Lc 12,52). Enquanto isso, uma igreja ao lado de minha casa, colocou um sistema de alarme com o som de vários cães a latirem. Seus vigias já não mais são os anjos; nem reais são… Cuidado, os cães estão soltos. E eu aqui, gastando meu latim!