Esmola e caridade

    Estamos no período quaresmal e a sua espiritualidade muito rica nos ajuda a aprofundar alguns pontos: oração, jejum e esmola (caridade). Foi com esses temas que iniciamos a Quaresma na Quarta-feira de Cinzas. Quais seriam os efeitos e o sentido espiritual da esmola (caridade) para as nossas vidas?
    Quando ouvimos a palavra esmola, logo vem em nossas cabeças a imagem de algumas moedas ou um trocadinho que tiramos do bolso para dar a alguém que nos pede, na porta de casa, no farol ou nas calçadas das nossas cidades ou na porta de nossas igrejas. Geralmente, esta doação que fazemos é algo que nos sobra ou um restinho do que a gente tem. Porém, esmola (caridade) é muito mais do que isso. É dar mais de si do que aquilo que se tem. Precisamos, sim, ajudar os nossos irmãos nas suas necessidades, a fome não espera, mas esmola é muito mais que assistencialismo: é dar vida, dignidade, tirar o irmão da situação que ele se encontra. Dar algo material é muito mais fácil e cômodo do que dar de si, do seu tempo, das suas capacidades, daquilo que você sabe fazer, e principalmente, do amor humano carregado do amor Divino.
    Mas podemos nos perguntar: o que significa a esmola (caridade)? Dar esmola significa dar de graça, dar sem interesse de receber de volta, dar sem egoísmo, sem pedir recompensa, em atitude de compaixão. Nisto, nós imitamos o próprio Deus no mistério da criação, e a Jesus Cristo no mistério da Redenção. O homem recebeu tudo do seu criador. Tudo quanto tem, possui o porquê recebeu. Ora, se Deus dá de graça e se o homem é criado à imagem e semelhança de Deus, se Cristo se doou totalmente, dando sua vida, também ele será capaz de dar de graça. Ao descobrir que dentro de si existe a sublime capacidade de dar de graça, a exemplo de Deus e de Cristo, brota nele o desejo de celebrá-la.
    Quando, pois, na Quaresma a Igreja convoca todos os fiéis a darem esmola, ela comemora aquele que por excelência exerceu a esmola: Jesus Cristo. Convida o homem à atitude de abertura ao próximo, convida-o a servir ao próximo com generosidade e desprendimento. Ora, neste momento a esmola começa a significar toda essa atitude de doação gratuita. Não só de bens materiais, mas o tempo, o interesse, as qualidades, o serviço, o acolhimento, a aceitação. E todo este mistério de abertura e gratuidade em favor do próximo na imitação de Deus e de Cristo possui então uma linguagem ritual. Tem valor de símbolo. Pela celebração da esmola, a Igreja comemora a generosidade de Cristo que deu sua vida pelos seus e torna presente Cristo, dando-se a seus irmãos em cada irmão, formando o seu corpo. Assim, quando a Igreja convida os fiéis a exercerem a esmola durante a Quaresma, sabe muito bem que não é pela esmola em si que ela vai resolver os problemas sociais e realizar a promoção humana, mas sabe também que é pelo que a esmola significa que ela vai realizar uma verdadeira promoção humana.
    Dessa maneira, não é a quantia que importa, mas o quê o gesto ou o rito da esmola significa. Exercitando a atitude da esmola durante a Quaresma, a Igreja quer levar os cristãos a viverem a atitude de gratuidade durante todo o ano, durante toda a vida. Descobrimos, então, que no exercício da esmola está contida a atitude de conversão, em relação ao próximo.
    O Catecismo da Igreja Católica diz que no Batismo Deus infunde na alma, sem nenhum mérito nosso, as virtudes, que são disposições habituais e firmes para fazer o bem. As virtudes infusas são teologais e morais. As teologais têm Deus como objeto; as morais têm como objeto os bons atos humanos. As teologais são três: fé, esperança e caridade.
    No que diz respeito à virtude teologal da caridade, ou seja, do amor, deve-se ter em conta que o amor a Deus e o amor ao próximo são uma mesma e única coisa, de modo que um depende do outro; por isto, tanto mais poderemos amar ao próximo quanto mais amemos a Deus; e, por sua vez, tanto mais amaremos a Deus quanto mais de verdade amemos ao próximo.
    A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas, por si mesmo, e a nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus. (§1822)
    Jesus fez da caridade o novo mandamento. Amando os seus “até o fim” (Jo 13,1), manifesta o amor do Pai que Ele recebe. Amando-se uns aos outros, os discípulos imitam o amor de Jesus que eles também recebem. Por isso diz Jesus: “Assim como o Pai me amou, também eu vos amei. Permanecei em meu amor” (Jo 15,9). E ainda: “Este é o meu preceito: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12). (§1823)
    Fruto do Espírito e da plenitude da lei, a caridade guarda os mandamentos de Deus e de seu Cristo: “Permanecei em meu amor. Se observais os meus mandamentos, permanecereis no meu amor” (Jo 15,9-10). (§1824)
    Cristo morreu por nosso amor quando éramos ainda “inimigos” (Rm 5,10). O Senhor exige que amemos como Ele, mesmo os nossos inimigos, que nos tornemos o próximo do mais afastado, que amemos como Ele as crianças e os pobres. (§1825)
    O apóstolo S. Paulo traçou um quadro incomparável da caridade: “A caridade é paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (l Cor 13,4-7).
    Portanto, eis o grande convite para este tempo quaresmal, dentro do Ano da Caridade Arquidiocesano! Que vivamos intensamente a oração, que cumpramos com o jejum como forma de moldarmos ainda mais o nosso coração à vontade de Deus, e que exerçamos a esmola (caridade) como forma de doação do que temos e somos a serviço daqueles que mais necessitam.