Celebramos no dia 06 de agosto a gloriosa festa da Transfiguração do Senhor, momento luminoso em que Jesus, no alto da montanha, manifesta a seus discípulos a glória de sua divindade. Este episódio, narrado no Evangelho de Lucas (9,28b-36), ecoa a força profética do Antigo Testamento e a viva experiência dos primeiros apóstolos, conforme nos testemunham Daniel (7,9-10.13-14) e a Segunda Carta de Pedro (1,16-19). É uma liturgia que une céu e terra, profecia e cumprimento, promessa e esperança. Um dia que nos convida a subir com o Senhor, a contemplar sua luz e a descer transformados, como discípulos missionários no mundo.
Na primeira leitura, o profeta Daniel contempla uma visão grandiosa: “Assentou-se um ancião, cujo vestido era branco como a neve… um rio de fogo corria diante dele… e eis que entre as nuvens do céu vinha um como Filho de Homem” (Dn 7,9-10.13). Esta imagem, carregada de simbolismos, prefigura a autoridade gloriosa de Cristo, o Messias esperado que vem do alto com poder e realeza, a quem será dado “o domínio eterno, que não passará jamais”.
Este Filho do Homem — expressão que Jesus aplica a si mesmo no Evangelho — é Aquele que recebe todo poder do Pai. Ao se transfigurar diante de Pedro, Tiago e João, Jesus revela essa glória messiânica: Ele é o cumprimento da profecia, é o Senhor revestido de esplendor.
O Evangelho – Lc 9,28-36 – é denso de mistério e beleza. Jesus sobe ao monte para orar, e enquanto reza, “seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante” (Lc 9,29). A oração, mais uma vez, é o ambiente da manifestação divina. É na intimidade com o Pai que Jesus manifesta sua identidade. Moisés e Elias, símbolos da Lei e dos Profetas, aparecem para falar de sua “partida”, que Ele ia consumar em Jerusalém — referência direta à cruz.
Pedro, diante daquela visão, deseja construir tendas e permanecer ali. Mas a nuvem cobre os discípulos e deles surge a voz do Pai: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que Ele diz!” (Lc 9,35). Esta palavra é o centro da cena: escutar o Filho é o caminho do verdadeiro discipulado. A Transfiguração não é uma fuga do mundo, mas uma força para enfrentá-lo com esperança. O esplendor da glória de Cristo nos fortalece para carregar a cruz com confiança, pois sabemos para onde ela nos conduz.
A Segunda Carta de Pedro – 2Pd 1, 16-19 –, escrita por quem esteve naquele monte, nos diz: “Não seguimos fábulas artificiosas… nós fomos testemunhas oculares da sua majestade” (2Pd 1,16). Pedro recorda que viu com seus próprios olhos e ouviu com seus ouvidos a voz vinda do céu. E conclui com palavras que hoje ressoam profundamente: “Temos ainda mais firme a palavra dos profetas, à qual fazeis bem em prestar atenção, como a uma lâmpada que brilha em lugar escuro” (2Pd 1,19).
Em meio às trevas do mundo — guerras, indiferença, desesperança — a Palavra de Deus é uma luz que brilha no escuro. A experiência do Tabor nos convida a ser portadores dessa luz, a irradiar esperança e fé, a testemunhar o Cristo transfigurado mesmo quando nossas vestes estão cobertas de pó. O caminho da fé não é feito apenas de cumes luminosos, mas também de vales sombrios. Contudo, a luz contemplada nos sustenta e nos impulsiona a continuar.
A Transfiguração do Senhor tem algo de profundo a dizer também neste tempo de celebração do grande Jubileu da esperança em 2025, no qual a Igreja nos convida a viver a esperança e a redescobrir o rosto de Cristo. Ao contemplar Jesus glorificado, compreendemos que também nós somos chamados a ser transformados, transfigurados, renovados por dentro, para que possamos anunciar com mais ardor a beleza do Evangelho.
Essa festa também nos convida a um olhar pastoral. O que oferecemos aos jovens e às famílias é uma fé luminosa, que dá sentido à vida? As nossas comunidades têm sido montes de oração e contemplação, de onde os discípulos descem para evangelizar com ardor? Somos hoje, como Igreja, reflexo da glória do Cristo vivo ou estamos obscurecidos pelas nuvens do comodismo, da divisão ou do medo?
Assim como os apóstolos não puderam permanecer no monte, nós também somos convidados a descer. A experiência da luz não é para ser retida, mas compartilhada. O mundo aguarda discípulos que tenham contemplado a glória e estejam prontos a amar até a cruz.
A Transfiguração nos recorda que a última palavra não é a morte, mas a glória; não é a dor, mas a vida em plenitude. É por isso que hoje rezamos com o salmista: “O Senhor é Rei: a terra exulte de alegria… diante da glória do Senhor, que domina toda a terra!” (Sl 96/97). A glória de Cristo não está distante de nós; ela nos é revelada na liturgia, nos sacramentos, na caridade vivida. E, sobretudo, será plena quando estivermos face a face com Ele.