O tempo apaga os machucados, mas não cura as feridas. Somente a imersão no amor absoluto de Deus pode curar nossas feridas
Oolhar amoroso de Deus nos permite superar o medo da rejeição e tirar as nossas máscaras para reconhecer tanto a nossa luz quanto a nossa sombra. Percebemos nossos limites, feridas, mecanismos de defesa e incoerências, mas também nosso desejo por amor, alegria e paz, nossa capacidade criativa e relacional, nossa busca de sentido existencial.
Salomão, em Provérbios 14, 8 nos convida a “entender o nosso próprio caminho” e “estar atentos para os nossos passos” (Prov. 14,15). De fato, a maturidade provém da capacidade de compreender a nossa história e integrar as peças esparsas do quebra cabeça que é a nossa existência para enxergar o quadro completo.
As experiências marcantes da nossa vida precisam ser consideradas com referência para encontrar o seu sentido mais profundo e aprender com elas. Tempo e atenção são necessários se queremos evitar a superficialidade. Identificamos perplexos, a coexistência simultânea e sistêmica de alegria e tristeza, prazer e dor, sofrimento e paz, amor e solidão.
Perceber esta condição da nossa humanidade entra em choque com o desejo de nos apegar a um estado mental dominante e obsessivo como a busca da felicidade permanente. Nossa sociedade a define como, a ausência de dor e, para isto, construímos um castelo forte onde estamos protegidos, mas também enclausurados.
Poupar-nos do sofrimento acaba nos privando da alegria, pois estes dois sentimentos são parceiros inseparáveis nesta vida. Nossa cultura prega uma felicidade artificial mantida com pílulas que anestesiam a dor camuflando nossa inescapável condição de mortalidade e fragilidade. Solitários e carentes buscamos compensar o nosso vazio interior mediante um consumismo compulsivo.
O desejo mais profundo de amar e ser amado requer a disposição de baixar as defesas e nos torna vulneráveis. As feridas mais profundas e dolorosas não provêm de acidentes que nos aconteceram, mas do amor. O amor transforma nossa personalidade e nossa percepção. Ele nos arranca de um mundo em preto e branco para nos transportar num universo de cores brilhantes e paisagens sempre renovadas. Quando o amor se retrai, sofremos a dor da perda. A alegria do encontro é proporcional à dor do desencontro.
Precisamos diferenciar feridas e machucados. Os machucados como o fracasso num teste, uma derrota financeira, uma expectativa frustrada, são sofrimentos provisórios e superáveis. As feridas nos marcam para sempre. Elas modificam nossa percepção íntima e o fundamento da nossa identidade. Uma ferida significa que nada será como antes. O tempo apaga os machucados, mas não cura as feridas. Somente a imersão no amor absoluto de Deus pode curar nossas feridas.
É preciso mergulhar na morte de Jesus Cristo para experimentar a Sua ressurreição. O significado das nossas feridas emerge quando as vivenciamos na sua relação com outros eventos e padrões da nossa vida. Conforme a maneira como lidamos com as nossas feridas, podemos nos tornar feridos que ferem ou feridos que curam.
A Bíblia fala de dois tipos de tristeza: uma tristeza “mundana” que leva à autocomiseração, nos faz assumir o papel de vítima e “produz morte”; uma tristeza na perspectiva de Deus que gera transformação e vida (II Coríntios 7,10).
Mergulhando na história da nossa vida, encontramos momentos dramáticos em que tivemos que fazer a escolha crucial de nos tornarmos amargurados por nossas feridas ou feridos que curam.
O filme “Patch Adams: o amor é contagioso” fala de um homem que fez a escolha de ser um ferido que cura e quase desistiu quando uma nova ferida o empurrou na beira do precipício. Para seu próprio bem e o bem das pessoas à sua volta, ele finalmente escolheu seguir o princípio bíblico de “vencer o mal com o bem” (Rom. 12, 21).
Na maioria das vezes, optamos por uma solução intermediária mesclando sentimentos de magoa e desejo de superar, passando alternativamente de vítima à protagonista. Nossa experiência pessoal de feridos curados pelo amor incondicional de Deus é que nos permite aliviar o sofrimento de outros.
Enquanto perseguimos nossa felicidade como prioridade absoluta, iremos fazer isto à custa do bem-estar do outro. Mas ao buscar diminuir a dor do nosso próximo, encontraremos a plenitude de alegria para a qual fomos criados. Assim, em vez de fugir do sofrimento através de uma vida artificial, podemos superá-lo com o bálsamo do amor de Deus que transforma o mal em bem.
Precisamos olhar para os retalhos espalhados da nossa vida na perspectiva de Jesus Cristo que venceu o mal e a morte. Assim poderemos costurá-los para formar uma colcha que reflete a obra de arte única que é a nossa existência à luz do amor de Deus e na dependência do Espírito Santo.
Vamos tentar?
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Henrique Santos Filho, fundador da Comunidade Anuncia-me, pelo Hozana