Iniciando a Quaresma com a celebração da quarta-feira de cinzas somos convidados a aprofundar a espiritualidade quaresmal para vivenciarmos esse itinerário que o Papa Francisco, em sua homilia ao abrir esse tempo favorável assim se referiu: “A Quaresma é o tempo para reencontrar a rota da vida. Com efeito, no caminho da vida, como em todos os caminhos, aquilo que verdadeiramente conta é não perder de vista a meta”. E ainda fez algumas perguntas: “No caminho da vida procuro a rota?” e, citando a Palavra de Deus chama a todos para que se “Voltem para mim, diz o Senhor.” E o Papa conclui: “para mim: o Senhor é a meta da nossa viagem no mundo. A rota deve ser ajustada na direção d’Ele”.
A Quaresma é esse tempo de recomeço, de volta, de retomada, de reviver a vida batismal. Nós renovaremos as promessas batismais na Vigília da Páscoa e esse ato não pode ser apenas ritual, deve estar inserido em nossa vida e conversão. Este é o tempo litúrgico de conversão, que a Igreja marca para nos preparar para a grande festa da Páscoa. É tempo para nos arrepender de nossos pecados celebrando o sacramento da penitência ou confissão deixando-nos conduzir por novos caminhos em Cristo.
A Quaresma dura 40 dias (excetuados os domingos): começa na quarta-feira de Cinzas e termina na quinta-feira da Semana Santa excluída a celebração da Ceia do Senhor, quando iniciaremos o tríduo pascal. Ao longo deste tempo, sobretudo, na liturgia do domingo, fazemos um esforço para recuperar o ritmo e estilo de verdadeiros fiéis que devemos viver como filhos de Deus.
Trata-se de um tempo privilegiado de conversão, combate espiritual, jejum e escuta da Palavra de Deus. Entramos no “deserto” com Cristo, como recorda o Papa em sua mensagem para a quaresma, para fazer o mundo “voltar a ser aquele jardim da comunhão com Deus que era antes do pecado das origens”. Estamos refazendo o caminho do Êxodo para que do inverno de nossos pecados passemos para a primavera dos novos tempos.
O número de quarenta é importantíssimo, pois tem toda uma significação bíblica. No passado era o tempo aproximado de uma geração. Encontramos muitas referências a esse número, mas recordo de algumas: os quarenta dias do Dilúvio (Gn 7,4), os quarenta dias de Moisés no Monte Sinai, os quarenta anos de Israel no deserto (Ex16,35; Nm 14,33; Dt 29,5; os quarenta anos do reinado de Davi (2Sm 5.4), os quarenta dias do caminho de Elias (1Rs 19,8) e, sobretudo, os quarenta dias do Senhor Jesus no deserto (Mt 4,3; Mc 1,13; Lc 4,2), preparando sua vida pública, mas também o tempo de Jesus entre Ressurreição e Ascensão (At 1,3). É digno de nota que o mesmo Jesus que entrou na penitência dos quarenta dias aparece transfigurado com dois outros penitentes: Moisés e Elias! Por isso mesmo, o cuidado da Igreja de reservar exatos quarenta dias para a penitência! É o tempo da Quaresma! É tão antigo que tem suas raízes na própria prática da Igreja apostólica.
A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa penitência. É um tempo de reflexão, de penitência, de conversão espiritual; tempo e preparação para o mistério pascal. A espiritualidade da Quaresma, depois de tudo o que foi dito, aparece em seu caráter essencialmente cristocêntrico-pascal-batismal. Este tempo litúrgico é caminho de fé-conversão para Cristo, que se faz servo obediente ao Pai até a morte de cruz. Na espiritualidade quaresmal, três pontos são ressaltados: 1- Oração, 2- Jejum e 3- Esmola como já comentamos outras vezes.
Na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa os cristãos fazem abstinência de carne e jejuam: o jejum nos faz recordar que somos frágeis e que a vida que temos é um dom de Deus, que deve ser vivida em união com ele. Somos convidados a fazer alguma penitência durante todas as sextas-feiras da Quaresma.
O Papa Francisco iniciou a sua homilia desta quarta-feira de cinzas conclamando a todos para entrarem neste tempo de coração aberto e contrito: «Toquem a trombeta em Sião, proclamem um jejum». Com esse versículo do livro do Profeta Joel, iniciou sua homilia, sublinhando que a “Quaresma tem início com um som estridente: o som duma trombeta que não acaricia os ouvidos, mas proclama um jejum. É um som intenso, que pretende abrandar o ritmo da nossa vida, sempre dominada pela pressa, mas muitas vezes não sabe bem para onde vai. É um apelo a deter-se para ir ao essencial, a jejuar do supérfluo que distrai. É um despertador da alma”, disse o Papa. E ainda acrescenta: “ao som desse despertador, segue-se a mensagem que o Senhor transmite pela boca do profeta, uma mensagem breve e premente: «Voltem para Mim”.
A Quaresma é um tempo propício para lutarmos contra os nossos defeitos mais arraigados. Podemos aproveitar esta época litúrgica para crescer em conhecimento próprio, fazendo um exame mais aprofundado da nossa vida para descobrir o que nos aproxima ou afasta de Deus. Depois, marcaremos metas palpáveis de melhora e nos esforçaremos por atingi-las. Se alguma vez falharmos, recorreremos com humildade e contrição ao sacramento da Penitência e recomeçaremos com alegria. Se fizermos a nossa parte, que é lutar sempre confiantes na ajuda de Deus, Ele não deixará de nos conceder as graças necessárias para uma verdadeira conversão.