A Importância da Divulgação dos Santos Brasileiros
Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro
1. Introdução
Este Encontro com os Postuladores das Causas dos Santos no Brasil é uma ocasião muito oportuna para tratarmos desta questão, sobretudo mediante o novo regulamento da Congregação para as Causas dos Santos, aprovado pelo Papa Francisco.
Os trâmites dos processos de beatificação e canonização, pelos quais cada um dos presentes é responsável, têm suas características próprias e a possibilidade de troca de ideias é esclarecedora para o aperfeiçoamento e a atualização necessária ao seu trabalho.
No entanto, nunca se pode perder o foco naquilo que é fundamental dentro da missão que lhes compete: o autêntico chamado à santidade. Assim, permitam-me citar um trecho da Constituição Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, no capítulo sobre a Vocação Universal à Santidade, com certeza amplamente conhecido por todos, mas que é sempre oportuno relembrar:
“Nos vários gêneros e ocupações da vida, é sempre a mesma a santidade que é cultivada por aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus e, obedientes à voz do Pai, adorando em espírito e verdade a Deus Pai, seguem a Cristo pobre, humilde, e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da Sua glória. Cada um, segundo os próprios dons e funções, deve progredir sem desfalecimentos pelo caminho da fé viva, que estimula a esperança e que atua pela caridade”. (nº 41)
2. A santidade em nosso tempo
No mundo contemporâneo, racional e pragmatista, que tem no hedonismo um fim em si mesmo, princípios como “pobreza”, “humildade” e “cruz” tornam-se aparentemente anacrônicos e ingênuos. No entanto, como ensina o texto que acabei de ler, é assim que seguimos a Cristo, como adoradores do Pai em espírito e verdade, e nos é prometida a participação na Sua glória.
A importância dos santos para nós está justamente na vivência cotidiana do seguimento de Cristo, segundo o contexto de sua época. Entre os santos mais antigos, encontramos exemplos e modelos que a História, não apenas da Igreja, mas universal, reconheceu como pessoas de grande influência no seu tempo, seja como reformadores, mestres, formadores de opinião ou pioneiros da caridade social.
Nos nossos dias, os santos contemporâneos atualizam esta mesma disponibilidade à ação do Espírito Santo, em uma diversidade de situações e experiências de vida com as quais qualquer um de nós pode se identificar. E hoje, talvez mais do que nunca, precisamos conhecer tais experiências concretas, para nos lembrarmos de que ainda são possíveis e sempre o serão – e aqui volto ao trecho da Lumen Gentium – desde que não desfaleçamos no caminho da fé viva, que estimula a esperança e que atua pela caridade.
Nunca é demais lembrarmos das conhecidas palavras do Beato Paulo VI na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi: “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas”. (nº 41)
3. A realidade brasileira
A importância dos santos para o nosso povo é um aspecto fundamental, não apenas da nossa religiosidade, mas da nossa cultura, que é mesclada por elementos sagrados profundamente enraizados em nossas tradições. Dentre estes aspectos, destaca-se fortemente a devoção aos santos.
A realidade brasileira tem, ainda, peculiaridades próprias que exigem da Igreja uma evangelização ampla e firme, a fim de sanar erros, superstições e sincretismos que muitas vezes contaminam a devoção popular, depurando desses resquícios as figuras de santos tradicionalmente cultuados entre nós.
Aqui no Rio de Janeiro, nossa Arquidiocese tem procurado aprofundar as raízes católicas dos nossos santos mais populares, a começar pelo Padroeiro da cidade e da Arquidiocese, com a Trezena Anual de São Sebastião, que percorre todos os recantos da cidade. Além disso, procuramos trazer a devoção ao popular São Jorge para a sua origem na Igreja Católica.
Recentemente, também tivemos a visita do Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, que participou de uma programação voltada para o diálogo cultural com diversos segmentos da sociedade, no evento que denominamos “Pátio dos Encontros”. Nossas raízes católicas têm tudo a ver com as manifestações culturais, e estes vínculos históricos precisam ser reforçados, como meios de evangelização da cultura e também de reconhecimento de nossa própria identidade como povo e nação.
4. Os santos brasileiros
Finalmente, chego ao tema central desta exposição, o qual, a meu ver, exigiu esta introdução para melhor situar a questão dos santos brasileiros.
Embora, como já disse, a devoção aos santos esteja entranhada na religiosidade do nosso povo, carecemos de testemunhas da fé ligadas à nossa realidade e ao nosso tempo. Isto talvez explique porque a devoção popular prossiga muitas vezes divorciada da vida concreta, isto é, do fundamento em um modelo a ser seguido no caminho para Jesus Cristo, para se refugiar em práticas ancestrais que misturam religião, folclore e superstição. Temos, então, uma religiosidade não-cristocêntrica, que busca intercessões milagrosas, enquanto que, entre as populações mais carentes e de menor escolaridade, também alimenta uma mentalidade fatalista, que atribui a Deus aquilo que a pessoa ou a sociedade são incapazes de assumir.
Por tudo isso, a crescente quantidade de processos de brasileiros candidatos aos altares nos enche de alegria e de esperança. São pessoas comuns como nós, que se destacaram pela amizade com Deus e pelo cumprimento amoroso da Sua vontade, atuando nos conventos e na vida sacerdotal, mas também na família, no meio profissional, nas obras assistenciais, na prática esportiva e até nas atividades infantis.
Mais do que ser modelos e intercessores, eles podem manifestar com clareza a amizade que os une a nós, como nossos irmãos mais velhos, que viveram nossas angústias e nossas fraquezas e, apesar disso, nos precederam no caminho da fé e estão junto ao Senhor.
Sentir-nos próximos de nossos conterrâneos, e talvez até contemporâneos, também fortalece em nós a fé na Comunhão dos Santos. Somos todos filhos de Deus, e saber que temos gente nossa lá no céu aprofunda o sentido de comunhão, que nos motiva a pertencer a essa família. Assim, podemos viver e ensinar o que o Papa Francisco resume nesta frase: “Não vos contenteis com uma vida cristã medíocre, caminhai decididamente para a santidade”. (Publicada no twitter do Papa em 7 de maio de 2013).