Francisco: humildade, firmeza e misericórdia

    Há três anos, o mundo, ainda um tanto surpreso com a renúncia do Papa Bento XVI, esperava a eleição do novo Sumo Pontífice. Nestes dias estamos comemorando a sua eleição (13) e o aniversário do início do ministério como Pastor Universal da Igreja (19).
    Lembramos das especulações de nomes que na época se faziam e, como sempre, às vésperas do conclave (reunião para a escolha de um Papa), a imprensa dera sua lista e os vaticanistas pontificavam em suas preferências.
    A Igreja é conduzida pelo Espírito Santo e Deus tem seus desígnios para com a humanidade: os Cardeais escolheram um que estava fora da lista dos “papabile”. No dia 13 de março de 2013, depois da fumaça branca saída da chaminé no alto da Capela Sistina, o Cardeal francês Jean Louis Tauran, protodiácono do Sacro Colégio de Cardeais, anunciou, em latim, no balcão da Praça de São Pedro, o novo Papa: Jorge Mario, Cardeal Bergoglio, que escolheu o nome de Francisco.
    É sempre uma efeméride esse momento, tanto para os que estão em Roma, que acorrem para a Praça de São Pedro, como para os que se encontram ligados nos meios de comunicação pelo mundo afora. Aos poucos começaram a conhecer o novo sucessor de Pedro, sua história, suas ideias, seus projetos! Sabemos que nestes tempos de tantas tendências, as interpretações da história dependem da ideologia dos que comentam. O Papa Francisco aos poucos foi inovando o modo de agir como Papa, chegando mais próximo das pessoas e concedendo entrevistas e respondendo cartas pessoalmente. Ele demonstra com clareza a definição de sua missão: Servo dos Servos de Deus, como os Papas se autointitularam a partir do pontificado de São Gregório Magno, no fim do século VI e início do VII.
    Existe um clima de abertura e admiração, pois o Papa é guardião do chamado Depositum Fidei (Depósito da Fé). Porém, o grande trabalho do Papa Francisco tem sido em como transmitir a Boa Nova de tal forma que contagie as pessoas e as leve ao encontro com o Senhor. Além disso, a preocupação com as periferias existenciais que sofrem de diversas maneiras as dores dos tempos atuais. Sobre isso dizia Bento XVI na Missa de sua entronização: “O poder conferido por Cristo a Pedro e aos seus sucessores é, em sentido absoluto, um mandato para servir. O poder de ensinar, na Igreja, obriga a um compromisso ao serviço da obediência à fé”. (Homilia de 7 de maio de 2005).
    O Papa Francisco tem desempenhado sua missão procurando, ao mesmo tempo em que é guardião do deposito da fé, transmitir uma notícia nova que renove o mundo de hoje.
    Com este pano de fundo entendemos que o riquíssimo pontificado do Papa Francisco está dentro de um kairós que, ao iniciar com o Papa São João XXIII, chega até os dias de hoje com o grande Jubileu extraordinário da Misericórdia. Por isso, o atual pontífice traz consigo um pouco de todo esse tempo do concílio e pós-concílio. Ele tem algo de São João XXIII, do Beato Paulo VI, de João Paulo I, de São João Paulo II e de Bento XVI que, por sua vez, trazem consigo a Tradição bimilenar da Igreja à qual foram obedientes, embora tenham feito, a seu modo, reformas (disciplinares ou pastorais) na Igreja, conservando o depósito da fé. (Cf. Dom Estêvão Bettencourt, OSB. Iniciação teológica. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2013, p. 181-182).
    De São João XXIII, Francisco tem em comum não só a idade muito próxima, pois foi eleito Papa com 76 anos, um ano a menos que o Papa do Concílio, e escolheu o nome de Francisco em honra a São Francisco de Assis, ao passo que São João XXIII também era profundamente franciscano como membro da Ordem Franciscana Secular (OFS), naquele tempo chamada de Ordem Terceira. As semelhanças não param aí. Ambos querem uma Igreja mais simples, na liberdade de o Papa ter contato com o Povo de Deus, inclusive nas ruas, e que seja visto, realmente, como um servidor e anunciador do Evangelho, e não apenas como um chefe de Estado a visitar outros países. As reformas de São João XXIII foram abrangentes nas várias áreas da Igreja; as de Francisco são mais modestas, porém não menos decisivas, haja vista a celebração do Sínodo da Família, da reforma na condução dos processos de nulidade matrimonial, da Cúria Romana e tantos outros atos importantes.
    Como o Beato Paulo VI, Francisco valoriza o diálogo ecumênico, a simplicidade no modo de escrever, sem necessariamente produzir um texto muito carregado de citações ou de termos teológicos elevados. Também, inegavelmente, partilha com o Papa Montini da via do sofrimento e da incompreensão por alguns gestos que realiza ou atitudes que toma à frente da Igreja.
    À moda de Paulo VI, Francisco quer ouvir todos aqueles que dele se aproximam pessoalmente ou por cartas, respondidas, às vezes, com um surpreendente telefonema papal. Não parece ter medo do contraditório. Não se fecha, pois é homem de fé madura, aprendida na escola de Santo Inácio de Loyola. Ninguém deve se cansar de dialogar nunca a fim de conquistar o outro, não para subjugá-lo, mas para demonstrar o seu valor como ser humano criado à imagem e semelhança de Deus.
    De João Paulo I, Francisco nos traz o sorriso alegre, verdadeiro e contagiante, bem como a intenção de repetir, sem nunca se cansar, de que Deus é ternura e, por isso, misericórdia. Sim, o “Papa sorriso” dizia em seu curtíssimo pontificado que Deus é Pai e Mãe! Ora, quem pode se mostrar mais próximo de nós do que uma verdadeira mãe a dar a vida pelos seus filhos? Só Deus! Isso já diz a Escritura ao opor a falta de amor materno de uma desleixada ao amor misericordioso de Deus: a mãe displicente até pode se esquecer do filho que gerou, mas Deus não (cf. Is 49,15). Ele é, portanto, em linguagem antropomórfica, Pai e Mãe!
    Ora, Francisco convoca o Ano Extraordinário da Misericórdia num momento muito crucial da humanidade, a fim de dizer aos homens que, não obstante os nossos pecados, o Senhor nos espera de braços abertos, pois Ele olha o que somos em nossa pureza original e não o que nos tornamos pela feiúra do pecado. Ensina-nos a Teologia e isso nos é recordado agora pelo Papa que misericórdia não é apenas um atributo de Deus, mas é a sua “identidade”, como nos fala no livro-entrevista O nome de Deus é misericórdia (São Paulo: Planeta, 2016, p. 37), que vale a pena ser lido e meditado. Deus é a Justiça!; Deus é a própria misericórdia!
    Escreve, a propósito, o saudoso teólogo Pe. Paschoal Rangel, SDN: “A ‘misericórdia’ de Cristo não é só uma questão de ser bondoso, de ter pena ou sentimentos de amor delicado. Há, no caso do Coração de Jesus (ou de Jesus simplesmente), um sentido teológico forte, muito radical, fundado no próprio desígnio de Deus em relação à Encarnação. Por eterna vontade do Pai, o Verbo se encarnou ‘por causa de nós homens e para nossa salvação’ (Símbolo Niceno-Constantinopolitano). A Encarnação tende, por decreto divino, para o perdão do pecado do homem. O Filho teria de ser aquele que ‘tira o pecado do mundo’ (Jo 1,29). Tudo nele é feito para o perdão, a misericórdia. Ele é mais do que aquele que perdoa: Ele é Perdão, o Perdão. Ele é Amor. Por isso, a Misericórdia. Não apenas tem misericórdia. Ele é Misericórdia, porque é Jesus (Yeshuáh, isto é, salvação). Salvador, em Jesus, não é adjetivo. É a sua substância. Seu Ser inteiro”.
    “Quando tivermos compreendido isto, teremos compreendido também o exercício da misericórdia nele. Sua misericórdia vaza, por assim dizer, de sua substância interior, do ser de Salvação que Ele é. O Deus-Homem só existe assim, para isso: para ser Misericórdia”. (Sagrado Coração do homem, p. 82).
    Com São João Paulo II, a quem o Povo de Deus, por meio do senso da fé, aclamou “Santo súbito!” (“Santo já!”), por ocasião das suas exéquias, nosso Papa Francisco traz o carisma de acolher, de envolver, de falar de improviso, de quebrar protocolos, de agradar aos jovens e às crianças, de abençoar, de viajar pelo mundo anunciando o Evangelho (sua primeira viagem apostólica foi ao Rio de Janeiro para a JMJ), de receber e visitar chefes de Estados com a determinação séria de pedir-lhes a paz e o bem – lema franciscano – ao seu povo.
    Francisco se esforça, com ardor, pelo diálogo interreligioso previsto na Nostra Aetate, do Concílio Vaticano II, a ser realizado com todas as religiões em favor de pontos comuns para a humanidade. Ora, João Paulo II foi a Assis, em 1986, para se encontrar com líderes religiosos mundiais e era, assim como Francisco, amigo de judeus e muçulmanos. No pontificado de Francisco, saiu o reconhecimento oficial do Estado da Palestina, tema que muitas potências mundiais temem tocar. Ambos podem ser chamados de artífices da paz, a mediar, por meio dos organismos da Santa Sé, conflitos internacionais. Veja, agora, a aproximação Cuba-Estados Unidos.
    Com Bento XVI, Francisco guarda a firmeza no dizer o que tem de ser dito em defesa da vida, da família, da doutrina. Sim, no livro-entrevista que fizemos referência acima, nosso Papa fala com todas as letras que a Igreja é Mãe misericordiosa, mas isso não a faz negar o pecado. Diz ele: “A Igreja condena o pecado, porque deve dizer a verdade: isto é um pecado. Mas, ao mesmo tempo, abraça um pecador que se reconhece como tal, o aproxima e fala com ele sobre a misericórdia infinita de Deus. Jesus até perdoou aqueles que O puseram na cruz e O desprezaram. Temos de voltar ao Evangelho” (p. 84).
    Sobre o aborto, o Papa foi enfático: “Não parece factível um caminho educativo para acolher os seres frágeis que nos rodeiam, que de repente nos atrapalham e são inoportunos, se não protegemos um embrião humano, embora sua chegada nos ocasione desconfortos e dificuldades”, indicou o Santo Padre. Mais: “Em vez de resolver os problemas dos pobres e de pensar num mundo diferente, algumas pessoas propõem a redução da natalidade”, lamentou o Pontífice. (Cf. ACI, 19/06/15, online).
    O Papa defendeu a postura da Igreja ante a cultura do descartável não só para com os seres humanos não nascidos, mas também para com os idosos, vítimas em potencial da eutanásia. Disse ele que existe uma “falsa compaixão” por detrás da promoção da eutanásia e do aborto, e assegurou que quem promove estas práticas tem o comportamento dos mafiosos. Os promotores do aborto e da eutanásia, observou, pensam desta maneira: “existe um problema, eliminemo-lo”, mas “a fidelidade ao Evangelho da vida, às vezes, requer escolhas corajosas e contra a corrente que, em certas circunstâncias, podem chegar à objeção de consciência”. (ACI, 27/07/15, online).
    Disse, em Nápoles, que a “corrupção fede” e “quem voluntariamente pega a estrada do mal rouba um pedaço de esperança, ganha um pouco de alguma coisa, mas rouba esperança a si mesmo, aos outros, à sociedade. A estrada do mal é uma estrada que sempre rouba a esperança e também a rouba à gente honesta e trabalhadora, e também ao bom nome da cidade, à sua economia”. Grande lição para os nossos dias!
    Isso é um pouco do muito que se poderia dizer do belo e profícuo pontificado de Francisco cujo terceiro ano comemoramos nestes dias. Mais: sem sombra de dúvida o Pontificado do Papa Francisco é profundamente marcado pela semana que passou em nosso meio, aqui no Rio de Janeiro, na abençoada e inesquecível JMJ. Por tudo isso, pelo seu exemplo de uma “Igreja em saída”, ao encontro dos que dela, como Mãe e Mestra, precisam, queremos louvar e agradecer a Deus, confiando à poderosa intercessão do justo São José, o seu Pontificado, e que nunca lhe falte a graça divina a nos levar para o encontro de Cristo!

    DEIXE UMA RESPOSTA

    Please enter your comment!
    Please enter your name here