Jesus “admirou-se com a falta de fé deles” (Mc 6,6). Esta constatação o evangelista Marcos (6, 1-6) registra quando Jesus foi a Nazaré, terra onde se havia criado. Os conterrâneos, quando escutam a pregação de Jesus e veem os seus milagres, reagem de várias maneiras: uns ficam admirados, outros escandalizados e outros ainda o rejeitam. Isto demonstra que crer ou não crer é uma questão inquietante e provocativa.
O filósofo cristão dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855) contou uma parábola do palhaço e da aldeia em chamas. A história conta que houve um incêndio num circo ambulante na Dinamarca. O diretor mandou o palhaço para aldeia, já vestido para entrar em cena, para alertar a aldeia que o fogo poderia se alastrar e queimar também a aldeia. Vestido a rigor, quanto mais o palhaço alertava para o perigo, mais os aldeões riam e se divertiam e se admiravam da sua performance. Como não conseguiu convencer ninguém, as chamas se alastraram até a aldeia. Esta imagem pode ser usada para ilustrar o desafio de falar de fé hoje. Ainda nos é permitido ter fé? Ainda somos capazes de ter fé? A linguagem usada é insuficiente e inadequada? A fé é tradição, portanto é assunto de outra época como as vestes do palhaço? As ciências respondem melhor as perguntas que a religião? Os assuntos da fé não estão ao alcance das provas científicas e da racionalidade? São alguns dos questionamentos que podem ser levantados.
A situação do homem diante da questão de Deus gera dúvidas e fé. Para aquele que crê e anuncia a fé, se fizer uma autocrítica, perceberá que o problema não está só na maneira de transmitir e de fazer-se entender, mas também na insegurança da própria fé e do poder aflitivo da incredulidade presente em sua própria vontade de crer. A situação daquele que crê não é muito diferente de quem não crê, pois também é assolado por dúvidas, claro se manifestando de maneira diferente. Ilustrativas são as dúvidas de grandes santos místicos como Santa Teresinha no Menino Jesus, São João da Cruz e outros.
Mesmo para quem se declara sem fé não vive na certeza e na segurança daquilo que está ao seu alcance. O filósofo Ludwig Feuerbach (1804-1872), ateu convicto, ocupou-se a vida inteira com temas relacionados com a religião. Como ele mesmo afirmou só tratou deste tema. A dúvida persiste, será que Deus mesmo não existe? O problema persiste, pois, é um dilema da existência humana. Não se consegue fugir totalmente da dúvida e da fé.
A dúvida é positiva por impedir que crentes e não crentes se fechem completamente sobre si próprios, é ela que quebra a casca de quem tem fé, abrindo-o para aquele que duvida, e abre a casca de quem duvida para aquele que tem fé. A dúvida estimula a fazer perguntas e buscar respostas.
O que seria a essência da fé? São Paulo fala que “caminhamos pela fé, não pela visão”. A fé não considera como irreal aquilo que não pode estar ao alcance da visão, mas aquilo que é invisível se torna o sustento do visível como algo indispensável para a existência. A fé cristã não fala de algo localizado fora do humano, do mundo e do tempo. Ela tem a ver com o Deus que está dentro da história. Este Deus revelado por Jesus, tão próximo que pôde ser contemplado pela visão, ser tocado, ouvido e até ser morto.
Nesta perspectiva, fé cristã é confiar-se ao Deus revelado por Jesus Cristo. É um ato humano de firmar-se, apoiar-se e encontrar em quem se confia o sentido para a vida e para o mundo. É o encontro com o TU que sustenta na dúvida e na fragilidade da condição humana.